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Capítulo III – O Direito de Regresso no âmbito da Venda de Bens de Consumo

3. Direito de Regresso no âmbito da Venda de Bens de Consumo

3.3. Prazos de exercício

Sabemos que ao titular do direito de regresso – o vendedor final ou um vendedor intermediário – assiste uma presunção da existência do defeito no momento da entrega do bem ao respetivo titular, contando-se o prazo de dois ou cinco anos – conforme se trate de um bem móvel ou imóvel – a partir da

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Na esteira de Paulo Mota Pinto, “o demandado deverá poder afastar o direito de regresso provando que não existia falta de conformidade quando entregou a coisa ou, caso esta seja posterior a tal momento, que não foi causada por si” in Paulo Mota PINTO, «O Direito de Regresso do Vendedor Final de Bens de Consumo», cit., p. 1206.

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data de entrega do mesmo ao consumidor. Falta apenas averiguar quais os prazos de que o titular do direito de regresso dispõe para exercer esse mesmo direito.

Neste contexto, o papel do legislador nacional consistiu em garantir que os prazos de que o vendedor final ou o vendedor intermediário dispõe para agir são prazos exequíveis, na medida em que não inviabilizem o real exercício de uma ação de regresso. Destarte, na esteira de Paulo Mota Pinto, não importava conceder um prazo demasiadamente alargado ao vendedor porquanto este não se afigurava necessário para a tutela dos interesses dos mesmos231. Ao invés,

o ponto fulcral da questão seria o momento a partir do qual este prazo começava a correr, defendendo o autor que esse momento deveria ser o do exercício dos direitos do consumidor, ou pelo menos, o da comunicação do defeito ao vendedor, devendo sempre ser estabelecido um prazo preclusivo geral a contar a partir do momento da entrega do bem pelo demandado ao titular do direito de regresso232. Posto isto, vejamos qual o enquadramento legal à luz do nosso Decreto-Lei.

O nº 2 do artigo 8º do Decreto-Lei 67/2003 estabelece que o prazo para o exercício do direito de regresso é de cinco anos, contados a partir do momento da entrega do bem pelo profissional demandado ao titular do direito de regresso. A título exemplificativo, imagine-se que A, fornecedor de relógios, vende um relógio a B, relojoeiro, em Agosto de 2010. Em Agosto de 2013, B vende esse relógio a C, consumidor, que acaba por detetar determinada falta de conformidade, pela qual aciona a sua contraparte contratual, a saber B. Dessarte, B fica na titularidade de um direito de regresso contra A, porquanto foi com ele que contratou. Nos termos do nº 2 do artigo 8º, poderá exercer o

seu direito de regresso até Agosto de 2015 – ou seja, até cinco anos após o

momento em que A entregou o relógio a B. Note-se, no entanto, a previsão do

231 Paulo Mota Pinto entende que o risco da demora da revenda comercial e do consequente

tempo de armazenamento prolongado dos bens deve correr por conta do vendedor, porquanto a Diretiva apenas prevê o direito de regresso para os casos em que a falta de conformidade se deve a um elemento anterior a esse da cadeia contratual. Neste sentido, Paulo Mota PINTO, «O Direito de Regresso do Vendedor Final de Bens de Consumo», cit., p. 1211.

232 Assim, Paulo Mota PINTO, «O Direito de Regresso do Vendedor Final de Bens de

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nº 4 do artigo 8º, de acordo com o qual este prazo se suspende durante o processo em que o vendedor final seja parte233.

Não obstante, o titular do direito de regresso deverá ainda respeitar o prazo constante do nº 3 do artigo 8º, que determina que a ação de regresso deverá ser proposta até dois meses após a satisfação do direito do consumidor ou comprador, consoante o titular do direito de regresso seja o vendedor final ou um vendedor intermediário234. Aproveitando o exemplo supra e partindo do princípio que B satisfez o direito de C em Setembro de 2014, nos termos do nº 3 do artigo 8º, B deverá exercer o seu direito de regresso até Novembro de 2014.

Os prazos elencados funcionam conjuntamente, pelo que são cumulativos e não alternativos. Nessa medida, o titular do direito de regresso poderá exercer o seu direito nos dois meses seguintes à satisfação do direito do comprador235, sem nunca ultrapassar os cinco anos após o momento em que o bem lhe foi entregue. No exemplo fornecido ambos os prazos se encontram cumpridos, motivo pelo qual B poderia acionar A até Novembro de 2014 – respeitando assim os dois meses após a satisfação do direito de C mas também os cinco anos após a entrega do bem a B, que findam apenas em Agosto de 2015.

Imaginemos agora uma segunda situação hipotética: B satisfaz agora o direito de C em Agosto de 2015. Assim, unicamente pelo critério dos dois meses após essa satisfação, B poderia acionar A até Outubro de 2015. Contudo, os cinco anos após a entrega do bem a B findaram já em Agosto de 2015, motivo pelo qual B já não poderá exercer o direito de regresso perante A. Por último, pense-se que a satisfação do direito de C por B ocorreu em Julho de 2015. Uma vez mais, e unicamente pelo critério dos dois meses após

233 Ou o vendedor intermediário, consoante quem seja o titular do direito de regresso no

concreto caso.

234 O nº 3 do artigo 8º do Decreto-lei 67/2033 apenas faz referência à satisfação do direito do

consumidor. Entendemos porém que tal menção apenas faz sentido para as hipóteses em que o titular do direito de regresso é o vendedor final, porquanto satisfez o direito do consumidor. Caso o titular do direito de regresso seja um vendedor intermediário – no caso de o vendedor final já ter logrado os benefícios da ação de regresso contra a sua contraparte contratual,

rectius, o vendedor intermediário – deverá levar-se em consideração o momento da satisfação do direito do comprador, ou seja, o vendedor intermediário seguinte na cadeia contratual. Neste sentido, João Calvão da SILVA, Venda de Bens de Consumo, cit., p. 122.

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a satisfação do direito de C, B teria até Setembro de 2015 para exercer o seu direito de regresso contra A. Contudo, apenas o poderá fazer até Agosto de 2015, momento em que findam os cinco anos após a entrega do relógio a B.

Sistematicamente, o legislador nacional optou assim por estabelecer um prazo breve – dois meses – de exercício do direito de regresso, atendendo, como dies a quo, ao momento a partir do qual o direito de regresso pode ser exercido, mormente, o momento da satisfação do direito do consumidor ou comprador, tendo estabelecido, cumulativamente, um prazo preclusivo geral – cinco anos – a contar do momento da entrega do bem pelo profissional demandado ao titular do direito de regresso.

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