• Nenhum resultado encontrado

Durand (2002) afirma que a função principal da função fantástica, isto é, do imaginário, é a vitória ontológica sobre a angústia temporal, por meio de uma esperança essencial que se manifesta nas estruturas e nos regimes do imaginário. Essa angústia existencial revela-se nas faces do tempo.

Esse poder finito do tempo apresenta-se, conforme Durand (2002), em três faces: a teriomorfa, nictomorfa e catamorfa. A primeira refere-se a imagens de animais devoradores e que remetem ao caos primordial; a segunda relaciona-se com os aspectos sombrios e devoradores; o terceiro vincula-se a símbolos de quedas e de depreciação.

Justamente às faces do tempo e da morte que o imaginário resiste através dos regimes diurnos e noturnos. Assim, identificar as maneiras como o tempo revela sua face, parece-nos

indicar o modo que a vida simbólica e imaginária reage e atribui significado à existência humana e cósmica.

O Regime Diurno é caracterizado pelo reflexo dominante postural de verticalização e seu conjunto auxiliar das sensações à distância como a visão e a audiofonação. Esse regime, segundo Durand (2002), visa a enfrentar abertamente a angústia existencial através dos princípios de exclusão, de contradição e de identidade. É o imaginário das antíteses.

Desse modo, as imagens diurnas se constelam em três pólos. Primeiro os símbolos ascencionais, marcados pela verticalização e pelo esforço de levantar o busto, assim opondo- se aos símbolos catamórfos; segundo, os símbolos espetaculares, caracterizado pela visão e iluminação, desse modo, contrapondo-se às imagens nictomorfas; e, por último, os símbolos diairéticos, caracterizado pelo trato manipulatório que tem como fim o confronto e objeta-se às imagens teriomorfas. (Ilustração 3)

Ilustração 3: Esquema do Regime Diurno (ambíguo). Fonte: GOMES-DA-SILVA (2010)

Diferentemente do Regime Diurno, o Regime Noturno é caracterizado pelos reflexos digestivos e copulativos que visam a enfrentar o tempo não diretamente, mas, conforme

Durand (2002, p.194): “na segura e quente intimidade da substância ou nas constantes rítmicas que escondem fenômenos e acidentes”. Esse regime destaca-se pelo princípio da conversão, antífrase, e do eufemismo. Essa é outra maneira da atitude imaginativa enfrentar as faces do tempo.

Todavia, esse regime é marcado por uma ambiguidade que, por conseguinte, polarizam dois grupos de símbolos. O primeiro grupo é regido pelo reflexo digestivo em que ocorre uma inversão do conteúdo afetivo das imagens por meio de duas categorias simbólicas: os símbolos de inversão, que visa à anulação do medo, e os de intimidade, que apresentam uma valorização do destino, um amor fati. Essas imagens adotam um perfil místico, conforme Durand (2002, p. 269): “no seu sentido mais corrente, no qual se conjugam uma vontade de união e um certo gosto de intimidade secreta”.

O segundo grupo do regime noturno que agrega outro conjunto de imagens é caracterizado pelo reflexo copulativo, rítmico que tem como escopo a dominação do devir, não de maneira hostil como no regime diurno, nem de forma eufêmica e antifrásica como nas estruturas místicas, mas por um domínio do tempo. (Ilustração 4)

Tal domesticação do devir dá-se através dos símbolos cíclicos que pretendem manifestar tanto o caráter repetitivo do ritmo temporal, quanto a direção progressista da história. Conforme Durand (2002, p.282):

Todos os símbolos da medida e do domínio do tempo vão ter a tendência para se desenrolar seguindo o fio do tempo, para ser míticos, e esses mitos serão quase sempre mitos sintéticos que tentam reconciliar a antinomia que o tempo indica: o terror diante do tempo que foge, a angústia diante da ausência e a esperança na realização do tempo, a confiança numa vitória sobre ele. Estes mitos, com a sua fase trágica e a sua fase triunfante, serão assim sempre dramáticos, quer dizer, porão alternativamente em jogo as valorizações negativas e positivas das imagens.

Desse modo, percebemos que a obra barroca, por definição é caótica, irregular, por conseguinte, manifestando um prisma teriomorfo do tempo. De fato, a arte barroca é eivada de sinais da efemeridade da vida, das incertezas da época moderna, das crises sociais e religiosas causadas pela Reforma Protestante e pela descoberta do Novo Mundo.

Além do mais, como instrumento de ampliação e de sistematização da identificação dos elementos do imaginário da igreja de Santo Antônio, adotamos o Teste Arquetípico dos nove elementos (AT-9). Este é um teste concebido pelo psicólogo Yves Durand e compõe-se de nove estímulos-desenhos, um relato sobre o desenho, um quadro destinado à síntese do exposto e, por fim, um questionário. (DURAND, Y. 1988)

Por sua vez, os nove elementos são subdivididos em três categorias funcionais. Os elementos geradores de angústia: a queda e o monstro; aqueles responsivos, que visam resolver a angústia existencial: a espada, o refúgio e o elemento cíclico; e por fim, os estímulos complementares: o fogo, a água, o animal e o personagem. (Ilustração 5) O personagem revela qual é a atitude do paciente diante da demanda. (DURAND, Y. 1988)

Ilustração 5: Categorias do Teste AT9.

Desse modo, o resultado do teste é classificado conforme as estruturas definidas por Gilbert Durant, a saber: heroica, mística, ou sintética, e, somado a esses o universo da não- estruturação, quando não se identifica uma articulação temática dos elementos. Por conseguinte, procede-se uma subdivisão dessa classificação com o escopo de uma maior precisão na classificação do universo mítico do paciente. (DURAND, Y. 1988). Como afirma Mello (1994, p.50):

O agrupamento simbólico da estrutura heroica dispõe-se em torno de três elementos essenciais: o personagem, a espada e o monstro. O monstro, normalmente hiperbolizado, deverá ser combatido pelo personagem, que se valerá da espada. Os outros elementos integram-se a este cenário, reforçando a atitude heróica. No entanto, nem todas as soluções heróicas são assim, tão notadamente colocadas; daí que Uves admita categorias heróicas, capazes de hierarquizar esta atitude, tipo: super-heroicas, heróico-integradas, heróico-impuras e heróico-

atenuadas, considerando-se as formas de combate ou até a fuga. Os agrupamentos

harmonia. O personagem não é um herói; ele participa de “espaços” de onde desaparecem as dificuldades existenciais. A estrutura dos temas míticos define-se pela organização do espaço, com o refúgio sobremaneira privilegiado, e todos os outros elementos tratados de forma a integrarem-se coerentemente. Espada e monstro costumam ser desfuncionalizados, emblematizados, ou simplesmente desaparecem também esta série admite categorias: supermísticas, místico-

integradas, místico-impuras e lúdicas.No agrupamento da estrutura sintética,

observa-se uma dupla atualização: heróica e mística, com os elementos oganizados em trono do esquema do retorno, com o arquétipo do elemento que gira privilegiado, denotando um dinamismo cíclico. Aqui, as series heoicas e místicas aparece: de forma simultânea, como no caso da estrutura sintética bipolar; ou alternadas e sucessivas, ligadas por um relato, geralmente longo e detalhado, como no caso da estrutura sintética polimorfa.

Portanto, procedemos nesta pesquisa de maneira multidisciplinar e colaborativa, com o intuito de analisarmos o fenômeno religioso por meio do imaginário presente na igreja de Santo Antônio, e, assim, identificarmos a esperança vital manifestada em seu acervo imagético.