Embora tenha me debruçado sobre essas questões e buscado de várias maneiras compreendê-las, não posso ter a pretensão de afirmar que tanto a pesquisa quanto o resultado dela foram concluídos. Além de nossa análise partir de manifestações culturais ainda em processo, as questões e os diálogos apontados são reflexões muito amplas e qualquer conclusão nesse sentido, seria uma forma de dar como acabado um estudo que necessitaria toda uma vida para fazê-lo.
No máximo, poderia destacar a importância da literatura marginal para a (re)significação de um sistema cultural, no qual o enunciador em destaque participa do processo de reconstrução do imaginário nacional, estimulando-nos a uma reelaboração crítica em relação à várias abordagens, principalmente, quanto ao que define a ação e o perfil do intelectual contemporâneo, que apesar de abrangentes e plurais, têm neste recorte uma conceitualização à medida que esses agentes sociais também se posicionam como intelectuais.
Para nós, ser intelectual implica assumir uma postura ativa contra a opressão, a violência, o preconceito, a desigualdade e as injustiças sociais (sejam elas quais forem), denunciando-as publicamente e nomeando quem fez, quando, como e porquê. Sendo que este sujeito também organiza projetos que embora inicialmente sejam pessoais, passam a ser coletivos, ao passo que - de certo modo - alteram a realidade social da periferia pobre brasileira, criando alternativas para suprir determinadas dificuldades de acesso a bens e serviços culturais ou contribuindo para o desenvolvimento social dentro e/ou fora das comunidades onde moram, ou ainda, reconstruindo identidades violadas pela estigmatização ou dando visibilidade às muitas vozes “da periferia”.
E poderia sinalizar ainda, para uma relação entre algumas características apresentadas na literatura marginal (linguagem, ideologia e desequilíbrio de poder) e outras presentes no rap, o que nos conduz à possibilidade de investigarmos futuramente a existência de uma atividade intelectual também na música do hip-hop, tomando como base as muitas performances do rapper tanto ao se apresentar quanto ao realizar projetos coletivos.
E apesar de não me sentir satisfeita – há muito a ser feito – acredito que este trabalho tenha cumprido pelo menos a intervenção política de fazer repensar a relevância das expressões culturais produzidas na periferia, sobretudo, da literatura marginal, para a constituição de abordagens mais democráticas e mais dinâmicas que proponham intervir não apenas no contexto
da produção acadêmica, mas no espaço social, interagindo com ele, mediando as produções discursivas que dele se originaram e, acima de tudo, produzindo miradas que não reforcem o preconceito e a violência contra os indivíduos em geral. E talvez tenhamos contribuído para aumentar a fissura que esses discursos abriram na Teoria Cultural e para reforçar a responsabilidade das universidades na produção de um conhecimento menos excludente.
A análise que procurei elaborar, apesar de motivada por uma crise de identidade, que se intensificou quando comecei a pensar nos contrastes entre viver na periferia, estudar em uma universidade pública e não me ver representada nos discursos que esta frequentemente difundia, foi ancorada na teoria dos Estudos Culturais. Através deles, mais precisamente dos estudos de Stuart Hall, pude embasar algumas posições que antes eram apenas intuições e elaborar um exercício de pensamento a partir da perspectiva de que a existência de uma multiplicidade de vozes dissonantes em contínuo movimento é fundamental para refletirmos sobre a importância dos paradigmas sociais na construção de identidades em processo.
De qualquer forma, ficam então, as discussões acerca das complexidades ideológicas, a análise do poder do discurso como representação do sujeito cultural, como estratégia de aquisição de visibilidade e como ato político de afirmação identitária e, mais uma vez, o deslocamento de foco, que desvia o olhar das perspectivas centralizadoras para as discussões acerca do heterogêneo e do excluído.
Logo, se a dissertação forneceu respostas às questões que me propus pensar e às muitas outras que surgiram durante o processo de compreensão ou pelo menos às que mais me inquietaram, não posso dizer que concluí, mas as perguntas foram lançadas. E agora, só resta esperar que este trabalho possa, de alguma forma, contribuir para as discussões sobre as expressões culturais que emergem nas periferias brasileiras.
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