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IV. A PROFISSÃO DE JORNALISTA NOS AVANÇOS E CONTRADIÇÕES DO

4.2 Precarização como realidade no jornalismo

Numa outra visão sobre o problema, sindicatos da categoria e Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) dizem que uma das formas de precarização da profissão é a contratação de pessoa física como jurídica. A chamada ‘pejotização’. Essa prática, segundo as entidades, é uma clara tentativa de burlar a legislação trabalhista e que pode implicar em uma carga horária excessiva de trabalho, já que não há controle de ponto. Em pesquisa realizada em 2012 pela Fenaj e parceiros, ouvindo 2.731 jornalistas de todas as unidades da federação e do exterior, vários problemas apontados indicam essa possível precarização na atividade desde

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Toyotismo significa a modificação na estrutura do trabalho, que se torna mais flexível. Passa a predominar, em lugar do trabalho formal, seguro e hierarquizado que se tinha antes, o trabalho instável, desregulamentado e em muitas vezes terceirizado. O mundo do trabalho passa a observar grande desemprego estrutural e trabalhadores em condições precarizadas. O regime de acumulação flexível é marcado por um confronto direto com a rigidez do fordismo. Ele se ampara na flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos produtos e dos padrões de consumo. PINTO, Elen Sallaberry. Observatório da Imprensa. Ano 19 - nº 830. Dezembro, 2014.

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então. Dentre eles, salários incompatíveis com as funções, ausência de boas condições de trabalho, e falta de investimento em qualificação.

Antunes (2004, p. 340) indica ainda uma outra vertente da precarização. Para o autor, a tendência de expansão do trabalho em domicílio é um problema, visto que é permitida pela desconcentração do processo produtivo, e pela expansão de pequenas e médias unidades produtivas. No caso do jornal Cinform, há pelo menos dois exemplos desse tipo. Os cadernos

Olho Vivo (colunismo social) e Turismo, que é terceirizado, são produzidos longe da redação

do jornal. Os jornalistas responsáveis trabalham em casa e não possuem vínculos com a rotina dos demais profissionais da empresa, e nem com as bases formais trabalhistas. “Por meio da telemática, com a expansão das formas de flexibilização e precarização, o trabalho produtivo doméstico vem presenciando formas de expansão em várias partes do mundo” (ANTUNES, 2004, p. 341).

Estudo da socióloga Graça Druck, da Universidade Federal da Bahia (UFBA), sobre precarização social do trabalho e formas de resistência, diz que não há novidade alguma nessa questão. Segundo ela, isso se explica porque as contradições histórico-sociais do trabalho não permitem conclusões apressadas ou definitivas sobre rupturas e novas formas de trabalho ou de relações sociais, pois, ao lado de novas condições e situações sociais de trabalho, velhas formas e modalidades se reproduzem e se reconfiguram, num claro processo de metamorfose social (DRUCK, 2011, p. 37). Para a socióloga, a precarização social do trabalho é um novo e um velho fenômeno, é diferente e igual, é passado e presente, e é um fenômeno de caráter macro e microssocial.

Druck (2011) mapeou seis tipos de precarização do trabalho: 1) vulnerabilidade das formas de inserção e desigualdades sociais; 2) intensificação do trabalho e terceirização; 3) insegurança e saúde no trabalho; 4) perda das identidades individual e coletiva; 5) fragilização da organização dos trabalhadores, implicando na pulverização dos sindicatos; 6) condenação e o descarte do Direito do Trabalho, retirando os encargos sociais elevados (direitos sociais e trabalhistas). No caso da atividade jornalística, ao menos os pontos 2, 3, 5 e 6 abordados por Druck são bastante visíveis no contexto atual do Cinform e demais veículos de comunicação em Sergipe.

Sem dúvida, nesta redefinição do processo de trabalho do jornalista entra, de maneira irreversível, a convergência de conteúdos em textos, áudios, fotos e vídeos utilizados em

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plataformas digitais. E isso transforma o modo de produção das redações e, consequentemente, o mercado de trabalho jornalístico. Hoje, o que se constata é que em diversos veículos da imprensa brasileira, repórteres têm sido, sistematicamente, forçados a elaborar noticiário para múltiplos canais de distribuição (jornais, revistas, rádio, TV, portais), tendo sua jornada ampliada de forma brutal, geralmente sem qualquer compensação financeira (KISCHINHEVSKY, 2010, p. 3).

Com esse cenário, o jornalista que hoje está na redação precisa ser um profissional multitarefa, ou seja, desenvolver múltiplas habilidades no processo de produção de notícias. Deve apurar, numa única saída da redação, dados que permitam a produção de textos para veiculação em sites e/ou impressos, além de captar imagens e áudio, editando-as e apresentando-as na internet ou em programas informativos televisivos e/ou radiofônicos. Não obstante, essa foi uma situação que se agravou com a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), de 17 de junho de 2009, derrubando a exigência de diploma de nível superior para o exercício da profissão de jornalista.

De acordo com a Federação Nacional dos Jornalistas, o avanço das Tecnologias da Informação e da Comunicação (TICs) e o desrespeito às leis trabalhistas fizeram com que a jornada do profissional de imprensa crescesse de forma acentuada nos últimos anos. Em vez das cinco horas contratuais, 10 a 12 horas diárias de trabalho passaram a ser habituais, geralmente sem pagamento de horas extras ou mecanismos efetivos de compensação, como banco de horas (KISCHINHEVSKY, 2010, p. 11). Para Kischinhevsky (2010), diante da escassa oferta de empregos no jornalismo, os profissionais tendem a se sujeitar a situações abusivas, naturalizando-as. E isso resulta num sistema de precarização do trabalho no qual cada profissional da redação, com essa nova rotina, produz por dois ou três colegas, tornando comuns os afastamentos motivados por esgotamento físico, por doenças do trabalho, e até o crescimento de transtornos psicológicos. Como se isso não bastasse, ao longo dos últimos anos a integração de redações, a obrigatoriedade das multifunções e a crise nos modelos de negócios vêm sendo sinônimo de demissões. Um cenário temeroso.

E isso não é tudo. As transformações abrem caminho para as inovações organizacionais que significam mudanças nas rotinas de trabalho, com implantação de novos modelos de gestão, novos ambientes e as formas como inovações tecnológicas podem induzir à criação de novos processos. O problema é que quase nunca isso significa algum tipo de ganho salarial para o profissional de jornalismo.

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Sabe-se, portanto, que o conjunto de transformações estruturais que atingem as práticas jornalísticas envolve desde a apuração de conteúdo a ser publicado até a redefinição do modelo de negócio da empresa de mídia. Outros fatores consideráveis acontecem na relação com o público, abrangendo a interatividade, participação na produção e utilização de redes sociais. A busca por novas feições para o produto jornalístico (a notícia, as narrativas) também é considerada um importante fator de transformação no processo da era digital (SILVA, 2013, p.52).

Assim sendo, pouco mais de duas décadas após o surgimento da internet comercial, a estrutura de um novo ecossistema de mídia está se tornando clara e desafiadora para os jornalistas, assim como os desafios substanciais que isso representa para as organizações de mídia. E isso, na verdade, significa que essas organizações precisam dar ênfase tanto as transformações internas quanto as transformações do seu conteúdo jornalístico, que muitas vezes é a sua razão de ser (KUENG, 2017, p. 9).

Mas há quem vislumbre saídas neste cenário pouco animador para a profissão. De acordo com Rottwilm (2014), as mudanças nas condições econômicas das empresas tendem a produzir mudanças também na forma como o trabalho é organizado. E a indústria de notícias parece estar seguindo esse padrão, abrindo caminho para o sistema de cooperativismo. “As formas cooperativas de produção de mão-de-obra podem permitir que os jornalistas que trabalham em empresas de mídia superem as dificuldades de transição do emprego institucional para novos tipos de emprego” (ROTTWILM, 2014, p. 8, tradução nossa).

Deuze (2014, p.17) também aponta saídas neste sentido. Para ele, a imagem de condições de trabalho cada vez mais flexibilizadas e precárias para jornalistas e outros profissionais da mídia corresponde às tendências do mercado de trabalho. Por essa razão, em tempos de crise, os jornalistas precisam dar um passo para trás e considerar o empreendedorismo não apenas como um subconjunto de atividades individuais necessárias para garantir a sobrevivência (e oportunidade) em uma economia global em rede, mas também como experiência vivida, cada vez mais especial para o arranjo contemporâneo da sociedade como um todo. Portanto, “não é exagero afirmar que a chave de sucesso para qualquer um na sociedade exige um conjunto de habilidades cada vez mais ‘empreendedoras’” (DEUZE, 2014, p.17).

Em contexto de crise, o bloco histórico dominante espacializa sua posição, reelaborando regras, readequando as formas de controle sobre as redações,

143 barateando o custo da força de trabalho, reduzindo gastos com direitos conquistados pelos assalariados e desmontando as estruturas de resistência dos jornalistas. Um setor profissional já desestruturado pela competição desenfreada encontra solo fértil na ausência de consciência crítica por parte dos próprios repórteres. As expressões contraditórias de vários níveis de influência, como o sistema econômico e social, as organizações e as rotinas produtivas eclodem na esfera do trabalho do jornalista, problematizando o atual campo como uma arena de mutações em movimento incessante (RODRIGUES DE SOUZA, 2017, p. 145).

Outra reflexão: nesta era digital, o domínio das técnicas de narração de histórias em todos os formatos de mídia, no caso do multitarefa, bem como a integração de tecnologias de redes digitais e uma nova relação produtor-consumidor tornaram-se os maiores desafios do jornalismo enquanto profissão. Além disso, defende Rottwilm (2014, p. 13), as novas tecnologias de mídia desafiam uma das "verdades" mais fundamentais no jornalismo: que o jornalista profissional é aquele que determina o que o público deve conhecer do mundo. Essa tese, que envolve o modelo tradicional de um-para-muitos, é desafiada pelo modelo de comunicação que percorre o pensamento de todos-para-todos.

Muitos jornalistas tiveram que adquirir novas habilidades, uma forma de ‘aprimoramento’ da profissão à medida que dominam mais e mais formatos. Simultaneamente, no entanto, há preocupações de que pressões de tempo e recursos editoriais reduzidos tenham levado a "destruição" em outras áreas de conhecimentos jornalísticos e práticas profissionais mais tradicionais em termos de reportagem, verificação de fatos e relatórios baseados em fontes múltiplas e independentes (ROTTWILM, p. 13, 2014, tradução nossa).

Com este contexto, valores da ideologia jornalística, como a prestação de serviço público, objetividade, autonomia, imediatismo e ética, estão mesmo ameaçados pela era digital e a consequente formação multimídia. O jornalismo de cima para baixo é contrastado com o jornalismo de baixo para cima (por exemplo, mais inclusão de conteúdo de rede social, etc.). E neste clima, o estudo de Rottwilm (2014) identifica jornalistas que relutam às tecnologias porque elas interferem no seu status profissional e autonomia, à medida que cede espaço à participação do público na construção da notícia. “Vivemos em um mundo digital, globalizado, multicultural e interligado que mudou o trabalho dos jornalistas tremendamente nas últimas décadas. Consequentemente, a ideologia jornalística pode ter que se reinventar também” (ROTTWILM, 2014, p. 14, tradução nossa).

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