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Capítulo II – Revisão Bibliográfica

2.7 Instabilidades físico-químicas da nutrição parenteral

2.7.3 Precipitação de fosfato de cálcio

Tradicionalmente, a precipitação de fosfato de cálcio tem sido uma importante preocupação farmacêutica, como sugerem os diversos estudos acerca da compatibilidade entre cálcio e fosfato, que surgem das tentativas de se estabelecer as concentrações máximas que podem ser misturadas em formulações específicas de NP [RONCHERA-OMS et al., 1995].

O fornecimento adequado dos minerais cálcio e fósforo por meio de NP trata-se de um grande desafio. A obediência às necessidades fisiológicas em relação à suplementação de cálcio e fósforo, principalmente de pacientes pediátricos, incorre em uma limitação de ordem

físico-química. Altas concentrações de íons cálcio (Ca2+) e fosfato (PO43-), diluídos em um

baixo volume final de NP, aumentam o risco da formação de precipitados muito pouco

solúveis de fosfato de cálcio, como indica a constante do produto de solubilidade, Kps

(Ca3(PO4)2) = 2x10-29, em meio aquoso com pH = 7,0 [DEAN, 1973]. A administração de NP

contendo partículas com tamanhos maiores que 5 µm pode causar a obstrução (embolia) de

artérias pulmonares, trazendo graves conseqüências clínicas, podendo acarretar na morte dos pacientes. Em 1994, o FDA publicou um alerta de segurança a respeito da precipitação de

fosfato de cálcio [LUMPKIN, 1994], baseado no relato de pelo menos dois casos de angústia respiratória e duas mortes de pacientes que receberam NP [ASPEN, 1998]. Necrópsias confirmaram embolia pulmonar microvascular e pneumonite intersticial contendo fosfato de cálcio [MENTEN et al., 1998; REEDY et al., 2005; SENPE, 1996]. Além dos casos clínicos, a presença de precipitados de fosfato de cálcio tem sido descrita na obstrução de catéteres venosos centrais durante administração de NP [MARKS & CRILL, 2004].

As concentrações finais de íons cálcio e fosfato na NP exercem influência direta sobre a formação de precipitados de fosfato de cálcio, assim como o pH final da mistura. Alguns outros fatores influenciam de forma indireta na precipitação, sendo estes: temperatura e tempo de estocagem e administração, concentração final e composição de aminoácidos, concentração final de glicose e magnésio, ordem de adição dos constituintes na NP e tipo de sais de cálcio e fosfato utilizados [ALLWOOD & KEARNEY, 1998; FALGAS et al., 2002; RONCHERA-OMS et al, 1995; TRISSEL & CANADA, 2001; WAITZBERG, 2002].

A veiculação de fósforo em composições nutritivas parenterais é realizada comumente por meio da adição dos sais inorgânicos de fosfato de potássio (fosfato de potássio monobásico e ou fosfato de potássio dibásico). O grupo fosfato pode se apresentar em meio

aquoso como íon fosfato trivalente (PO43-) ou suas formas monobásicas (H2PO4-) e dibásicas

(HPO42-), dependendo do pH do meio. O equilíbrio entre as espécies é determinado pelas

constantes de ionização (pKa). A transição entre as formas ionizadas dibásica e monobásica

ocorre no pH 7,2 (pKa), ponto onde ambas encontram-se em igual proporção. Valores

elevados de pH favorecem a forma ionizada dibásica do fosfato e conseqüentemente a formação dos precipitados cristalinos muito pouco solúveis de fosfato de cálcio dibásico, sal cerca de 60 vezes menos solúvel que o sal de fosfato monobásico, visto que este último apresenta uma solubilidade de 1,8% m/v enquanto a da forma dibásica é de apenas 0,03% m/v [ALLWOOD & KEARNEY, 1998; DRISCOLL, 2003]. A estipulação da concentração da forma de fosfato predominante pode ser feita por meio da equação de Handerson-Hasselbach (2) [ALLWOOD & KEARNEY, 1998; LEHNINGER et al., 2004]:

pH = pKa + log [dibásica]_ (2)

[monobásica]

Os valores de pH da NP são determinados pelas concentrações finais de glicose e aminoácidos. A glicose reduz o pH, desfavorecendo assim a formação de fosfato de cálcio. A solução de aminoácidos apresenta capacidade tamponante do pH, característica determinada

pelas concentrações dos aminoácidos básicos (arginina, histidina e lisina). Portanto, a maior presença de aminoácidos em NP garante uma maior estabilidade da mistura com relação a formação de precipitados devido sua capacidade de neutralizar variações de pH [ALLWOOD & KEARNEY, 1998].

Atuando indiretamente, a temperatura é outro fator que interfere na solubilidade dos sais. A elevação da temperatura permite maior dissociação do sal de cálcio e favorece o equilíbrio iônico do sal de fosfato para sua forma dibásica, tornando as espécies iônicas livres para a interação [ALLWOOD & KEARNEY, 1998]. A dissociação dos sais orgânicos ocorre em menor grau em relação aos inorgânicos, por isso, recentemente têm-se optado pelo uso dos fosfatos orgânicos. Com o mesmo intuito, já se encontra largamente utilizado como fonte de cálcio o sal orgânico gluconato de cálcio, em substituição ao inicialmente utilizado cloreto de cálcio [RONCHERA-OMS et al., 1996].

A formação de precipitados de fosfatos de cálcio pode ocorrer durante o processo de mistura da NP ou depois de algum tempo após manipulação. Quando altas concentrações de cálcio e fosfato são misturadas em um baixo volume aquoso pode haver a formação imediata

de fosfato de cálcio (Ca3[PO4]2), que se apresentam amorfos como flóculos, sendo

perfeitamente visíveis por apresentarem coloração branca. O processo mediado pelo tempo ocorre principalmente durante administração, no intervalo de até 48 horas após o preparo, quando há a formação de precipitados semi-transparentes e cristalinos de fosfato de cálcio

dibásico (CaHPO4), que são difíceis de serem detectados visualmente e normalmente

encontram-se aderidos as paredes das bolsas [ALLWOOD & KEARNEY, 1998]. Nos dois casos, os precipitados formados são altamente difíceis de redissolver e quando há ocorrências deste tipo deve-se desprezar as misturas preparadas.

A concentração de magnésio também exerce influência sobre a probabilidade de precipitação devido a sua associação com íons fosfato, formando sais que são relativamente mais solúveis. Tal efeito depende do pH e da proporção molar entre cálcio e magnésio. Uma relação magnésio/cálcio abaixo de dois atua positivamente na solubilidade do fosfato de cálcio [ALLWOOD & KEARNEY, 1998].

A ordem de adição dos componentes em NP é mais um fator que afeta a solubilidade do fosfato de cálcio. Recomendam-se duas formas de preparação das misturas, consagradas na prática farmacêutica, que seguem uma ordem lógica de adição dos componentes de modo a evitar incompatibilidades. Em ambas, o fosfato nunca é misturado diretamente ao cálcio. O método mais comum preconiza que o fosfato deve ser misturado inicialmente aos aminoácidos para impedir que a posterior adição dos outros componentes altere o pH

favorecendo a formação de precipitado. O cálcio é o último dos eletrólitos a ser adicionado [ASPEN, 1998; MARKS & CRILL, 2004; SENPE, 1996]. As vitaminas e a emulsão lipídica, nesta ordem, devem ser adicionadas no final, visto que dificultam a visualização de provável formação de precipitados. Após cada adição deve ser feita uma leve agitação da mistura e uma inspeção visual [WAITZBERG, 2002].

O outro modo de se preparar as misturas consiste em adicionar inicialmente o fosfato à glicose, visto que o baixo pH do último favorece a forma monobásica de fosfato, a mais solúvel [SENPE, 1996]. Em seguida, são adicionados os outros micronutrientes, exceto vitaminas e cálcio, que já precisa estar previamente misturado aos aminoácidos para ser adicionado, de forma que ocorra sua complexação com os aminoácidos lisina, arginina, histidina e ácidos glutâmico e aspártico [ALLWOOD & KEARNEY, 1998]. Desta forma, o cálcio estará menos disponível para interação com o fosfato, impedindo a formação de precipitado. Como no método anterior, as vitaminas e a emulsão lipídica devem ser adicionadas por último.

Em substituição aos sais inorgânicos de fosfato, podem ser utilizados sais de fosfatos orgânicos tais como, sais dissódicos de glicerofosfato, glicose-1-fosfato e frutose-1,6- difosfato [HICKS & HARDY, 2001; RONCHERA-OMS et al., 1996], ou ainda o glicerofosfato de cálcio [HANNING et al., 1991]. Os sais orgânicos de fosfato apresentam vantagem sobre os sais de fosfato de potássio por apresentarem um baixo grau de dissociação em meio aquoso, permitindo a incorporação de altas concentrações de íons cálcio com baixo risco de ocorrer formação de precipitados. No entanto, a dispendiosa tecnologia industrial de obtenção desses sais torna-os economicamente pouco viáveis quanto ao uso em NP, elevando significativamente o custo final das preparações [ALLWOOD & KEARNEY, 1998; RONCHERA-OMS et al., 1996].

Diante das diversas variáveis que podem influenciar na precipitação de fosfato de cálcio, ainda não é possível prever com garantida margem de segurança a estabilidade de NP contendo concentrações elevadas de cálcio e fósforo. Por isso, o presente estudo, na tentativa de estabelecer uma nova opção para a veiculação segura de fósforo em uma fonte estável e barata, apresenta o polifosfato.

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