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A PRECISÃO, O RIGOR LÓGICO E O IRREFUTÁVEL CARÁTER DE SUAS CONCLUSÕES

4. RELAÇÃO ENTRE A MATEMÁTICA E A REALIDADE MATERIAL

4.3 A PRECISÃO, O RIGOR LÓGICO E O IRREFUTÁVEL CARÁTER DE SUAS CONCLUSÕES

A cristalização, anteriormente referida, coloca a Matemática numa posição de ciência exata, de imutabilidade, de absolutização de suas interpretações da realidade. A lógica formal cumpre um papel importante nessa classificação da Matemática. Segundo Trotsky (1939), “a dialética e a lógica formal guardam uma relação similar àquela existente entre a matemática complexa e a matemática elementar”. Conforme o exemplo citado anteriormente, o autor afirma que os silogismos da lógica aristotélica são superados pela lógica dialética, porém, não por exclusão e sim por incorporação, uma vez que “a dialética não exclui o silogismo, mas nos ensina a combiná-lo de modo a aproximá-lo da compreensão de uma realidade eternamente mutável” (TROTSKY, 1939).

Para o autor, o limite dos silogismos lógico-formais está em seus resultados, ou seja, possuem uma aproximação bastante restrita na interpretação da realidade. Quando se diz que “A” é igual a “A”, seu campo de aplicações e generalizações são elementares, “na realidade ‘A’ não é igual a ‘A’” (TROTSKY, 1939). A base dessa identidade é a abstração do conhecimento frente à realidade, que não possui uma rigorosa igualdade em seus elementos. Por isso, as interpretações podem perder-se em ilusões acerca da realidade. Segundo Trotsky (1939, grifos do autor):

O axioma “A é igual a A” parece ser, por um lado, a base de todo o nosso conhecimento e, por outro lado, a fonte de todos os erros do nosso conhecimento. Usar o axioma “A é igual a A” impunemente é possível apenas dentro de certos limites. Quando as mudanças quantitativas em A podem ser desprezadas em vista das tarefas à mão, podemos então presumir que “A é igual a A”. Esta é, por exemplo, a maneira em que o comprador e o vendedor consideram uma libra de açúcar. [...]

Mas mudanças quantitativas para além de certos limites convertem-se em mudanças qualitativas. Uma libra de açúcar submetida à ação da água ou do querosene deixa de ser uma libra de açúcar. [...] Fixar o momento exato, o ponto crítico em que a quantidade se transforma em qualidade, é uma das tarefas mais importantes e complexas de todas as esferas do conhecimento, inclusive da sociologia [reafirmamos a matemática nesse contexto].

Fica evidente nessa argumentação a necessidade da compreensão dialético-materialista para que tal silogismo estabeleça significados e contribua para a ação do homem ao se movimentar na construção de seu mundo. A Matemática cumpre aí um papel importante na compreensão da realidade e seu objeto não pode se confundir com a própria realidade representada.

Não confundir o objeto da Matemática, em particular o objeto da Geometria, pressupõe a compreensão de duas categorias: o abstrato e o concreto. Aleksandrov (1991a, p. 50-52), ao analisar o que ele chama de “conflito entre elementos contrastantes”, evidencia as referidas categorias e faz a distinção entre a realidade material e sua representação matemática. “En geometría consideramos formas y dimensiones de los cuerpos idealmente precisas, abstrayéndolas de la movilidad de los objetos concretos y de una cierta indefinibilidad de sus formas y dimensiones reales” (ALEKSANDROV, 1991a, p. 50). O autor acrescenta:

Pero las formas geométricas idealmente precisas y los valores absolutamente precisos de las magnitudes no son sino abstracciones. Ningún objeto concreto tiene una forma absolutamente precisa ni ninguna magnitud concreto puede medirse con exactitud absoluta, puesto que ni siquiera tiene un valor perfectamente definido [...] Siempre que se superan ciertos límites bien conocidos de la precisión cuantitativa, aparece un cambio cualitativo en la magnitud, y ésta, en general, pierde su sentido original. (ALEKSANDROV, 1991a, p. 51, grifo do autor).

O autor mostra a impossibilidade de precisão absoluta, pois a matéria está em constante transformação, em movimento, e, assim, o

conhecimento da mesma não pode ser estático. Isso não significa que nossos conhecimentos acerca da realidade material não a representam. A precisão absoluta não é possível, pois o ser humano não pode, de uma só vez e de imediato, entender todos os nexos e estruturas da realidade, haja vista a infinidade das coisas cognoscíveis e seu constante transformar-se em outras coisas. No entanto, desse raciocínio não se deve inferir que o conhecimento humano seja relativista, ou seja, que depende de cada indivíduo e de seu critério de verdade na compreensão da realidade.

O conhecimento é relativo, não relativista, pois sempre haverá novos nexos e estruturas da matéria em movimento para que o ser humano possa conhecer e estabelecer novas relações. “O problema é que as correntes teóricas hoje predominantes deduzem do relativismo epistemológico o relativismo ontológico. Em outros termos, do caráter transitório e relativo de nossos conhecimentos deduzem que eles não podem ser objetivos” (DUAYER, 2012, p. 21). O conhecimento é objetivo, porém não se pode deduzir uma forma mecanicista do reflexo a partir da realidade material. Para Aleksandrov (1991a), na citação anterior, os conceitos matemáticos não são simples reflexos mecânicos da realidade imediata, mas a transcende.

Cheptulin (1982, p. 114), ao tratar da consciência como reflexo da realidade material, apresenta três argumentos sobre a impossibilidade da precisão absoluta do conhecimento:

Primeiramente, o conhecimento humano nunca atingirá o ponto de desenvolvimento em que tudo será inteiramente conhecido, em que o mundo inteiro será refletido na consciência dos homens; isso é impossível, porque a realidade refletida não é estática, mas transforma-se e desenvolve-se continuamente. Em segundo lugar, nenhum desenvolvimento do conhecimento pode conduzir à transformação da consciência de um homem em consciência universal, porque as possibilidades de um indivíduo são sempre limitadas e ele não está em condições de possuir todos os conhecimentos dos quais dispõe a humanidade. Em terceiro lugar, o acréscimo dos conhecimentos dos homens não apenas não elimina sua atividade, mas a reforça pelo fato de que sua possibilidade criativa e seu campo de atividade alargam-se.

Esses posicionamentos de Aleksandrov (1991a), Duayer (2012) e Cheptulin (1982), novamente, expressam uma crítica ao idealismo e ao materialismo mecanicista, bem como reforçam a posição dialético- materialista do conhecimento da realidade material, em particular em relação ao conhecimento matemático e geométrico dessa realidade.

Smogorzhevski (1978), ao tratar da Geometria de Euclides e de Lobachevski, também comunga a ideia da não absolutização do conhecimento matemático, mais especificamente, referente ao conhecimento geométrico. Segundo o autor:

La cuestión referente a la estructura del espacio real, como ya señalábamos, pertenece a la competencia de la física y no puede ser resuelta con las fuerzas de la geometría pura. Su particularidad consiste, entre otras cosas, en que ninguna geometría refleja las relaciones de extensión con exactitud absoluta; así, por ejemplo, debido a la estructura molecular de la materia, no existen cuerpos accesibles a la apreciación de sus dimensiones que posean las propiedades geométricas de la esfera ideal. Precisamente por esto, la aplicación de reglas geométricas a la solución de problemas concretos conduce inevitablemente a resultados aproximados. De tal modo, nuestra noción respecto a la estructura geométrica del espacio real se reduce de hecho a la convicción científicamente basada de que una geometría determinada describe mejor que otras las relaciones reales de la extensión. (SMOGORZHEVSKI, 1978, p. 22).

Tal consideração do autor é parte da explicação sobre a indagação feita em seu texto, qual seja: “¿cuál de las dos geometrías es la verdadera, la de Euclides o la de Lobachevski?” (SMOGORZHEVSKI, 1978, p. 22). Ele evidencia que tanto uma quanto a outra cumpre seu papel como conhecimento. Todavia, a Geometria de Euclides possui uma amplitude de aplicações mais restrita em relação à de Lobachevski, haja vista que esta última supera, por incorporação, como um caso singular, a Geometria de Euclides.

A absolutização do conhecimento matemático ganha força também pela sua necessária sistematização lógica que, por vezes, perpassa muito tempo até ser superada por teorias mais complexas. Em alguns casos, tais sistematizações adquirem um caráter idealista, como,

por exemplo, os mais de dois mil anos que se passaram desde a escrita dos Elementos37, de Euclides (século III a. n. e.), até o desenvolvimento da Geometria de Lobachevski (século XIX). Segundo Smogorzhevski (1978, p. 23):

Antes de Lobachevski, durante el transcurso de muchos siglos, reinaba en la geometría el punto de vista idealista que remontaba a Platón, el filósofo de la Grecia antigua atribuyendo a los axiomas del sistema euclidiano un carácter absoluto éste negaba su procedencia experimental. Lobachevski rompió categóricamente con este punto de vista y retornó la geometría a las posiciones del materialismo.

Esse mesmo pensamento se expressa em Aleksandrov (1991a, p. 78), ao afirmar que:

Euclides, y todos los matemáticos que vivieron en los dos mil años siguientes, consideraron sin duda sus “Elementos” como el limite práctico del rigor lógico. Pero desde el punto de vista contemporáneo los fundamentos euclidianos de la geometría parecen bastante superficiales. Este ejemplo histórico nos demuestra que no debemos dejarnos seducir por la idea de que la matemática contemporánea posee un rigor “absoluto”. Una ciencia que no está todavía muerta y momificada no es, ni puede ser de forma alguna, perfecta.

Assim, o rigor matemático se desenvolve no movimento da própria realidade, “pero el rigor de la matemática no es absoluto; está en proceso de continuo desarrollo” (ALEKSANDROV, 1991a, p. 19-20). O autor conclui:

En último término la vitalidad de la matemática se debe al hecho de que, a pesar de su abstracción, sus conceptos y resultados tienen su origen, [...], en el mundo real y encuentran muchas y diversas aplicaciones en otras ciências, en ingeniería y en

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Os Elementos, de Euclides, é um tratado matemático e geométrico composto por treze livros.

todos los aspectos prácticos de la vida diária; reconocer esto es el requisito previo más importante para entender la matemática. (ALEKSANDROV, 1991a, p. 20).

Tais aplicações do conhecimento matemático se tornam mais complexas e úteis aos homens quando se tem a compreensão de seus limites e a diferenciação entre suas abstrações e o próprio objeto refletido. Passemos agora ao último traço característico da Matemática, seu amplo campo de aplicações.