• Nenhum resultado encontrado

Predicados de indivíduo vs predicados de fase

CAPÍTULO 2 QUESTÕES GERAIS SOBRE O ASPETO

2.5. Predicados de indivíduo vs predicados de fase

As frases constroem-se a partir de predicados e, efetivamente, são estes elementos que permitem identificar ou distinguir as situações que o falante pretende transmitir (cf. Peres e Móia (1995)).

Desde a proposta de Carlson (1977), que se usa uma distinção com bastante operacionalidade em linguística, predicados de indivíduo e predicados de fase (ou estádio). Em Português, a distinção entre os predicados de indivíduo e os predicados de fase manifesta-se, em primeira instância, no contraste entre os verbos ser/estar como refere Oliveira (2003a:524) “o contraste ser/estar […] está de certa forma gramaticalizado na medida em que predicados de indivíduo se constroem tipicamente com ser e predicados de fase com estar […] sobretudo quando estes predicados se constroem com adjetivos ou particípios”.

Estes predicados apresentam características específicas que vêm, de certa maneira, diferenciá-los. Assim, os predicados de indivíduo, adianta Oliveira (2003a), na medida em que caracterizam diretamente uma entidade, manifestam algumas incompatibilidades com determinados adverbiais temporais de duração e de localização, para além de não admitirem a quantificação por meio de expressões como sempre que, (cf.68).

(68). a. *O João foi alto ontem

b. *Sempre que o João é alto, pratica atletismo c. *O João foi/ era alto às duas da tarde

Na verdade, as frases acima são anómalas, uma vez que, como já foi mencionado, não ocorrem com estes tipos de adverbiais.

Entretanto, importa salientar que os predicados de indivíduo podem ocorrer no escopo do operador aspectual11 passar a como em (69):

49

Na sequência da análise em questão, os predicados de fase têm um comportamento inverso, como refere Oliveira (2003a:526): “podem ocorrer sem restrições com adverbiais de duração e de localização temporal, podem ser quantificados e admitem, sem grandes dificuldades, adverbiais de localização temporal estrita, induzindo uma interpretação da inclusão destes no intervalo de tempo em que ocorrem”. (cf.70):

(70) a. O Rui esteve contente ontem

b. Sempre que o Rui está contente, telefona aos amigos. c. O Rui esteve /estava contente às duas da manhã d. *O Rui passou a estar contente. (leitura não habitual)

Em (70.d) a frase é anómala na medida em que o operador passar a manifesta restrições na ocorrência com predicados de fase.

Assim, Cunha (2004:84) define predicados de indivíduo como sendo “ tipo de entidades que manifestam propriedades permanentes, ou tendencialmente estáveis, isto é, as características veiculadas pelos predicados em causa poderão acompanhar os indivíduos através do seu percurso no tempo e no espaço”. Quanto aos predicados de fase, segundo o mesmo autor, “descrevem propriedades tipicamente transitórias ou episódicas na total dependência de intervalos de tempo mais ou menos longos”.

Sumariando, os predicados em análise têm como suporte da sua oposição, em Português, o contraste ser/estar. Por outro lado, os predicados podem ser combinados com as propriedades faseável e não faseável.

SÍNTESE

O Aspeto é uma categoria linguística bastante complexa por se manifestar de diferentes maneiras nas diversas línguas existentes no mundo.

No entanto, de acordo com as propostas teóricas, constatámos que “o Aspeto fornece informações sobre a forma como é perspetivada ou focalizada a estrutura temporal interna de uma situação descrita pela frase, em particular, pela sua predicação” (Oliveira 2003:129).

50

Verificámos também que é necessário separar as situações que descrevem Estados daquelas que descrevem Eventos, dado que os Eventos são de natureza dinâmica e os Estados não são de natureza dinâmica.

Deste modo, tendo em conta o Núcleo Aspetual, os eventos apresentam fases, isto é, partes de uma linha descontínua que apresenta um processo preparatório, uma culminação e um estado consequente. Os estados não têm fases e por isso não podem estar incluídos no núcleo aspectual.

Por outro lado, devido à especificidade dos estados, estes podem ser classificados em estados faseáveis e estados não faseáveis. Assim, os Estados faseáveis [+ faseável] são capazes de se converter em Processos e os Estados não faseáveis [-faseável] comportam-se sempre como situações de natureza estativa.

Neste ponto, analisámos também os predicados de indivíduo e os predicados de fase e constatámos que estes têm como suporte da sua oposição, em Português, o contraste ser/estar.

Também tiveram destaque, neste ponto, alguns tempos verbais por serem considerados elementos desencadeadores de mudança aspectual. Na verdade, verificámos que o Pretérito Perfeito simples, quando associado a eventos, permite interpretar uma sucessão de frases simples como uma sucessão de eventos. Porém, este tempo não altera o valor aspetual da predicação.

Quanto ao Pretérito Perfeito Composto, este pode ser um operador aspetual quando combinado com eventos, necessitando, em alguns casos, de adverbias de quantificação adverbial. Com os estados apresenta algumas restrições. O Imperfeito, por sua vez, pode ter uma leitura temporal, modal e aspetual.

Para finalizar, concluímos que para uma leitura aspetual adequada é necessário ter-se em conta os diversos fatores linguísticos, nomeadamente: morfológicos (afixos verbais); sintáticos (argumento interno, argumento externo, sintagmas preposicionais adjuntos…) e semânticos (tipo de predicação, natureza semântica dos nomes, adverbiais, quantificadores…); em suma, a aspetualidade é Composicional.

Notas

7. Lyons afirma que o termo Aspeto é convencionalmente aceite por linguistas, embora pouco satisfatoriamente, como a oposição entre o perfetivo e o imperfetivo nas línguas eslavas. No entanto, o autor

51

apresenta uma série de oposições como as baseadas nas noções de duração, nomeadamente: instantaneidade, frequência, iniciação, completude e outras (cf. 1977:703-709)

8. As formas participiais dos verbos inergativos não podem ocorrer em posição predicativa. Para mais informações veja Duarte (2003:301).

9. Veja-se Cunha (2004:72)

10. Cunha (2004:87) encara o conceito de faseabilidade como uma propriedade “graduável”. Considerou as seguintes frases:

(i)?/* O Rui está a ser famoso/ começou a ser famoso/? Sê famoso! (ii)? A Ana está a ser rica/ começou a ser rica/?? Sê rica!

Para Cunha estas frases representam estativos que se posicionam num ponto intermédio de uma escala que percorre diversos “níveis” ou “graus”, desde o “patamar” claramente [+faseável] até inequivocamente [- faseável].

11. De acordo com Cunha (1998:447/462), operadores aspetuais são elementos linguísticos cuja principal função é a de alterar a “perspetivação” ou a “focalização” das situações, manifestando, portanto, consequências muito relevantes ao nível da classificação aspetual das expressões com que se combinam”.

52

Documentos relacionados