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Marcelo Ribeiro de Mendonça8

Introdução

Este texto é síntese de Dissertação de Mestrado, intitulada “A Geografia das Lutas da Comissão Pastoral da Terra na Diocese de Três Lagoas (MS): a opção preferencial pelos pobres”9, na qual demonstra a participação de agentes da Comissão Pastoral da Terra (CPT) nas lutas sociais do campo no Bolsão Sul-Mato-Grossense. O processo de apropriação do território engendrou um quadro social agrário muito complexo no Bolsão Sul-Mato-Grossense, com constantes tensões e conflitos sociais envolvendo posseiros, arrendatários e trabalhadores rurais assalariados que lutavam pelos seus direitos garantidos por Lei no Estatuto da Terra (1964). Foram milhares de camponeses sem terra e bóias-frias (assalariados rurais), na sua maioria, migrantes que vie-ram em busca de trabalho ou terra para plantar, impulsionando a luta pela terra no estado.

Foi no turbulento contexto da época de criação da Diocese de Três Lagoas (MS), nos anos 1980, a Teologia da Libertação – doutrina

8 Mestre em Geografia pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campus de Três Lagoas. E-mail: mrmendonca33@gmail.com

9 Dissertação de Mestrado desenvolvida junto ao Curso de Pós-Graduação em Geografia da Fundação Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, Campus de Três Lagoas, sob orientação do Prof. Dr. Sedeval Nardoque.

religiosa que busca a emancipação social dos pobres à luz do verdadeiro Evangelho de Cristo –, encontrara adesão por parte de bispos e clérigos em todo Brasil e, no caso da Diocese de Três Lagoas, do Bispo D. Izi-doro Kosinki. Foi com a chegada do Bispo (Fevereiro de 1981 a Maio de 2009), que se iniciou o trabalho da Igreja junto aos camponeses e trabalhadores do campo. A partir de seu bispado, começou a formação de equipes com agentes interessados em participar das ações pastorais e, no dia 15 de dezembro de 1981, fundou-se a CPT de Três Lagoas.

Tendo em vista a relevância da participação da CPT nas insur-gências populares ocorridas no Bolsão, o objetivo geral do presente trabalho é demonstrar os inúmeros conflitos agrários nos quais a CPT de Três Lagoas teve ativa participação.

Apropriação do território e formação regional do Bolsão

A Diocese de Três Lagoas foi criada em 1978, integrando os municípios da chamada região do Bolsão, conforme o mapa 1: Três Lagoas, Selvíria, Aparecida do Taboado, Paranaíba, Inocência, Cas-silândia, Chapadão do Sul, Água Clara, Brasilândia e Santa Rita do Pardo. Com a emancipação de Paraíso das Águas, em 2003, e sua instalação, em 1 de janeiro de 2013, sua área foi destacada da Diocese de Três Lagoas e integrada à Diocese de Coxim.

Portanto, a região tem relação com a implantação das proprie-dades e a fixação dos marcos de posse, às margens dos rios da região, os bandeirantes paulistas e mineiros demarcaram extensas áreas de tal forma que logo se formaram grandes latifúndios, dando início a formação do Bolsão sul-mato-grossense (MENDONÇA, 2021). Uma das explicações para o surgimento da denominação se dá em razão da forte tradição pecuarista dominante nos municípios que compõem

a região e que, no passado, determinava o preço de comercialização dos bovinos na região (ALMEIDA, 2017).

A pecuária tornou-se a principal atividade na região do Bolsão desde a chegada dos bandeirantes paulistas e mineiros no século XVIII, quando seus habitantes originais – os Ofayé e os Caiapó – passaram a receber em seus territórios as investidas de invasores em excursões para reconhecimento e rapina e, assim, após a tomada desses espaços, as pas-tagens se tornaram a forma predominante de uso e ocupação do territó-rio. A atividade agropastoril se desenvolveu na região por se constituir importante rota de passagem, pois ligava as províncias de Mato Grosso, Minas Gerais e São Paulo, além da vegetação de gramíneas naturais en-tremeadas à vegetação arbustiva do Cerrado. Assim, ocuparam extensas

Mapa 1 - Mato Grosso do Sul: Diocese de Três Lagoas.

Fonte: Leonardo (2018).

Paranaíba, Inocência, Cassilândia, Chapadão do Sul, Água Clara, Brasilândia e Santa Rita do Pardo. Com a emancipação de Paraíso das Águas, em 2003, e sua instalação, em 1 de janeiro de 2013, sua área foi destacada da Diocese de Três Lagoas e integrada à Diocese de Coxim.

Portanto, a região tem relação com a implantação das propriedades e a fixação dos marcos de posse, às margens dos rios da região, os bandeirantes paulistas e mineiros demarcaram extensas áreas de tal forma que logo se formaram grandes latifúndios, dando início a formação do Bolsão sul-mato-grossense (MENDONÇA, 2021). Uma das explicações para o surgimento da denominação se dá em razão da forte tradição pecuarista dominante nos municípios que compõem a região e que, no passado, determinava o preço de comercialização dos bovinos na região (ALMEIDA, 2017).

Mapa 1 - Mato Grosso do Sul: Diocese de Três Lagoas.

Fonte: Leonardo (2018).

A pecuária tornou-se a principal atividade na região do Bolsão desde a chegada dos bandeirantes paulistas e mineiros no século XVIII, quando seus habitantes originais – os Ofayé e os Caiapó – passaram a receber em seus territórios as investidas de invasores em excursões para reconhecimento e rapina e, assim, após a tomada desses espaços, as pastagens se tornaram a forma predominante de uso e ocupação do território. A atividade agropastoril se

áreas na região no período de posses livres, entre a revogação da lei de Sesmarias, em 1822, e a aprovação da Lei de Terras, em 1850. A ocupa-ção do território teve início no ano de 1820, em Santana do Paranaíba, pelas famílias Garcia Leal, Lopes, Barbosa e Pereira, direcionando-se, posteriormente, para áreas mais ao Sul e a Oeste, onde foram se apro-priando de terras devolutas e, sobretudo, territórios indígenas, promo-vendo a formação de latifúndios (LEONARDO, 2020).

Entre o século XVIII e XIX, os caminhos das monções em busca de metais preciosos nas jazidas de ouro de Cuiabá e Mato Grosso, re-sultaram em intenso fluxo de migrantes. O sonho do eldorado impul-sionava os viajantes a enfrentar os perigos da aventura. Entre inúme-ros riscos, um dos grandes temores – senão o maior – era o encontro com povos indígenas. Esses povos estavam vendo seus territórios se-rem invadidos e tomados, principalmente, pelos bandeirantes paulistas e mineiros e, na defesa contra as invasões, reagiam, quase sempre, pelas ações de enfrentamento, porém, sem que deixassem de existir redes de negociação e acordos (BORGES, 2017).

No contexto do século XIX, a Freguesia de Sant‘Anna do Para-nahyba compreendia uma área extensa no que hoje, de forma gené-rica, se denomina politicamente de Bolsão sul-mato-grossense. Antes da chegada dos colonizadores, dos bandeirantes e pioneiros, haviam populações indígenas na região, como os Caiapó e Ofayé. A territoria-lização dos não-índios e introdução das relações capitalistas acarreta-ram em genocídio destes povos que, atualmente, resistem e lutam pela sobrevivência de suas vidas e cultura (MENDONÇA, 2021).

Em 1830, após a tomada dos territórios indígenas, fundou-se o arraial de Sete Fogos, hoje Paranaíba, por José Garcia Leal, acompanha-do de seus 13 irmãos, suas respectivas famílias, empregaacompanha-dos e escraviza-dos. Esses pecuaristas se estabeleceram de Paranaíba até o Rio Sucuriú, em Três Lagoas. De meados do século XIX em diante, atravessaram o rio

e se estabeleceram nas proximidades do atual município de Três Lagoas, perseguindo e escravizando o povo Ofayé, que, para sua defesa, refugia-ram-se mais ao Sul, entre o rio Verde, onde hoje se encontra a cidade de Brasilândia, e na Serra de Maracaju (FRANCISCO, 2013).

As invasões do território Caiapó geraram intensos conflitos.

Havia um significado muito forte das práticas guerreiras para os Caia-pó, que além de serem fonte de obtenção de riquezas por meio do bo-tim conseguido nos ataques, também exerciam papel importante na própria definição de sua identidade. Talvez pelo constante embate com os colonizadores, esses povos tenham sido considerados erroneamente extintos. A abertura da estrada do Piquiri, que nasceu como um projeto que visava estabelecer um traçado entre Cuiabá e São Paulo, a fim de encurtar o caminho de Goiás e interligar a capital mato-grossense às Províncias de São Paulo e de Minas, passando pelas terras de Sant‘An-na do ParaSant‘An-nahyba, onde se dividiria em dois ramos, um para São Paulo e outro para Minas Gerais, visava estabelecer redes de comércio; favo-recer o povoamento por não índios e manter sua segurança por meio da submissão, expulsão e genocídio indígena (BORGES, 2017).

No decurso dos séculos XVIII e XIX, esses povos viveriam o peso das doenças trazidas pelos colonos; a violência das expedições ofi-ciais; a invasão e tomada de seus territórios pelos pioneiros vindos de Minas Gerais, São Paulo e Goiás, e demais invasores. No tempo pre-sente, parecem perdidos na memória dos habitantes do lugar, na histó-ria oficial, assim como na geografia do Estado que introduz uma ideia de progresso no processo na formação territorial capitalista do Bolsão no intuito de ocultar suas contradições de classe (BORGES, 2017).

A invasão do território pelos pioneiros dera início à formação de latifúndios na região que, atualmente, correspondem relativamente à Diocese de Três Lagoas. O mandonismo das oligarquias rurais estabe-leceu-se em meio ao processo de apropriação das terras integrando-se

ao coronelismo. Assim, os sujeitos sociais subordinados ao poder dos senhores, como índios, escravizados, agregados, camaradas, vaqueiros e todos que estavam sujeitos ao poder de mando dos coronéis, foram impossibilitados do direito à terra, justamente aqueles que abriram es-tradas, construíram casas, plantaram e colheram. Portanto, a questão agrária na região do Bolsão está intrinsecamente ligada ao domínio territorial capitalista (LEONARDO, 2020).

A chegada da família Garcia Leal e da família Lopes possibilitou uma onda migratória de colonização para a região devido às condi-ções ambientais, do solo, pastagens e água, sobretudo pelo posiciona-mento geográfico de fronteiras privilegiadas. Posteriormente, outros migrantes foram se instalando na região. Muitos descendentes dessas famílias – que são homenageadas com seus nomes estampados nas pla-cas de ruas e avenidas como se fossem grandes heróis – ocuparam e ocupam até hoje posições de poder na esfera social e política dos mu-nicípios da região do Bolsão. Juntamente com a formação do latifún-dio, o mandonismo local exercido pelas oligarquias rurais constituiu o coronelismo regional. Usavam dos meios mais violentos para impor seu poder sobre o território, fazendo o uso de pistoleiros para resolver suas desavenças, utilizando-se do banditismo como forma de repressão social e manutenção do poder, impedindo os camponeses do acesso à terra e, assim, garantindo a reserva de mão de obra para os latifúndios.

As terras, recentemente, na maioria dos municípios, foram utilizadas para especulação, como reserva de valor, terras de negócio ou como área de expansão de atividades criatórias de grandes proprietários do Oeste paulista. Dessa forma, no processo de apropriação do território, a classe camponesa e povos indígenas foram impedidos pelo poder do latifúndio de se estabelecerem na terra e lutarem contra as oligarquias rurais, como sentença de morte (LEONARDO, 2020).

A chegada da Companhia Estrada de Ferro Noroeste do Brasil

impulsionar a economia na região, intensificando a criação e o comér-cio de gado, transportado para o Sudeste brasileiro pela ferrovia, assim como reverberou na precificação elevada das terras e na contínua con-centração fundiária. O trecho Bauru-Corumbá, entre os municípios de Três Lagoas e Água Clara, entregue, em 1914, para construção da fer-rovia, foi totalmente concluído em 1926, quando então fora finalizada a ponte Francisco de Sá sobre o rio Paraná, o que possibilitou o trans-porte das composições sem interrupções e dispensando os serviços dos Ferry Boat (FRANCISCO, 2013).

Nos anos 1930, no Governo de Getúlio Vargas, foi promo-vida a Marcha para o Oeste, incentivando o povoamento da região Centro-Oeste e acarretando na expansão da fronteira agrícola por intermédio de forte investimento estatal em infraestrutura, constru-ção de rodovias, ferrovias e eliminaconstru-ção de barreiras alfandegárias, facilitando, dessa maneira, o comércio de gado com o resto do país, principalmente, com a região Sudeste.

A partir dos anos 1960, principalmente após o golpe de 1964, com a implantação da Revolução Verde – política de modernização conservadora do campo –, a vida dos camponeses que trabalhavam nas fazendas da região foi fortemente impactada pela expulsão, aumen-to do preço dos arrendamenaumen-tos e diminuição dos pagamenaumen-tos feiaumen-tos a diaristas. O processo de integração regional ocorreu em função do desenvolvimento industrial no Sudeste durante a Ditadura Civil-Mili-tar-Empresarial, reconfigurando a divisão territorial do trabalho atri-buindo ao Centro-Oeste a produção de matérias-primas para as in-dústrias que se estabeleciam na região Sudeste e, ao mesmo tempo, o mercado consumidor de produtos industrializados. A construção do complexo de Usinas Hidrelétricas ao longo do rio Paraná também foi essencial para o desenvolvimento da Indústria e povoamento da região do Bolsão (MENDONÇA, 2021).

Após a criação do II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND), em 1974, para dar materialidade ao POLOCENTRO, foram selecionadas áreas específicas nos estados de Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso para modernizar a agricultura, a chamada política dos Polos. Em Mato Gros-so, foram selecionadas quatro áreas: Xavantina e Parecis (MT) e Bodo-quena e Campo Grande-Três Lagoas (atualmente, Mato Grosso do Sul).

Com a aplicação da estratégia dos Polos, as áreas programa receberam volumosos recursos financeiros para investimentos na modernização da agricultura, para a infraestrutura urbana e ampliação da malha de trans-portes. Consequentemente, a modernização da agricultura excluiu os camponeses e indígenas de seu projeto capitalista (KUDLAVICZ, 2011).

No projeto técnico do POLOCENTRO, a área que se estende de Campo Grande a Três Lagoas representa uma parte dos municípios que compõem a região do Bolsão (Três Lagoas, Água Clara, Santa Rita do Pardo). As oligarquias rurais associadas ao capital monopolista configu-raram a classe dominante na região, exercendo o seu poder sobre o do-mínio e uso do território. Assim como na Amazônia, a expansão do capi-tal no Centro-Oeste se deu via incentivos fiscais, pela compra de terras, muitas vezes produto de grilagem, recebendo sob forma de incentivo fiscal o capital de que necessitava para produzir (KUDLAVICZ, 2011).

Esta política foi importante para expandir a produção pecuária e, de modo particular, o plantio de eucaliptos e pinus e, dessa for-ma, os sistemas de créditos oferecidos pelos programas privilegiaram os médios e grandes proprietários, principalmente em propriedades ocupadas pela pecuária. Para efetivar a modernização da agricultura, o Estado incumbiu-se de garantir os serviços de assistência técnica, criando, em 1975, a Empresa Brasileira de Assistência Técnica e Ex-tensão Rural (EMBRATER), e os estados federativos ficaram res-ponsáveis pela criação da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (EMATER) (KUDLAVICZ, 2011).

Naquele período, os pequenos arrendamentos em grandes pro-priedades rurais, com contratos periódicos entre três e quatro anos, colocaram as famílias arrendatárias em situação muito instável, muitas acabaram sendo expulsas do campo, não tendo como sobreviver. Devi-do à mecanização Devi-do campo, os arrendamentos foram se tornanDevi-do mais precários, curtos e pouco remunerados, durando apenas o tempo ne-cessário para que se desmatassem, cercassem e formassem as fazendas para a pecuária ou agricultura. Muitas vezes, a plantação do capim era o encerramento do contrato. Depois desse período, os arrendatários eram obrigados a sair de mãos abanando e procurar outra área na mesma pro-priedade ou em outra para iniciarem o mesmo trabalho (FALCHI, 2007).

Os camponeses também sofriam com a falta de políticas de cré-dito e assistência técnica, destinadas quase exclusivamente à elite agrá-ria, e, além disso, muitas vezes, eram expulsos de suas terras por gri-leiros, prática comum na formação do latifúndio na região do Bolsão.

Essa situação de instabilidade levou os trabalhadores rurais a buscarem, na luta pela terra, novas alternativas de sobrevivência. A existência de uma questão agrária no Bolsão criou as condições objetivas que culmi-naram na luta dos camponeses e trabalhadores do campo, com forte apoio da CPT (FALCHI, 2007).

Das contradições do campo à luta pela terra: a ação da CPT nos conflitos agrários na Diocese de Três Lagoas

Embora houvesse conflitos agrários no estado de Mato Grosso do Sul, foi a partir dos anos 1980 que a luta pela ganhou maior expres-são. Ainda se vivia nos tempos de chumbo da Ditadura, a repressão era muito forte e lutar pelas causas sociais era perigoso. No entanto, as lu-tas foram travadas contra o Regime e a resistência eclodia por todos os lados, inclusive armada. Na vanguarda nacional da resistência, setores

da Igreja adeptos da Teologia da Libertação ganharam destaque. No Bolsão, em função da inexistência ou pouca atuação de movimentos socioterritoriais e socioespaciais – como o Movimento dos Trabalha-dores Rurais Sem Terra (MST) ou Movimento dos Atingidos por Bar-ragens (MAB) – e sindicatos, a participação da Igreja nas lutas foi ainda mais ativa junto aos que lutavam pela terra. Conforme documento da CPT (s.d.), intitulado “História da Luta Pela Terra”10:

Antes da CPT, temos relatos de já ter [sic] existido resistência e ocupação, por parte de vários grupos de pessoas que viviam na terra a muito tempo, de onde tiravam seu sustento, e que organizados en-frentaram os que queriam expulsá-los ou os que já haviam sido expulsos pelo latifúndio.

Tendo vista as contradições sociais no Bolsão, principalmen-te na questão agrária, a Diocese de Três Lagoas criou um Projeto de Pastoral Rural, iniciado em outubro de 1980, para prestar apoio aos camponeses e, em 15 de dezembro de 1981, foi criada, oficialmente, a CPT de Três Lagoas. A vinda do bispo D. Izidoro Kosinski, adepto da Teologia da Libertação, foi de suma importância para a ação so-cial das pastorais. O bispo foi nomeado papa João Paulo II, em 1981, onde atuou até o dia 3 de maio de 2009, quando, aos 77 anos, retornou para sua terra natal, Araucária/PR. Foi a partir de sua nomeação que se iniciou a formação de equipes pastorais com agentes interessados em participar das lutas sociais (MENDONÇA, 2021).

Para o desenvolvimento da ação pastoral, criou-se, junto com outras instituições, o projeto de auxílio para o programa de desenvol-vimento agrícola na Diocese. A principal instituição financiadora do projeto era a Misereor, da Alemanha Ocidental, pertencente à Confe-rência dos Bispos da Alemanha e comprometida com a luta contra a

pobreza na África, Ásia e América Latina. O projeto de desenvolvi-mento agrícola era executado na região por agentes da CPT de Três Lagoas, prestando-se contas regularmente por meio de relatórios. Du-rante os três primeiros anos de projeto, em parceria com a Misereor, mais de 300 famílias receberam terras, além de formação de inúmeras organizações populares, como associações de ribeirinhos, fundação de sindicatos de trabalhadores, Comitê de Direitos Humanos, associações de domésticas e empregadas e outras atividades. As verbas destinadas a esse projeto eram provenientes de campanha quaresmal e de convênios com o governo da Alemanha (MENDONÇA, 2021).

No conjunto do trabalho desenvolvido pela CPT, a preocupação com alternativas à agricultura capitalista sempre esteve presente. Sem-pre deram importância à Sem-preservação do meio ambiente e utilização de técnicas alternativas de produção e preparo do solo, manejo de pragas, cultivos alternativos, além do trabalho coletivo como forma de resis-tência dos pequenos camponeses diante da política agrícola e agrária imposta pelo Estado (MENDONÇA, 2021).

No dia 22 de fevereiro de 2009, Dom Izidoro concedeu entre-vista ao jornal “JP News”11, de Três Lagoas, e relatou sobre a sua tra-jetória desde sua vinda para a Diocese e os desafios encontrados. Ao ser indagado sobre a situação do município quando assumiu, o bispo respondeu que o maior problema era a falta de sacerdotes e a pouca participação de leigos na Igreja. Além desses problemas de falta de par-ticipação ativa dos leigos na Igreja, existiam graves problemas sociais que precisavam ser resolvidos pela Igreja. A má distribuição da terra, em poder de grandes latifundiários e a questão indígena eram as gran-des questões que exigiram o trabalho dedicado da Igreja naquela época.

11 Disponível em: <https://www.jpnews.com.br/tres-lagoas/dom-izidoro-fala-dos--27-anos-em-tres-lagoas/1860/>. Acesso em: 4 out.2021.

A ação promovida pelo bispo e agentes pastorais desafiou o po-der das oligarquias rurais, a luta de classes se acirrou com o levante dos oprimidos apoiados pela CPT, com isso, muitas foram as dificuldades e conflitos, inclusive, dentro da própria Igreja. A CPT foi quase abortada e quase morta logo nos primeiros meses de vida, pois não agradava à maioria da Hierarquia da Igreja, que vivia de conchavos e favores com as oligarquias rurais e seus lacaios (MENDONÇA, 2021).

A opção do Bispo em prestar auxílio aos mais pobres e oprimi-dos lhe rendeu muitos inimigos, principalmente as oligarquias rurais e, desde então, passou a ter que conviver com sérias ameaças anônimas.

O Sindicato Rural, ligado à FETAGRI, e o Movimento de Cursilho de Cristandade de Três Lagoas lideravam uma campanha contra o bispo e agentes pastorais. Uma sequência de ameaças começou, em março de 1986, após o envio de carta destinada aos “srs. agentes de pastoral da Diocese de Três Lagoas”. A carta dizia:

‘Só que agora vamos começar também o nosso cam-peonato; ou esta confusão acaba, ou os que a pro-vocam desaparecem. Como? Veremos... O jeito a gente arruma. Chico Malta deu umas dicas’. A carta conclui: ‘Isso tem que acabar. O nosso grupo está resolvido mesmo. Ou isso muda, ou os da pastoral mudam; para onde, isso é não sabemos. Não fiquem pensando que nós estamos amedrontados [sic]; não, nós estamos é avisando mesmo; quem avisa amigo é. Vamos dar um tempinho’. (MENDONÇA, 2021).

Ao se referir a Chico Malta, a carta remete ao personagem da Novela “Roque Santeiro”, também conhecido como “Sinhozinho Mal-ta”, fazendeiro rico, chefe político, corrupto, sem caráter, cruel e san-guinário – personagem que é expressão das oligarquias rurais brasi-leiras. No mês seguinte às ameaças, em abril, no dia do aniversário de D. Izidoro, invadiram o escritório da pastoral e espalharam todos os papéis e alguns foram queimados. Para os coordenadores da pastoral,

desenvolvido em território inimigo. A luta de classes se acirrou e as oli-garquias cometeram um atentado contra D. Izidoro. Na época, o Bispo não soube dizer ao certo se esse ataque tinha ligações políticas, mas fato é que lhe foram feitas muitas ameaças (MENDONÇA, 2021).

O atentado ocorreu no mês de julho de 1992, quando três ho-mens encapuzados invadiram a residência do Bispo à noite, o espan-caram e o forçaram a ingerir grande quantidade de bebida alcóolica.

Somente no outro dia, às 7 horas da manhã, o Bispo foi encontrado.

Estava amarrado, inconsciente e com fratura na bacia. Depois do aten-tado, a casa do Bispo passou a ser rondada por jagunços e houve vários telefonemas anônimos com ameaças. Seu enfrentamento ao latifúndio contrariou os interesses das oligarquias rurais que possuíam o domínio local no território. O atentado criminoso não representou apenas o ata-que individual ao Bispo, mas o ataata-que a todos os sujeitos sociais envol-vidos nos conflitos agrários. Ao atacar o Bispo, estava-se atacando todos movimentos e sujeitos envolvidos na luta, coagindo e inibindo novas iniciativas de camponeses e agentes pastorais (MENDONÇA, 2021).

Outra questão apontada por Dom Izidoro, em entrevista, eram as falácias da mídia local, as acusações partiam, geralmente, de fazen-deiros incomodados com a atuação da CPT. Nas publicações, utiliza-vam termos para se referir a Dom Izidoro e aos agentes pastorais como

“bispo safado”, “elemento pernicioso”, “pária”, “mafioso” e “corja de sa-fados”. O bispo sempre que possível rebatia as calúnias publicadas em outros jornais, justificando o trabalho da Igreja e dos agentes pastorais apontando para a verdadeira motivação das injúrias, fruto da imprensa vendida que falava em nome de alguns grupos econômicos poderosos insatisfeitos com o trabalho pastoral. Em reportagem do Jornal “Gazeta Popular”12, Dom Izidoro afirmou: “[...] se acusaram Cristo de subversi-vo, hoje o acusariam de comunista, apenas mudando de termo”.

12 Disponível em: <https://cptms.org>. Acesso em: 23 fev. 2020.