• Nenhum resultado encontrado

A premissa predicatum subjecto inest

CAPÍTULO 3: O CONTEXTO ONTOLÓGICO AO ESPAÇO E TEMPO RELATIVOS

3.2 A premissa predicatum subjecto inest

Leibniz postula a premissa predicatum subjecto inest, ou “predicado no sujeito”, onde todas as verdades que tem por sujeito uma substância fazem parte do próprio conceito desta substância, desde sua possibilidade.131 Uma premissa sintomática, do ponto de vista da metafísica, do fato de que as mônadas não se comunicam entre si, donde os predicados que lhe serão atribuídos no mundo representado, como em Alexandre é rei ou Alexandre vence

Dario, estarão desde sempre contidos no conceito da substância, neste caso, Alexandre.

Noutras palavras, toda e qualquer substância que seja sujeito na predicação de certas verdades contém tais verdades em seu próprio conceito. De modo que, se alguém observar o conceito de “Alexandre”, será capaz de predicar que é rei da Macedônia, que vence Dario, e todas as demais verdades que possam ser predicadas da substância de Alexandre.

Diz Leibniz:

É preciso, pois, ao termo do sujeito conter sempre o do predicado, de tal forma que quem entender perfeitamente a noção do sujeito julgue também que o predicado lhe pertence. Com isto posto, podemos dizer que a natureza de uma substância individual ou de um ser completo consiste em ter uma noção tão perfeita que seja suficiente para compreender e fazer deduzir de si todos os predicados do sujeito a que se atribui esta noção; ao passo que o acidente é um ser cuja noção não contém tudo quanto se pode atribuir ao sujeito a que se atribui esta noção.132

corpo. No animal, esta mônada dominante é a alma. Além disto, cada menor parte do corpo deste animal possui, por sua vez, sua mônada dominante, a qual impera na representação de sua respectiva parte. Sobre a representação das mônadas no mundo fenomênico, Leibniz faz três distinções: Mônadas nuas, cujas percepções são muito obscuras e confusas, referentes à vida perceptiva primitiva, tais quais seres inanimados e vegetais. Almas, cuja percepção, para além das mônadas nuas, é acrescida de memória e sentimentos, bem como de um sistema sensorial mais complexo, o qual corresponde, no mundo corpóreo, ao nível mais claro de suas percepções. Podemos exemplificar este tipo de mônada, no mundo corpóreo, com os animais irracionais. Almas racionais, ou Espíritos, cujas percepções mais claras envolvem as capacidades da razão, a consciência de si, de Deus, de verdades eternas, da ciência e do livre-arbítrio. A claridade de tal vida perceptiva envolve o que Leibniz chama de apercepção, isto é, a consciência de sua própria percepção. Representadas pelos animais racionais. Cf. Monadologie, GP, VI, p. 609-11.

131 Diz Leibniz: “A noção completa ou perfeita de uma substância singular envolve todos os seus predicados,

passado presente e futuro.” “Notio completa seu perfecta substantiae singularis involvit omnia ejus praedicata praeterita, praesentia ac futura.” Primae Veritates, C, p. 520. L, p. 268.

132 “Ainsi il faut que le terme du sujet enferme tousjours celuy du predicat, en sorte que celuy qui entendroit

parfaitement la notion du sujet, jugeroit aussi que le predicat luy appartient. Cela estant, nous pouvons dire que la nature d’une substance individuelle ou d’un estre complet, est d’avoir une notion si accomplie qu’elle soit suffisante à comprendre et à en faire deduire tous les predicats du sujet à qui cette notion est attribuée. Au lieu que l’accident est un estre dont la notion n’enferme point tout ce qu’on peut attribuer au sujet à qui on attribue

Deste modo, todos os predicados que se referem ao sujeito de uma substância estarão, desde sua formulação, como possibilidade, contidos em seu conceito. Uma vez, então, que a substância é criada, apenas o predicado referente à existência lhe é acrescentado. E todos os seus demais predicados já lhe foram designados, e não podem não ter sido, pois tal coisa contrariaria a noção própria da substância, donde conhecê-la é conhecer seus predicados. O predicado a respeito de sua existência, por sinal, é o único que não segue necessariamente de seu conceito, na medida em que, para Leibniz, é possível a uma substância não existir, ou seja, não é um ato necessário de Deus criar determinada substância que tenha por possível, o que faz da predicação sobre sua existência um algo contingente.133

Os predicados propriamente ditos, ademais, na medida em que precisam de referência a partes do tempo, ou seja, para os quais precisamos especificar tempos específicos, são contingentes, ou “concretos”, como Leibniz também os chama, isto é, “expressam estados de uma substância em partes particulares do tempo” (RUSSELL, 2005, p. 32). Afinal, para que um sujeito tenha tal e tal predicado nos tempos t1 e t2, temos de supor, antes, que este

sujeito exista nos tempos t1 e t2 – um predicado contingente. Assim, a conexão entre os

predicados de um sujeito ao sujeito, excetuando-se o predicado que afirma sua existência, é necessária. Os predicados em si, todavia, na medida em que dizem respeito a um tempo em particular, como “rei” ou “pai”, são contingentes. Todos os predicados, contudo, necessários e contingentes, estão contidos no conceito que advém da substância, ou de seu sujeito.

Diz Leibniz:

cette notion.” Discours de metaphysique, GP, IV, p. 433. DM, p. 16-7. Segundo Edgar Marques: “O que é próprio das proposições de identidade é, segundo Leibniz, que nelas a noção do termo predicado encontra-se incluída na noção do termo sujeito, de tal maneira que uma mera análise de tudo o que se encontra na noção relativa ao termo sujeito evidencia que uma noção abarca a outra. Essa constatação leva Leibniz a considerar, então, que a natureza da verdade reside precisamente na inclusão do predicado no sujeito.” MARQUES, 2017, p. 78. Neste texto, Edgar argumenta que a noção de substância, em Leibniz, possui três raízes: lógica, física e teológica.

133 Diz Leibniz a Coste: “Uma verdade é necessária quando seu oposto implica em contradição; e quando não é

necessária, é chamada de contingente. É uma verdade necessária, que Deus existe, que todos os ângulos retos são iguais uns aos outros, etc., mas é uma verdade contingente, que eu existo, e que existem corpos na natureza que formam um ângulo realmente reto.” “Une verité est necessaire, lorsque l’opposé implique contradiction; et quand elle n’est point necessaire, on l’appele contingente. C’est une verité necessaire, que Dieu existe, que tous les angles droits sont egaux entre eux etc., mais c’est une verité contingente, que j’existe moy, et qu’il y a des corps dans la nature qui font voir un angle effectivement droit.” Leibniz an Coste, GP, III, p. 400. E diz na Monadologia: “Assim, só Deus (ou o Ser necessário) tem o privilégio de ter de existir necessariamente, se é possível.” “Ainsi Dieu seul (ou l’Etre Necessaire) a ce privilege, qu’il faut qu’il existe, s’il est possible.” Monadologie, GP, VI, p. 614, § 45. DM, p. 139, § 45. Segundo Edgar Marques: “A atribuição de contingência a tudo o que existe implica que tudo pudesse ser de outra maneira. Isto é, somente pode-se dizer que uma substância, um evento ou uma ação são contingentes na medida em que faz sentido considerar que o mundo poderia apresentar uma feição constituída por outras substâncias, outros eventos ou outras ações.” MARQUES, 2006, p. 146. Cf. RUSSELL, 2005, p. 31-5. Cf. BROAD, 1975, p. 07.

Na verdade, ao consultar a noção que tenho a respeito de todas as proposições verdadeiras, penso que qualquer predicado, necessário ou contingente, passado, presente ou futuro, está contido na noção do sujeito, e não peço mais.134

Proposições contingentes, por sua vez, assim, como “Alexandre é rei”, ou “Davi é pai”, seriam proposições que, ao modo dos predicados contingentes, dizem respeito a um tempo específico do sujeito, pois pressupõe a existência deste sujeito, coisa estabelecida por Leibniz como contingente. Enquanto proposições necessárias, por sua vez, são sempre verdadeiras, e não lhes é preciso que apontemos um tempo particular, e nem sequer a existência de seu sujeito.135

Diz Leibniz, sobre a natureza da verdade:

Logo o predicado ou consequente sempre está contido no sujeito ou antecedente. E nisto consiste a natureza de toda a verdade ou da conexão entre os termos de uma proposição, como também Aristóteles observou. Em identidades esta conexão e a compreensão do predicado no sujeito estão expressas, em todas as restantes estão implícitas, e podem ser demonstradas pela análise de seus conceitos, a priori.136

Deste fato, Leibniz infere que “não há nada sem uma razão”, ou “não há efeito sem causa”, parecendo, por esta via, igualar os conceitos de razão e causa, querendo dizer que “o predicado sempre habita o sujeito”, e então os predicados não surgem como algo que lhe é externo.137

134 “En effect en consultant la notion que j’ay de toute proposition veritable, je trouve que tout predicat

necessaire ou contingent, passé, present ou futur, est compris dans la notion du sujet, et je n’en demande pas davantage.” Remarques sur la lettre de M. Arnaud, GP, II, p. 46.

135

Cf., RUSSELL, 2005, p. 29-35.

136

“Semper igitur praedicatum seu consequens inest subjecto seu antecedenti. Et in hoc ipso consistit natura veritatis in universum seu connexio inter terminos enuntiationis, ut etiam Aristoteles observavit. Et in identicis quidem connexio illa atque comprehensio praedicati in subjecto est expressa, in reliquis omnibus implicita, ac per analysin notionum ostendenda, in qua demonstratio a priori sita est.” Primae Veritates, C, p. 518-9. L, p. 267-8.

137 Cf. Primae Veritates, C, p. 518-0. Diz Michael Futch: “Noutros escritos, Leibniz explica o Princípio da Razão

Suficiente porque todos os efeitos demandam uma causa, ou, menos trivialmente, todas as coisas possuem causas. Esta formulação alternativa é resultado de uma identificação de Leibniz da ratio com a causa.” FUTCH, 2008, p. 33. Neste sentido, a “razão” toma dois significados, a saber, enquanto “causa” meramente, e enquanto “motivo”, o qual tem por propósito a finalidade do “melhor”. Segundo Blumenfeld: “Às vezes Leibniz diz

Contudo, para além da lógica, a razão não figura apenas como causa ou antecedente, mas pode também ser entendida no sentido de motivo, donde os predicados do sujeito lhe estarão contidos no conceito, e logo cada efeito terá uma causa, mas também um motivo. Leibniz então afirma que as proposições que afirmam uma verdade, tanto as de razão, necessárias, quanto aquelas de fato, contingentes, devem prover esta razão. Nas proposições de razão, contudo, podemos encontrá-la por análise, já que é necessária, sendo seu oposto um algo impossível. Neste caso, a razão parece tomar meramente o sentido de causa, sem apelo à razão suficiente ou ao porquê de tal causa. Nas proposições de fato, no entanto, se aplica o

princípio da razão suficiente, para o qual as escolhas são feitas com vistas àquilo que é

melhor.138 Princípio este que conduz Deus, na sua escolha, por este mundo, e não por algum outro possível, tendo por norte aquilo que lhe é mais perfeito, a saber, que tenha mais variedade e mais ordem. Diferentemente, todavia, da perfeição de Deus, as escolhas dos seres racionais, apesar de também norteadas pelo desejo daquilo que é melhor, por conta das percepções confusas que lhes são próprias, comumente não se dão pelo melhor, mas por aquilo que apenas, em sua limitação cognitiva, lhes parece melhor.

Deste modo, para retomar, todos os predicados estão contidos no sujeito da substância, necessariamente, exceto aquele que afirma sua própria existência.139 Predicados e proposições que façam referência a tempos específicos são contingentes, porque pressupõe a existência de seu sujeito. Se quisermos, contudo, encontrar a razão ou o porquê, enquanto motivo, para as proposições ou verdades contingentes, as quais se referem a partes do tempo, precisamos do princípio da razão suficiente, segundo o qual se escolhe aquilo que ao autor da ação parece melhor. Este princípio, pois, não se aplica igualmente às proposições necessárias,

simplesmente que nada há sem uma razão, e outra vezes que tudo possui uma causa. Mas ele frequentemente usa “razão” e “causa” como sinônimos, tomando “causa” num sentido aristotélico mais amplo. Então, essas formulações provavelmente chegam ao mesmo ponto, a saber: há uma explicação completa para tudo.” BLUMENFELD, 1994, p. 365. E ainda: “Leibniz considera o princípio da razão suficiente como um corolário de seu princípio predicado-no-sujeito. O último afirmando que há uma conexão a priori, ou relação de inclusão, entre os conceitos de predicado e sujeito para cada proposição verdadeira, e isto garante que há uma razão completa para a verdade da proposição.” Ibid, p. 365.

138 Cf. Monadologie, GP, VI, p. 612-3, § 33 e 36. 139

Para que não se caia num determinismo, pelo qual ao sujeito estão determinados todos os seus predicados, Leibniz diferencia uma necessidade ex hipothesi. Sobre isto, diz Tessa Moura Lacerda: “O fato de o sujeito conter todos os seus predicados parece indicar uma determinação absolutamente necessária. A resposta está na distinção entre uma conexão necessária e uma conexão necessária ex hipothesi: se qualquer sujeito contém todos os seus predicados, isto é, se toda proposição verdadeira é analítica, essa relação entre o sujeito e o predicado é necessária quando uma afirmação contrária implica contradição, mas será contingente se outros predicados forem igualmente possíveis.” LACERDA, Notas, DM, p. 93.

para as quais seu oposto é contraditório, mas serve como parâmetro para as contingentes. É uma contingência, pois, que Deus tenha criado este mundo, e não algum outro. E lhe foi preciso o princípio da razão suficiente para que se tenha decidido por sua criação. Mais amplamente, seres racionais escolhem o que lhes parece melhor, sendo o princípio da razão suficiente aquele que, juntamente ao princípio da contradição, fundamenta seu raciocínio.140

Mas, para além do que foi dito, a noção de que toda substância terá em seu conceito a soma de seus predicados implica, para Leibniz, num efeito outro, a saber, a impossibilidade de denominações puramente extrínsecas. Noutras palavras, toda denominação extrínseca à substância terá por base uma denominação intrínseca, que lhe seja um predicado procedente de seu conceito propriamente dito. Segundo Leibniz, não há denominação extrínseca que não tenha uma denominação intrínseca por fundamento. Assim, a proposição

Alexandre é rei jamais será uma predicação sem referência à substância mesma de Alexandre,

ou sem referência a uma modificação interna do sujeito Alexandre. Referindo-se a esta ideia, diz Edgar Marques: “Essa tese estabelece que a atribuição a um sujeito de uma propriedade relacional somente pode ocorrer caso haja alguma modificação interna ao sujeito ao qual essa propriedade é atribuída.” (MARQUES, 2007, p. 288)141

Afirma Leibniz:

Logo, segue-se que não há denominações puramente extrínsecas, que não tenham nenhuma base na coisa denominada. Pois necessariamente o conceito do sujeito denominado envolve o conceito do predicado. Assim, quando se muda uma denominação da coisa, necessariamente alguma variação na coisa mesma deve ocorrer.142

140 Cf. Monadologie, GP, VI, p. 612, § 31 e 32.

141

Prossegue Edgar Marques: “Sua interpretação mais óbvia seria, assim, a de que um sujeito não pode “ganhar” ou “perder” uma propriedade relacional se não houver algum tipo de alteração na sua estrutura interna, a qual, ao menos prima facie, seria constituída, assim, por propriedades de natureza não-relacional. É isso que parece sugerir seu famoso exemplo segundo o qual nenhum homem se torna viúvo na Índia simplesmente pela morte de sua mulher na Europa, tendo de ter ocorrido nele, além disso, também uma mudança interna real.” MARQUES, 2007, p. 288.

142 “Sequitur etiam nullas dari denominationes <pure> extrinsecas, quae nullum prorsus habeant fundamentum

in ipsa re denominata. Oportet enim ut notio subjecti denominati involvat notionem praedicati. Et proinde quoties mutatur denominatio rei, oportet aliqualem fieri variationem in ipsa re.” Primae Veritates, C, p. 520. L, p. 268.

As denominações relacionais, por sua vez, cuja predicação pressupõe uma relação, como em Alexandre é casado, ou Alexandre é filho, irão também expressar um predicado intrínseco ao sujeito. Inclusive, alguns autores consideram as denominações extrínsecas pelas denominações relacionais, pois denominações extrínsecas seriam, por definição, em relação a algo do mundo.143 De qualquer forma, Leibniz pretende estabelecer que, mesmo nas denominações relacionais, as quais predicam de certo sujeito uma verdade advinda de sua relação com outro elemento, deve haver uma modificação interna ao sujeito da proposição. De tal modo que estejam expressas em seu conceito as qualidades de casado ou filho, por exemplo, predicações estas que não serão dadas por algo que lhe é externo, mas por qualidades de sua substância. Desta maneira, é possível dizer que, na filosofia de Leibniz, qualidades ou proposições relacionais são redutíveis a qualidades ou proposições não- relacionais, donde ao predicado casado, apesar de fazer referência a uma realidade externa, é possível compor a própria noção de substância do sujeito.

Documentos relacionados