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CAPÍTULO 3. REAÇÕES À CRIAÇÃO DO AFRICOM

3.2 PREOCUPAÇÕES E RECEIOS INTERNOS

Dentro dos Estados Unidos, no plano governativo e burocrático, as principais preocupações residiam na dificuldade de integração das equipas intra-governamentais, essenciais para sincronizar os esforços do AFRICOM com outras agências governamentais. A limitação de recursos era uma das justificações. O Departamento de Estado revelou-se preocupado com o envio de pessoal técnico para o AFRICOM, uma vez que teria dificuldade em repor pessoal, não só pela limitação financeira, mas também pela duração e grau de exigência da formação de um profissional dos serviços externos.139 As diferentes formas de organização das agências norte-americanas também representavam um entrave aos esforços intra-governamentais. O Departamento de Defesa considerou que os sistemas de pessoal das agências federais eram incompatíveis, pelo que a integração numa só estrutura, o AFRICOM, era dificultada. Ainda a acrescentar, algumas destas agências, nomeadamente do Departamento de Segurança Interna,

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Pedleton, John(2008), “Force Structure: Preliminary Observations on the Progress and Challenges Associated with Establishing the U.S. Africa Command”, comunicação apresentada no Testimony

before the Subcommittee on National Security and Foreign Affairs, Committee on Oversight and Government Reform, House of Representatives, United States Government Accountability Office,

tinham como especialidade a atuação doméstica, pelo que era necessário tempo de adaptação a uma nova realidade, a africana.140

Outro assunto que causava dúvidas internas era a postura dos 3Ds (Defesa, Diplomacia e Desenvolvimento) adotada pelo AFRICOM. Esta abordagem deixava o Departamento de Estado e o USAID apreensivos, pois temiam que as fronteiras tradicionais entre os três setores – Defesa, Diplomacia e Desenvolvimento – se diluíssem, levando o AFRICOM a entrar no domínio das estruturas civis, o que resultava, em último caso, na militarização da política externa norte-americana para África. Este receio era amplificado pela discrepância de recursos entre o DOD e as restantes agências. Em termos comparativos, o número de funcionários do DOD era cem vezes maior do que o DOS e mil vezes maior do que a USAID, tendo, portanto, mais recursos humanos e financeiros. Nestas circunstâncias, as agências civis receavam que o DOD assumisse uma posição dominante, condicionando a ação dos outros atores.141

Outro fator que contribuía para os receios dos civis, era o número reduzido de funcionários responsáveis pelo desenvolvimento dos esforços inter-departamentais a trabalharem no quarter-general (headquarters) do AFRICOM. Em julho de 2008, a dois meses da autonomização do AFRICOM, apenas 11 dos 757 funcionários do AFRICOM não eram oriundos do Departamento de Defesa.142 No cálculo para os anos de 2010 e 2011 foram utilizados dados de referência (não exatos) disponibilizados pelo AFRICOM. No final do ano fiscal de 2010 (setembro), a relação entre o pessoal do DOD e de outros departamentos era de 2000 para 34 funcionários143. Em abril de 2011, essa relação era de 2100 para 40 funcionários.144 Em termos percentuais, o número de funcionários atribuído ao esforço intra-

140

Idem. 141

Mesfin, Berouk (2009), “The establishment and implications of the United States Africa Command: An African prespective”, ISS Paper, (183), p.6.

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Pedleton, John(2008), “Force Structure: Preliminary Observations on the Progress and Challenges Associated with Establishing the U.S. Africa Command”, comunicação apresentada no Testimony

before the Subcommittee on National Security and Foreign Affairs, Committee on Oversight and Government Reform, House of Representatives, United States Government Accountability Office,

15 de Julho de 2008, Washington, p.9. 143

“About United States Africa Command” (2011, agosto), AFRICOM, acedido em 15 de agosto de 2011. Disponível em: http://www.africom.mil/AfricomFAQs.asp.

144

“Fact Sheet: United States Africa Command” (2011, 28 de abril), AFRICOM, acedido em 15 de agosto de 2011. Disponível em: http://www.africom.mil/getArticle.asp?art=1644.

governamental era de 1,5% (2008), 1,7% (2010) e 1,9% (2011). Estas percentagens divergiam muito do número apresentado pelo DOD, 25%, como valor a atingir.145

Em resposta aos receios internos, a embaixadora Mary Yates, antiga adjunta do comandante para assuntos civis-militares, procurou esclarecer, em fevereiro de 2008, a posição do AFRICOM em relação à sua ação no plano diplomático e do desenvolvimento:

“O Departamento de Estado tem a liderança da política externa. A USAID tem a liderança nos programas de assistência. As ONGs têm o seu portal de acesso ao governo dos Estados Unidos através do Departamento de Estado. Nada disso muda. Nós queremos construir uma estrutura e um quartel-general de forma complementar”.146

O general Ward foi ao encontro das palavras de Yates, proferindo, também em fevereiro de 2008, o seguinte:

“o AFRICOM reconhece a relação essencial entre segurança, estabilidade, desenvolvimento económico e político (…) e mais importante, reconhece a necessidade de desenvolver esses esforços da forma mais colaborativa possível, não para retirar competências a outros, mas para garantir que o trabalho desenvolvido complementa o trabalho de outros, em busca de objetivos comuns”.147

Em ambos os casos se salienta a ideia de complementaridade e de colaboração, numa tentativa de demonstrar que a postura do AFRICOM não compreende a militarização da política externa norte-americana para África, mas antes a harmonização dos esforços militares e civis na procura de objetivos comuns no continente africano. Em suma, as primeiras declarações norte-americanas relativamente à missão e postura do AFRICOM não foram bem conseguidas, uma vez que geraram receios e dúvidas, tanto no plano externo como interno, sendo a principal preocupação, em ambos os casos, a militarização da política externa. Face às reações negativas, os EUA desenvolveram uma linha de comunicação mais esclarecedora, numa tentativa de colmatar os receios e dúvidas que persistiam.

Em julho de 2010, o Government Accountability Office (GAO) apresentou um relatório onde referia que os conhecimentos técnicos dos indivíduos provenientes das

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Pedleton, John(2008), “Force Structure: Preliminary Observations on the Progress and Challenges Associated with Establishing the U.S. Africa Command”, comunicação apresentada no Testimony

before the Subcommittee on National Security and Foreign Affairs, Committee on Oversight and Government Reform, House of Representatives, United States Government Accountability Office,

15 de Julho de 2008, Washington, p.12. 146

Seib, Philip (2008), AFRICOM: The American Military and Public Diplomacy in Africa, Los Angeles, Figueroa Press, p.22.

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Seib, Philip (2009), America’s New Approach to Africa: AFRICOM and Public Diplomacy, Los Angeles, Figueroa Press, p. 4-5.

agências civis norte-americanas inseridos na estrutura do AFRICOM não estavam a ser aproveitados, aspeto que dificultava a contribuição destes funcionários para o cumprimento dos objetivos do comando de combate. Esta situação era gerada por dois motivos. Primeiro, existiam dificuldades de coordenação entre o pessoal do DOD e dos outros departamentos, principalmente quando o planeamento das atividades se verificava nos comandos componentes onde existiam menos indivíduos atribuídos ao esforço inter-departamental. A segunda razão estava associada à dificuldade de incorporação desses funcionários na estrutura do AFRICOM, tendo alguns deles exercido funções onde a sua especialidade não era aplicada. Sobre este assunto, fontes associadas à Guarda Costeira referiram que o AFRICOM tinha dificuldades em compreender as funções e responsabilidades da Guarda Costeira, assim como as mais-valias que podia trazer ao comando. Exemplificaram com o facto de as US

Naval Forces Africa conduzirem o treino de law enforcement, em vez de permitir a liderança

à Guarda Costeira. 148

Outro exemplo, fontes associadas às embaixadas referiram que as equipas de investigadores sociais do AFRICOM, responsáveis pelo aconselhamento em matérias culturais e sociais africanas, pareciam duplicar os esforços das equipas pertencentes aos departamentos civis.149 As embaixadas norte-americanas demonstraram preocupação sobre os militares desenvolverem as investigações e estudos sociais e culturais, em vez de proceder à coordenação de esforços com os parceiros interdepartamentais. As informações providenciadas pelos grupos de investigadores eram utilizadas no planeamento de operações, pelo que as embaixadas, apoiadas na postura interdepartamental do AFRICOM, procuravam um papel mais ativo, contribuindo para uma maior pluralidade nas investigações sociais e culturais.

Do ponto de vista do AFRICOM, estas falhas surgiam porque as equipas das agências civis pretendiam alcançar objetivos próprios, em vez de se restringirem à realização de tarefas para as quais o pessoal do DOD não estava especializado, aspeto que criava um entrave ao sucesso da estrutura como um todo. Para além disso, as equipas não compreendiam a função e modo de operação dos comandos de combate, uma vez que o processo de planeamento militar era mais estruturado do que aquele verificado em agências civis norte-americanas. Neste contexto, o AFRICOM referiu que as equipas necessitavam de um ajustamento à cultura

148

United States Government Accountability Office (2010), Defense Management: Improved

Planning, Trainning, and Interagency Collaboration Could Strengthen DOD’s Efforts in Africa,

Washington, GAO, pp.34-36. 149

militar.150 O GAO também referiu que o AFRICOM desenvolveu esforços no sentido de colmatar algumas falhas neste plano, nomeadamente através do alargamento do processo de orientação destas equipas e da realização de reuniões diárias onde estes funcionários expunham as suas perspetivas e opiniões. A acrescentar, o representante do comandante para assuntos civil-militar, um embaixador oriundo do Departamento de Estado, presidia, por vezes, às reuniões do comando de combate.151

150

Idem, p.37. 151

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