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Preparação para assumir responsabilidades numa sociedade livre, dentro de um

CAPÍTULO II – OS DIREITOS DA CRIANÇA

2. A Convenção sobre os Direitos da Criança de 1989

2.3. Princípios Gerais

2.3.3. Direito à Vida, à Sobrevivência e ao Desenvolvimento

2.3.3.4. Preparação para assumir responsabilidades numa sociedade livre, dentro de um

A Convenção sobre os Direitos da Criança de 1989 considera a preparação da criança para assumir responsabilidades numa sociedade livre, um dos objetivos da educação75.

Assim, Hodgkin e Newell (1998) consideram aquele objetivo “...a vital aim of education, in that it emphasizes the importance of teaching the less ‘academic’ subjects such as health and sex education, politics, budgeting, citizenship and social relationships” (p. 399). O Comité dos Direitos da Criança partilha da preocupação manifestada por diversos Estados de que, por vezes, os currículos escolares estão desfasados da realidade social e cultural, considerando que é uma necessidade premente incluir nos currículos escolares temas que preparem as crianças para a vida real.

Segundo aqueles autores, para as crianças poderem assumir uma vida responsável, numa sociedade livre “ implies the teaching of social responsability and active participation in the process of democracy. This is not easily taught to children if it is not practised at the same time” (Hodgkin e Newell, 1998, p. 399). Deste modo, é necessário que a educação proporcionada aos alunos nas escolas, os prepare para participarem na vida social e da comunidade; para expressarem as suas opiniões, através do desenvolvimento de atitudes e comportamentos de participação dos alunos na vida escolar, como também é necessário que os professores e todos os profissionais, que trabalham com os alunos, sejam formados para desenvolverem neles atitudes de participação.

A ONU, no Manual on Human Rights Reporting, 1997, exemplifica diversas situações onde as crianças podem desenvolver a sua capacidade de participação: “...either through an ongoing process of consultation and exchange within family life, by intervening in school councils for matters relating to their education, or by influencing life at the community level through their participation in local councils” (p. 429).

Para Konterllnik (1998, p. 36), a adolescência é um momento em que se efetua uma reestruturação na construção da identidade e em que ocorre uma maior identificação com o “outro”, distinto dos pais. Segundo a autora, essa afirmação como um ser distinto dos pais, advém de uma necessidade de diferenciação. Os grupos de pares tornam-se uma referência importante na construção da identidade adolescente, o que se reflete na necessidade de pertença, de pertencer a algo, que é sentida pelos adolescentes.

A adolescência é, assim, uma fase em que ocorrem mudanças importantes na identidade e nas relações com os outros indivíduos, em que nascem outros vínculos e em que o jovem

se insere noutros espaços de sociabilidade, diferente do espaço familiar. Os adolescentes sentem, assim, necessidade de despegar-se dos laços familiares, de fazer algo por si mesmo, de se expressarem. Contudo, muitas vezes deparam-se com as limitações impostas pelos adultos e pelas instituições. As decisões são tomadas pelos adultos e eles têm que se sujeitar a essas decisões, tornando-se consumidores das situações em que se veem envolvidos, mais do que produtores (cfr. Konterllnik, 1998, p. 43). Para a autora, a sociedade civil, através das suas diversas organizações, como as igrejas, o voluntariado social, entre outras e o Estado, através das escolas, dos municípios, da justiça, das forças de segurança, entre outros, devem ser para os adolescentes, espaços de aprendizagem e de exercício da cidadania. Na sua opinião “ ...las instituciones deben escuchar y abrir el juego en las decisiones que afectan la vida y futuro de los adolescentes” (Konterllnik, 1998, p. 43). Deste modo, desenvolve-se nos jovens a capacidade de participação.

Por outro lado, os países com problemas de guerras civis, tensões raciais, terrorismo, violência, vêem-se também confrontados com a emergência de atitudes de xenofobia e racismo, que urge enfrentar e combater.

Nesse sentido, em 16 de Novembro de 1995, foi aprovada em Paris, na 28ª Conferência Geral da UNESCO, realizada entre 25 de outubro a 16 de novembro de 1995, a Declaração de Princípios sobre a Tolerância, destinada a promover a tolerância na sociedade, condição necessária considerada pelos Estados, para promover a paz e o progresso económico e social de todos os povos.

Naquela Declaração, define-se a tolerância como “...o respeito, a aceitação e o apreço da riqueza e da diversidade das culturas de nosso mundo, de nossos modos de expressão e de nossas maneiras de exprimir a nossa qualidade de seres humanos”76.

Consideram os Estados signatários daquela Declaração de Princípios sobre a Tolerância, que esta “ ...é uma virtude que torna a paz possível e contribui para substituir uma cultura de guerra por uma cultura de paz.”77 A tolerância é considerada “...o sustentáculo dos

direitos humanos, do pluralismo ( inclusive o pluralismo cultural), da democracia e do Estado de Direito”78.

A escola pode assumir aqui um importante papel, educando os jovens a combater essas atitudes de racismo, xenofobia, antissemitismo e intolerância, através do ensino dos direitos humanos.

O Comité dos Direitos da Criança considerou que a dimensão da preparação dos alunos para assumirem uma vida responsável numa sociedade livre, dentro de um espírito de compreensão, paz, tolerância, igualdade entre os sexos e de amizade, devia fazer parte integrante dos currículos escolares. Os materiais escolares deviam, também, ser concebidos para educarem os alunos dentro do espírito da tolerância e atenderem à existência de diferentes civilizações (cfr. Hodgkin e Newell, 1998, p. 400).

Segundo Monaco (2004, p. 222), a educação das crianças num espírito de compreensão, de tolerância, de amizade entre os povos, implica pô-los a par do que acontece na realidade. Segundo o autor, isso só é possível “ ...por meio da antítese e da conscientização dos problemas que a falta de compreensão, a intolerância, a inimizade entre os povos podem causar no sentido de não garantir nem a paz, nem a fraternidade universal” (Monaco, 2004, p. 222). Para o mesmo autor, só desta forma se pode proporcionar às crianças os meios necessários para que possam compreender o mundo onde vivem.

Também, nos países em que existe discriminação no acesso à educação das raparigas e elevadas taxas de abandono escolar, como acontece no seio de alguns grupos étnicos, urge tomar medidas para promover o princípio da igualdade entre os sexos. A escola e os currículos podem desempenhar aqui um importante papel, desincentivando as atitudes de discriminação entre rapazes e raparigas. Para Hodgkin e Newell (1998):

Once in school, it is important that the curriculum be as relevant to female life; that girls are encouraged in traditionally “male”subjects of maths, science, engineering and computing; that schools do not act in a sexist or discriminatory manner; and that the particular needs of girls are met. (p. 400)

Para o Comité dos Direitos da Criança, a educação assume especial importância no desenvolvimento harmonioso e esclarecido da criança, permitindo-lhe adquirir a confiança e as competências necessárias para efetuar livres escolhas nas suas vidas e agir num contexto de igualdade dos géneros, tanto a nível profissional, como familiar (cfr. Hodgkin e Newell, 1998, p. 400).

Por outro lado, a educação deve desenvolver nas crianças o espírito de paz. Para tal, as escolas devem dar particular atenção ao uso de métodos não violentos na aplicação da disciplina escolar.

Para Hammarberg (1977, pp. 22-23) deve ser desenvolvida na escola uma pedagogia democrática, o que implica que as relações desenvolvidas no seio da Escola sejam marcadas pelo respeito mútuo e pela não-violência.

A este propósito, Lansdown (1998) salienta a importância de se desenvolver na escola, um clima de respeito mútuo ao referir que:

Las escuelas deben crear una atmósfera de trabajo en la cual los niños se sientan respetados y apreciados como individuos, en la cual se reconozca la importancia de sus opiniones, de sus convicciones, de su vida privada y de su religión, y la escuela debe desempeñar un papel activo en la aceptación y el desarrollo de un ambiente en el qual los niños adquieran autoestima y amor proprio en su calidad de individuos miembros de la comunidade escolar” (p. 64).

Segundo aquela autora (1998, p. 64), nos modelos das escolas eficazes, os alunos devem ser considerados como companheiros de trabalho, como colaboradores ativos e criativos. Lansdown (1998, p. 65) afirma, também, que a Convenção sobre os Direitos da Criança difunde não só uma cultura de não-violência relativamente às crianças, como também, exige que as regras de disciplina nas escolas respeitem a dignidade dos alunos.79 Para isso,

os alunos devem ser protegidos contra todas as formas de violência física ou mental, injúrias e abusos. As escolas devem promover uma cultura de não-violência, em conformidade com o que a Convenção sobre os Direitos da Criança assinala como sendo um dos objetivos da educação: a preparação das crianças para viverem em sociedade, num

espírito de compreensão, paz, tolerância, igualdade entre os sexos e amizade entre todas as pessoas.80 Nesse sentido, o Comité dos Direitos da Criança tem-se insurgido contra os

governos que ainda admitem que sejam aplicados castigos corporais aos alunos na escola. Atualmente, todos os países da Europa proíbem a aplicação de castigos corporais aos alunos.

Outras práticas que atentam contra a dignidade das crianças, são as humilhações públicas. Hodgkin e Newell (1998, pp. 384) dão como exemplos, a proibição dos alunos contactarem com os pais ou colegas, a proibição dos alunos fazerem intervalo, de terem tempos livres ou que os proíbam de usar a sua língua ou os seus usos culturais.

No mesmo sentido de que as regras de disciplina na escola, devem respeitar a dignidade dos alunos, Verheyde (2006) refere que:

Schools may not impose measures, which would impede the contact with the parents, which would interfere with the child’s participation to his or her culture or use of his or her language, which would disproportionately hinder the exercise of the participation rights and their right to rest and leisure or which would breach the child’s right to food. (o.c., p. 62)

Todas estas práticas atentam contra a dignidade dos alunos como seres humanos e vão contra o espírito da Convenção sobre os Direitos da Criança.

Para além da necessidade das regras de funcionamento e de disciplina na Escola deverem defender os alunos contra os atos de violência praticados pelos professores, também devem defendê-los dos atos de violência praticados pelos seus próprios pares. Para Lansdown (1998, p. 65), a intimidação, seja através de agressões físicas, verbais ou qualquer outra forma de intimidação, pode causar grande sofrimento aos alunos.

Konterllnik (1998, p. 42), salienta que o recurso à violência supõe por um lado, a intenção de eliminar o outro, aquele que é diferente, aquele que não pensa do mesmo modo e, por outro lado, supõe o exercício de um poder, em muitos casos ilegítimo. Segundo a autora,

En el caso de las acciones violentas por parte de los adolescentes (entre si o en relación con su entorno), la violencia pareceria reflejar la palabra no dicha, la acción a cambio del diálogo, un intento de imponer la propia verdad en el contexto

de relgas que pusieron otros y, en fin, una impugnación a veces primitiva a la negación de su consideración como sujetos de derechos por parte de las instituciones sociales y del mundo adulto en general. (Konterllnik , 1998, p. 42)

Segundo a autora, a violência que redunda em conflitos, não é independente do contexto social, cultural, político e económico em que os adolescentes estão inseridos. Elias refere:

No es la agressividad la que dispara el conflicto sino que son los conflictos los que disparan la agresividad. Nuestros hábitos de pensamiento generan la expectativa de que todo lo que buscamos explicar sobre la gente puede ser explicado en términos de individuos aislados. Es evidentemente difícil ajustar nuestro pensamiento y, por lo tanto, las explicaciones de cómo la gente está interconectada en grupos: esto es, por medio de estructuras sociales. (citado por Konterllnik, 1998, p. 42)

É, assim, necessário ter em conta não só o indivíduo considerado isoladamente, como também, o contexto onde ele se encontra inserido.

Para resolver o problema da violência nas escolas, torna-se necessário demonstrar aos alunos que existem outros meios de resolver os conflitos, sem recorrer à violência.

Para Hammarberg (1977, pp. 22-23), é necessário transmitir aos alunos os instrumentos necessários, para que estes possam desenvolver uma cultura de paz e de resolução pacífica dos conflitos. Para isso, Hammarberg (1977) considera ser essencial que os professores nunca tenham comportamentos violentos para com os alunos e que as medidas disciplinares aplicadas aos alunos nunca envolvam castigos corporais, como ainda acontece em certos países.

Também Hammarberg (1977) refere que a violência que ocorre entre as crianças é um problema “ ...en partie caché, dont la partie apparente est effrayante, notamment dans les pays industrialisés” (p. 23). Segundo o autor, os atos de violência entre as crianças ocorrem, de forma sistemática, no seio de um grande número de escolas. O autor faz referência à intimidação que os alunos mais fortes exercem sobre os mais fracos, ao assédio sexual que as raparigas são vítimas e ao assédio psicológico, que pode ter efeitos muito graves, difíceis de identificar e de tratar.

Para Hammarberg (1977) “ L’école devrait être une zone libre de toute violence. Il est parfaitment inacceptable que des enfants se rendent à l’école la peur au ventre” (p. 23).

Assim, para o autor, as escolas devem adotar planos de prevenção contra a violência, bem como os seus responsáveis devem tomar medidas imediatas contra os agressores, logo que estes cometam atos de violência. Inclusivamente, o autor defende que cada escola deve ter um plano específico de luta contra a violência, em cuja elaboração e aplicação, os alunos devem ter uma participação ativa. Também os pais e a coletividade devem fazer parte desse plano, pois só assim, ele poderá ser eficaz. Na verdade, a violência, o vandalismo e a falta de disciplina nas escolas podem provocar efeitos muito nefastos na comunidade em que estão inseridas (cfr. Hammarberg, 1977, p. 23).

Para o autor, a escola desempenha um papel muito importante no desenvolvimento das crianças, pois nela a criança desenvolve todo um conjunto de relações sociais, servindo como estrutura de apoio e um lugar de segurança, principalmente para aquelas crianças que vivem em países envolvidos em conflitos armados ou em países onde existe grande agitação social. Por sua vez, naqueles países onde existe paz, a escola é um meio social, que vai completar o papel desempenhado pelas famílias, proporcionando a estabilidade de que as crianças necessitam e contribuindo para a formação de jovens em ordem a criar uma sociedade melhor e mais equilibrada. No entanto, Hammarberg (1977, p. 24) refere que muitos países europeus têm descurado esta valência da Escola, uma vez que têm vindo a reduzir os meios financeiros atribuídos às escolas, tendo como consequência, o facto de estas terem reduzido precisamente o pessoal especializado no apoio social aos alunos. Como tal, esta falta de investimento vai ter como consequência, um contributo limitado dado pela escola, na criação de uma sociedade melhor e mais solidária.

Verificamos, assim, a importância da preparação das crianças e dos jovens para assumirem responsabilidades numa sociedade livre, através da inclusão nos currículos escolares de temas que os preparem para a vida real, desenvolvendo-lhes a capacidade de participação, preparando-os para combaterem as atitudes de intolerância, promovendo o espírito de paz, através das relações marcadas pelo respeito mútuo, pela não-violência, sendo fundamental que as regras da escola respeitem a dignidade dos alunos.

Outro dos objetivos da educação, definidos pela Convenção sobre os Direitos da Criança e que se integra no seu direito ao desenvolvimento, é o desenvolvimento do respeito pelo ambiente, que vamos, de seguida, analisar.

2.3.3.5. Desenvolvimento do respeito pelo ambiente

A consagração na Convenção sobre os Direitos da Criança, do desenvolvimento do respeito pelo ambiente, como um dos objetivos da educação81, revela a preocupação que os

Estados têm com a proteção do meio ambiente.

Na Declaração do Rio de Janeiro sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, aprovada na Conferência das Nações Unidas, realizada no Rio de Janeiro, de 3 a 14 de Junho de 1992, os Estados realçaram a importância da consciencialização de todas as pessoas, incluindo as crianças, para a necessidade do desenvolvimento sustentável e do cuidado a ter com o meio ambiente. De facto, o Princípio 21, da Declaração do Rio, refere que “ The creativity, ideals and courage of the youth of the world should be mobilized to forge a global partnership in order to achieve sustainable development and ensure a better future for all”. Este princípio reflete, a preocupação aliás contida em toda a Declaração do Rio, de garantir um desenvolvimento sustentável global, da defesa do equilíbrio ecológico do planeta e da preocupação com as gerações futuras. Para se atingir esse objetivo, é necessário o envolvimento de todas as pessoas, inclusivamente, das gerações mais jovens. Na Agenda 21, documento que resultou da Conferência do Rio de 1992, em que se estabelece a importância da colaboração de cada país no estudo de soluções para os problemas sócio ambientais, propõe-se que as autoridades competentes apoiem as escolas, na elaboração de planos de trabalho sobre atividades ambientais, planos esses que devem ser elaborados, também, com a participação dos alunos. Também se salienta a importância das escolas estimularem os alunos a participarem nos estudos locais e regionais sobre saúde ambiental82. Também na Agenda 21, se prevê que os Governos devem estabelecer

procedimentos que permitam aos jovens de ambos os sexos participarem no processo de tomada de decisões relativas ao meio ambiente. Por outro lado, sugere-se ainda a constituição de uma task-force, composta por jovens e organizações juvenis não- governamentais, para desenvolverem programas de ensino e de consciencialização

dirigidos sobretudo à juventude, devendo ser utilizados métodos educacionais e não- educacionais para atingirem o máximo número de pessoas83.

Verifica-se, assim, que o desenvolvimento nos jovens de uma consciencialização da necessidade de proteção do ambiente, constitui uma dimensão fundamental na educação dos jovens, imprescindível para a proteção do planeta e das gerações vindouras, procurando, assim, garantir um futuro para todos.

Após termos abordado as diversas dimensões que configuram o direito à vida, à sobrevivência e ao desenvolvimento, vamos analisar outro princípio fundamental, constante da Convenção sobre os Direitos da Criança, de 1989 e que é o respeito pelas opiniões da criança.