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Os direitos fundamentais sob a ótica da teoria do garantismo penal, mais especificadamente os direitos de liberdade, correspondem na verdade a uma garantia primeiramente em relação ao Estado (que se materializam através de proibições e de obrigações positivas). A enunciação de um direito fundamental impõe um conjunto de proibições ao Estado, inclusive, proibições que não possuem conteúdo predeterminado e nem mesmo determinável a priori.137

Uma reformulação da fundação teórica das categorias dos direitos fundamentais exigiria não apenas a sua originária distinção dos outros direitos subjetivos, mas, também, a sua decomposição analítica, voltada a identificar, a redefinir e a distinguir as diversas figuras colhidas nela. Também a categoria dos direitos fundamentais é um recipiente no qual tomaram lugar figuras ligadas pelo seu nexo com a igualdade e com os valores das pessoas, mas, de resto, em tudo heterogêneas: do direito à vida ao de liberdade pessoal; dos diversos direitos de liberdade – de opinião, de expressão, de imprensa, de culto, de reunião, de associação, de circulação e de greve – à inviolabilidade do domicílio e sigilo de correspondência; dos direitos políticos aos direitos civis da capacidade jurídica e da capacidade de agir; dos direitos sociais individuais – ato trabalho, à subsistência, à saúde, à casa, à instrução e a um adequado salário – até aos direitos sociais coletivos, como direito à paz, ao ambiente, à informação e à autodeterminação.138

Ferrajoli pontua ainda que os direitos fundamentais, em contraposição a outras situações jurídicas, exigem a criação de garantias necessárias à satisfação do igual valor das pessoas.139

Tudo isso torna ainda mais insensata a associação entre direitos fundamentais e outra figuras de direitos ou prerrogativas, sugerida pelas mais que globais categorias dos “direitos subjetivos” e “situações jurídicas”. A radical diferença entre estrutura dos direitos fundamentais em relação a todas as situações jurídicas de poder e

137 CADEMARTORI, Sergio. Estado de Direito e Legitimidade: Uma abordagem garantista. p. 109 138 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: teoria do garantismo penal. 2010, p. 842

dever faz, ao invés, dos primeiros o campo do não poder, onde tomam forma e se desenvolvem as identidades, as carências e os valores – pessoais e sociais – que por sua tramitação exigem igual tutela e satisfação. Mas o faz, outrossim, como se verá, o campo dos contra-poderes, ou seja, dos instrumentos de tutela, de autonomia e de conflito – individual ou coletivo - atribuídos a sujeitos mais frágeis e privados de poderes contra o jogo, de outro modo, livre e desenfreado dos poderes públicos e privados e das conexas desigualdades.140

Para a teoria do garantismo penal, direitos fundamentais servem na verdade como um suporte e garantia dos demais direitos previstos para os cidadãos, servem como um instrumento com os quais o direito assegura certo número de liberdades e prerrogativas, que são precisados, definidos ou instituídos pelo próprio Direito.141

Uma vez esclarecido o que vem a ser um direito fundamental, é imperioso reforçar que nos casos de crimes imprescritíveis142 elaborados pelo

próprio Poder Constituinte Originário acabou conferindo um status jurídico qualificado à prescrição (conduzindo-a a um patamar de jusfundamentalidade, de garantia constitucional).

É possível afirmar isto porque nestes dispositivos constitucionais, houve a especial preocupação de que identificar as hipóteses específicas que afastariam a regra geral de prescritibilidade dos delitos já que, nestas situações excepcionais, a constituição afirma a imprescritibilidade do jus puniendi. Trata-se, pois, inegavelmente, de uma garantia de todo cidadão.

Portanto, o direito à prescrição foi reconhecido como um dos direitos fundamentais, fazendo parte do rol das chamadas cláusulas pétreas. Sendo assim, nem o “Poder Constituinte Reformador ou Derivado”, poderá validamente deliberar sobre proposta de emenda constitucional tendente a abolir o direito à prescrição (artigo 60, parágrafo quarto, inciso IV, da Constituição da República Federativa do Brasil).143

140 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: teoria do garantismo penal. 2010, p. 839

141 CADEMARTORI, Sergio. Estado de Direito e Legitimidade: Uma abordagem garantista. p. 111 142 Como verificado acima são considerados imprescritíveis o crime de racismo e o de ação de grupos

armados contra a ordem constitucional e o Estado Democrático.

143 SIENA, David Pimentel Barbosa de. Direito fundamental à prescrição e inconstitucionalidade

da Lei nº 12.234/2010. Disponível em: <http://jus.com. br/artigos/20456/direito-fundamental-a- prescricao-e-inconstitucionalidade-da-lei-no-12-234-2010#ixzz2iTVNeqzx> Acesso em: 15 de dezembro de 2013. p. 1

Verifica-se assim, que, a prescrição apresenta-se como uma garantia constitucional, e com a entrada em vigor da Lei nº 12.234/2010, o legislador pretendeu que o magistrado não mais aplique a modalidade de prescrição da pretensão punitiva na forma retroativa, em períodos anteriores ao recebimento da denúncia ou queixa, agravando sobremaneira a situação de um acusado.

A doutrina penal de cunho garantista vem tecendo severas críticas a esta mudança legislativa. Na verdade, esta lei não está em harmonia com os postulados do Estado Democrático de Direito e do Direito Penal Constitucional. Ao vedar a possibilidade de reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva retroativa em termo anterior ao do recebimento da denúncia ou queixa, restou configurado um verdadeiro retrocesso legislativo. Além disso, a nova disposição penal é incompatível com o princípio constitucional da duração razoável do processo.144

Seja por uma leitura do Direito Penal sob o enfoque da teoria do garantismo proposto por Ferrajoli, seja ainda por uma leitura constitucional de todo o sistema penal, a Lei nº 12.234/2010 viola, defende-se aqui, vários princípios e garantias fundamentais previstos na Carta Cidadã.

A aplicação da teoria garantista fornece elementos fundantes ao Estado democrático de Direito, ademais, serve também como prova de evolução de um Estado frente ao Estado absolutista. Pois bem, a limitação, ou supressão de direitos e garantias fundamentais do cidadão em um Estado de Direito é contra ao proposto por este Estado.

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