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III: O PROCESSAMENTO DO COMÉRCIO E A PROCURA DO MARFIM

3.2. O comércio nos territórios de Angola e Benguela e portos do norte

3.2.2. O controlo português do comércio na costa dos reinos de Angola,

3.2.2.1. A presença inglesa

Por cerca de 1800, na costa de Cabinda, aportava por escala um navio, a galera denominada Santo António, que, segundo as informações do governador de Luanda, fora impedido quer pelos ingleses, quer pelos nativos. No informe lê-se:

Aos vinte e cinco de Outubro de mil setecentos noventa e nove entrou neste porto havendo feito escala em Benguela, e contando cento e cinquenta dias de viagem a Galera denominada Santo António, carregada por conta de seu senhorio José António Pereira, negociante da praça de Lisboa com destino de ir comprar escravos aos portos de Cabinda e outros a ele vizinhos, para o que embarcou nela uma porção de Fazendas próprias para o dito comércio compradas na Alfândega do Porto Franco de Lisboa, e portanto inadmissíveis por via de regra neste Reino nos termos da Carta de Lei de 13 de Maio de 1796. Passando, porém, a dita Galera aos Portos do seu destino, não pode conseguir os fins para que a eles se dirigira, parte porque os Ingleses que lá encontrou lhe impediram o comércio com astúcia, parte pela grande desafeição que os Negros daquelas paragens têm contra nós concebido, e que as Nações Estrangeiras nossas rivais nutrem desde a infeliz graça do ano de 1783285. Os documentos inclusos provam mais largamente o sobredito, por que nas referidas circunstâncias voltou a mencionada Galera para este Porto aonde ficou recolhida a 20 de Março correspondente [...].286

Neste incidente, revela-se que, apesar de as relações diplomáticas entre Portugal e a Grã- Bretanha serem pacíficas, no que se refere ao tráfico, quiçá, como afirma Filomena de

283 PT/AHU-CU-ANGOLA, Cx. 86, Doc. 25, 27, 32 (1797). 284 PT/AHU-CU-ANGOLA, Cx. 91, Doc. 57 (23 de Abril de 1799).

285 Referência à incursão francesa contra a fortaleza portuguesa em Cabinda, exigindo liberdade de comércio. 286 PT/AHU-CU-ANGOLA, Cx. 96, Doc. 44 (20 de Agosto de 1800).

82 Oliveira, por ser o país que lhe estava mais endividado à entrada do século XIX287, a Grã- Bretanha impunha alguns impedimentos a Portugal. Associadas a estas razões, percebe-se, por outro lado, que, não obstante a anterioridade portuguesa nessas costas, os ingleses não só eram bem-vindos, como também se impuseram manu militari, encobrindo os seus interesses económicos pelo argumento do abolicionismo. Desta feita, aos informes do governador de Luanda a D. Rodrigo de Souza Coutinho, secretário de Estado da Marinha e dos Domínios Ultramarinos, a respeito da usurpação do comércio (e outras rotas não controladas) das outras nações europeias nos portos a norte de Luanda, responde o político com o Ofício n.º 174 de 17 de Novembro de 1799288.

Para Cabinda, sabe-se ainda que a capacidade e forças inglesas superavam, na região, as pretensões de hegemonia portuguesa. Lê-se na documentação do Governo de Angola para o ministério da Marinha e do Ultramar o seguinte informe:

Devo participar a Vossa Excelência que tendo chegado da Bahia a 10 de Maio do presente ano a Escuna Paquete Volante, Mestre João Chrisóstomo Rodrigues Lopez, e no dia seguinte a Galera Volcano, Mestre João Bento Salazar vindo daquele mesmo Porto com destino de tomarem aqui algumas provisões a fim de seguirem para Cabinda, segundo Despacho que apresentaram, fizeram com efeito viagem a 19 de Junho saindo ambos em conserva. Aconteceu porém que no dia 24 de Setembro entrou neste porto uma lancha na qual veio o Padre Manuel José Domingos Codeceira, capelão que era da Galera acima declarada, o Escrivão e dez marinheiros referindo que estando aquelas duas embarcações ancoradas no Porto de Cabinda, aparecera às oito horas da manhã do dia 20 de Agosto um Brigue com Bandeira Inglesa armado em Guerra, o qual fazendo ir a seu bordo os dois Mestres mandaram depois quatro Escalares armados, que se fizeram senhores das ditas embarcações, lançando em terra no dia seguinte o capelão e dezoito marinheiros como no papel incluso depõe o mesmo Padre o qual ainda se acha nesta cidade com intento de se retirar a algum dos portos do Brasil. Causa admiração/considerada a força do Brigue Inglês a facilidade com que se entregaram os Mestres das Embarcações e principalmente o da Galera que tinha meios para resistir, e por isso, segundo o que vocalmente expõe o Capelão, há fundamento para crer que houve alguma inteligência entre eles. E quanto a este respeito tenho de comunicar Vossa Excelência.289

As atitudes britânicas podem-se perceber — ano de 1811 — porquanto nessa época Portugal relutava à supressão do negócio do tráfico decretada em 1807 pelo aliado inglês.

Contudo, ainda que Sua Alteza Real, o Príncipe Regente de Portugal, tivesse aparentemente cedido o negócio assinando o Tratado de Amizade e Aliança com Sua

287 Cfr. Filomena Maria Gomes de Oliveira, op. cit., p. 31.

288 PT/AHU-CU-ANGOLA, Cx. 98, Doc. 09 (03 de Janeiro de 1801). 289 PT/AHU-CU-ANGOLA, Cx. 123, Doc. 44 (4 de Novembro de 1811).

83 Magestade Britânica290, e assim fosse coagido a pôr termo ao tráfico, o artigo X do Tratado não afectava os direitos da Coroa de Portugal a Cabinda e Malembo sobre aquele comércio291. Daí que, como excepção da regra, os próprios ingleses aparecem para comerciar com aquele negócio nos portos a norte de Luanda. A informação é do Governo de Luanda ao ministro do Reino, conde de Subserra, na qual se testifica:

[...] Arribada de um navio Americano Inglês denominado Paragon of Boston, vindo do Porto de Boston na América Inglesa com direcção para Ambriz e Loango nesta costa d’África, do qual é Mestre João Wood e demandou este Porto por precisar de concerto do dito Bergantim.292

Todavia, a despeito de figurinos da abolição do comércio de escravos, nas costas a norte de Luanda, no reino de Angola apareceram para o mesmo tráfico navios da América inglesa:

Devo participar a Vossa Excelência que o Alferes e Cabo da Barra do Dande em Carta de 24 do corrente ano me fez saber que o Soba Mangofe mandara encaminhar para esta cidade por uns pretos o Inglês Americano Carlos Wilson que diz ser Piloto deixado em terra na Bahia de Ambriz por uma das embarcações que ali vão a comércio […].293

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