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A presença de um “posicionamento positivo” docente diante do fazer esportivo das

Capítulo III A educação esportiva de meninas na escola: Disposições corporais de

3.3 A presença de um “posicionamento positivo” docente diante do fazer esportivo das

As narrativas revelaram que as/os docentes apresentam posicionamentos positivos diante das possibilidades de suas alunas aprenderem esportes nas aulas. Seus posicionamentos positivos envolveram encorajamento das alunas e crítica às relações hegemônicas entre gênero e esporte.

15 Jacó aponta para quatro formas hegemônicas de participar nas aulas: protagonistas, figurantes, flutuantes e excluídos (JACÓ, J. F.; Altmann, H.. Educação Fisica Escolar e Gênero: As diferenças entre meninos e meninas nas maneiras de participar das aulas. In: II Simpósio Internacional de Educação Sexual- Gênero, Direitos e Diversidade Sexual: Trajetórias Escolares, 2011, Maringá- Pr. II Simpósio Internacional de Educação Sexual- II SIES, 2011.

No sentido do encorajamento, a professora Angélica narrou que situações de incentivos às alunas direcionadas aos fazeres esportivos ocorrem com frequência no cotidiano docente. Nesse sentido, a professora destacou a ocorrência de algumas frases:

“Vocês podem fazer”. “É só prestar atenção e tentar”. Então eu falo do drible, do domínio da bola, converso com as meninas e elas vão melhorando e percebendo isso. Nas aulas elas falam “nossa Tia! Olha! Agora eu já consigo”. (Professora Angélica). Sua maneira de encorajar as meninas envolveu estímulos durante a prática corporal de alguns movimentos específicos e a inserção delas no processo de aprender gestualidades esportivas. As narrativas docentes direcionadas às meninas compuseram estímulos à/na prática, os quais não estão disponíveis no contexto extraescolar com frequência. As frases “vamos fazer”, “vocês conseguem”, “é só tentar”, seguidas das explicações que facilitam o aprendizado do gesto constituíram um diferencial na prática destas/es docentes que procuram ensinar a todas/os.

As ausências de estímulos aos fazeres esportivos das meninas fora do contexto escolar estão relacionadas às noções socioculturais hegemônicas de gênero que tendem a distanciar as meninas das práticas esportivas e a situá-las em um campo de cerceamentos do corpo e do gesto. As narrativas docentes avançaram no sentido da problematização destas noções:

(...) no geral minhas alunas participam de tudo. Olha eu sou enjoada com isso, elas falam: "mas professora a gente é menina." E eu falo: "ah é, e eu estou falando para vocês tentarem, e eu, sou o que? Eu sou menina também!". Então eu sempre fiz um esforço muito grande para que as meninas participassem igual. (Professora Julia) (...) elas acham que educação física, tem muita menina principalmente na família, que tem preconceito, acham que esporte é coisa para homem. Então tem que falar: “não, não tem nada a ver", aí eu uso outros exemplos da maioria das meninas que gostam. Porque é sempre uma minoria. (Professor Nilton).

Diante dos argumentos discentes que sugeriam não serem apropriados às meninas os esportes na escola, exatamente “por serem meninas”, a professora Julia argumentou utilizando sua própria situação de mulher solicitando os fazeres das alunas. Da mesma maneira, o professor Nilton evocou o sujeito feminino como pertencente às práticas esportivas ao se utilizar de exemplos das demais meninas que gostavam de realizar esportes.

Suas problematizações contestaram noções essencialistas presentes no discurso de gênero de suas próprias alunas, apontando para uma compreensão crítica sobre o “não fazer” das meninas durante as aulas. Segundo Avtar Brah (2006), a noção essencialista configura uma “noção de essência última que transcenderia limites históricos e culturais” (BRAH, 2006, p. 331). Os argumentos docentes para contrapor esse discurso evidenciaram diferentes sentidos de

“ser menina” no contexto escolar, conformando enfrentamentos cotidianos.

Com um sentido crítico, suas narrativas aludiram questionamentos: “Ser menina é não gostar de esportes? Mas, e as meninas que gostam de praticar esportes? ” Estas problematizações ocorridas no cotidiano das aulas caracterizaram os seus posicionamentos positivos no sentido da crítica às noções hegemônicas de gênero, as quais se expressam também disseminadas entre discentes, compondo enfrentamentos diários das noções essencialistas presentes na educação física.

Nesse sentido, a professora Julia narrou que realiza sempre “um esforço muito grande” para viabilizar o fazer de todas as alunas. Também o professor Nilton enfrenta situações que exigem relembrar que é “sempre uma minoria” entre as meninas que pensam ser o esporte “coisa para homem”. A presença destes enfrentamentos revela que há, na cultura escolar hegemônica da educação física, uma persistente noção que não vincula às meninas as redes de pertencimentos sociais sobre os fazeres esportivos, o que demanda esforços para contrapor e não caminhar em direção às noções que distanciam as meninas destes fazeres.

Ainda no sentido da crítica às noções hegemônicas de gênero, suas ações, que situaram as meninas na rede de pertencimentos sociais vinculada aos fazeres esportivos, também enfrentaram noções que supõem ser estes fazeres algo inato entre os meninos. Estas noções essencialistas sobre os fazeres dos meninos invisibilizam, sobremaneira, o processo educativo em que eles, desde muito cedo, se deparam em suas vidas com uma educação esportiva que lhes encaminha para esta constituição corporal.

As críticas a estas noções desnaturalizam a relação entre meninos e prática esportiva, o que possibilita reconhecer que nem todos os alunos são, do mesmo modo, atraídos para os esportes, revelando que eles demonstram predileção por outros interesses. Deste modo, o professor Marcos observou que alguns alunos não demonstram maiores interesses diante dos fazeres esportivos, e supõe “talvez, por conta da informática, do celular”. As narrativas problematizaram noções que sugeriam serem os meninos da mesma maneira proativos para os fazeres esportivos, revelando que estas construções socioculturais e históricas estão sendo desnaturalizadas no cotidiano da educação física escolar, no “chão da quadra”.

A necessidade argumentativa docente, que demanda desconstruir noções hegemônicas de gênero e a produção de estímulos sociais às meninas no sentido da prática esportiva, evidencia que se faz presente nas aulas de educação física uma compreensão que diferencia as possibilidades de meninos e meninas bem aprenderem esportes na escola. Posicionar-se positivamente perante as possibilidades de as meninas aprenderem esportes na escola demarca e expressa uma descontinuidade a esta lógica que discrimina os fazeres na

escola.

Nas narrativas docentes, as alunas foram também posicionadas como potencialmente habilidosas no fazer esportivo, ampliando suas chances de bem aprender os gestos esportivos na escola e lhes assegurando condições nas aulas para esse aprendizado.

Embora existam configurações essencializadas de corpos e seus saberes, os próprios corpos das meninas, tornados eficazes são, em si, elementos de ruptura com a lógica essencialista na educação física escolar. Ao aproximá-las do conhecimento esportivo, estas/es docentes, além de lhes proporcionar novas possibilidades de estar na escola, também viabilizaram a elas novas redes de pertencimento social e sociabilidades, vinculadas ao campo esportivo em nossa sociedade.

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