• Nenhum resultado encontrado

2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICO-EMPÍRICA

2.2 PRESENTES

Qualquer recurso, seja ele tangível ou intangível, pode ser transformado em presente, bastando para isso que ele seja presenteado, ou seja, dado de alguém para outro alguém. Assim, objetos, serviços e experiências podem ser designados como presentes por relacionamentos sociais e ocasiões especiais (Sherry, 1983, p. 160).

Os presentes diferem dos produtos por duas razões principais (Carrier, 1995, p. 11): a primeira encontra-se no grau em que o objeto é associado com os indivíduos que participam do processo de transação, desde a compra, até sua utilização; a segunda está relacionada ao grau de ligação e obrigação entre os indivíduos envolvidos neste processo.

No caso dos presentes, os objetos representam posses pessoais, que são doadas e recebidas e que estão ligadas ao presenteador, ao receptor e ao relacionamento existente entre eles. Já no caso dos produtos, os objetos são impessoais, ou seja, são alienados de relacionamentos; representam, assim, uma propriedade impessoal, que possuí apenas seu valor de troca de mercado.

Nas relações de troca de presentes, os indivíduos participantes do processo possuem ligação afetiva, que deixa sempre o presenteador numa posição de credor em relação ao receptor do presente que assume a posição de “devedor” (deve retribuir o presente).

O processo de presentear afirma e reproduz uma relação de dependência mútua, entre presenteador e receptor, sempre que a troca de presentes ocorre. Em relação aos produtos, não existe nenhum tipo de obrigação de retribuição, pois os objetos estão isentos de envolvimentos passados, presentes ou futuros entre os indivíduos participantes do processo (Carrier, 1995, p. 23).

Quando objetos, serviços e experiências são considerados como itens de troca social, são valorizados ou por sua própria importância econômica, ou como provedores de incentivos de ação de troca social, recebendo somente atributos de méritos simbólicos; assim, eles são procurados não pelo que valem por si mesmos, mas pelo que eles representam para o presenteador e receptor dos itens de troca (Belk e Coon, 1993, p. 395). Os presentes, considerando este modelo social, tornam-se desprovidos de valor financeiro, sendo o valor simbólico mais valioso.

O presente é o melhor exemplo da troca simbólica, pois um objeto, quando é dado (qualquer que seja ele, contanto que seja dado), sela um pacto transferencial entre duas

pessoas não possuidoras de valor10, seja de uso, seja de troca econômica; que possuem, porém, valor de troca simbólico (Baudrillard, 1972, p.60).

O autor ainda ressalta que cada presente é único, pois é personalizado pelo presenteador, no momento único da sua entrega ao receptor.

Belk, Wallendorf e Sherry (1989, p. 17) tratam dos presentes como algo sagrado, pois esses geralmente possuem um significado especial e a sua seleção para dá-los a outra pessoa é claramente diferente da compra de uma mercadoria.

Desde que um presente é em geral uma expressão de conexão entre as pessoas, ele pode ganhar o status de sagrado. Como exemplo, pode-se citar as ocasiões em que os locais de turismo provêem uma oportunidade aos consumidores de capturar algo sagrado do lugar de visitação, comprando um presente para aqueles que ficaram em casa. Outro exemplo de presente, freqüentemente sacralizado, é aquele embutido de trabalho e esforço manual.

Em sociedades não industriais como a da Nova Guiné, os alimentos são os artigos mais utilizados como presentes11; dentre esses os porcos são os que mais se destacam representando, 54% do total de presentes dados (Davis, 1972, p. 418-120).

Segundo Carrier (1995, p, 162), o presente ideal é espontâneo e expressa o presenteador e seus sentimentos verdadeiros.

2.2.1 AS FUNÇÕES DOS PRESENTES

Segundo Belk (1979) os presentes representam quatro importantes funções.

1- Os presentes servem como forma de comunicação simbólica. Com a prática de dar presentes, as pessoas transmitem não só produtos físicos, como também mensagens simbólicas. Para evitar que haja má interpretação dessas mensagens, os produtos de uso tradicional são, na maioria das vezes, os mais utilizados.

2- Os presentes ajudam a estabelecer e manter relações pessoais. Presentes podem refletir intimidade de relacionamento (lingerie), compaixão (donativos), gratidão por serviços (lembrancinhas), felicitações (lembranças para recém-nascidos, casamentos, etc.), amizade, e assim por diante. Esta prática, quando baseada na

10 Valor: tipo de experiência que ocorre com algum organismo vivo, quando um alvo é alcançado, uma

necessidade é preenchida, ou um desejo é satisfeito (Holbrook, 1987, p. 128).

noção de reciprocidade, pode criar situações em que o receptor de um presente se torna o “devedor” de um “favor” futuro ao seu presenteador.

3- Os presentes produzem valor econômico. Além das mensagens de dimensões sociais, os presentes também podem satisfazer as necessidades funcionais do receptor. Por exemplo, jóias podem ajudar a embelezar uma mulher.

4- Os presentes produzem função de socialização. Isto é muito comum no desenvolvimento da identidade das crianças, como quando, por exemplo, meninas ganham bonecas e meninos carrinhos, representando feminino versus masculino; ou quando os presentes são usados para assegurar um bom comportamento (promessas de presentes para o Dia de Natal, caso a criança se comporte “bem” durante os outros dias do ano).

Para Belk, quando um indivíduo procura um item especificamente requisitado pelo receptor do presente, a compra deste torna-se menos agradável do que quando o presenteador se sente livre para realizar a escolha.

Um exemplo do ato de presentear, utilizado como forma de expressar e comunicar sentimentos, ocorre na época do Natal. Antigamente essa data era utilizada para a troca de presentes somente pelos cristãos, para comemorar o nascimento do “Cristo Salvador”. Atualmente, independentemente da religião, esse costume tornou-se enraizado e difundido por quase todo o mundo, perdendo um pouco o sentido de comemoração ligada à religião e fundamentando-se na sociedade, como ocasião para as pessoas reforçarem seus laços afetivos e demonstrarem o amor que sentem umas pelas outras (Carrier, 1995, p. 174).

De acordo com o autor, esse costume pode ser mais bem entendido ou explicado, uma vez que teve maior difusão logo após a Primeira Guerra Mundial, época em que as pessoas estavam carentes, assustadas e com certo medo umas das outras. Assim, o ato de presentear veio ajudar o restabelecimento das relações afetivas entre os indivíduos no pós-guerra.

O Natal teria como propósito, então, representar uma época do ano em que as pessoas poderiam dizer umas às outras quão calorosa é a relação familiar e quão fria é a vida no mundo fora dela (Carrier, 1995, p. 187-189).

Segundo (Beatty, Kahle e Homer, 1991, p. 150) as pessoas costumam dar presentes por três principais razões: 1) para dar prazer, demonstrando amizade, por exemplo; 2) para obter prazer; 3) ou por sentirem obrigação.

Outra função dos presentes é provocarem uma surpresa no receptor, pois o ato de presentear engloba não só o presente em si, mas também o momento da prestação dele. Assim, um dos requisitos primordiais do objeto presenteado é que esteja embrulhado, para que o receptor não o identifique no momento em que o recebeu ou o viu nas mãos do presenteador (Carrier, 1995, p. 175).

Documentos relacionados