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Para os aspirantes a interlocutores o arranque comunicacional é sempre difícil. Isto acontece porque é preciso construir as mútuas convenções, básicas à comunicação, quando ainda não se comunica. Como fazê-lo, evitando a armadilha de ficar para sempre na ilusão da comunicação alcançada e da refutação do equívoco? Exemplifique-se esta armadilha pela seguinte descrição: Quando vejo verde e digo que vejo verde e o meu interlocutor também diz que vê verde, como poderei ter a certeza que o verde a que eu me refiro é o mesmo a que ele se refere? Como ter a certeza que, quando ambos afirmamos verde, estamos a representar o mesmo representado? Este problema coloca-se não só para a cor verde mas para todas as cores em geral. Aliás, a dificuldade até transcende o cromático visual, manifestando-se de igual forma para cheiros, sons ou mesmo símbolos e mensagens quaisquer. Consta que, para

obviar a este problema, a pragmática diplomacia americana tem uma expressão muito interessante e habitual «Sabemos que a nossa mensagem foi recebida e entendida no sentido que lhe demos». Ou seja, pragmaticamente esconjuram o âmago da questão tomando como certo e conhecido aquilo que é pressuposto.

Este problema comunicacional da identificação dos pressupostos comuns é recorrente em todos os níveis de análise do processo comunicativo, desde os basilares em termos físico - biológicos, até às aplicações ao mais alto nível, como os colocados pela semântica diplomática.

O processo comunicativo e as suas problemáticas são o clássico objecto dos estudos semióticos, com os seus signos, símbolos, interpretantes e representados. Convém, no entanto, tecer previamente algumas considerações sobre a interdependência entre os símbolos e a mediação cognitiva na percepção aos estímulos físicos. São tais considerações que vão ser seguidamente apresentadas.

III.1.1 - Cognição e símbolos

A construção dos pressupostos comuns é facilitada pela partilha de uma mesma aptidão para percepcionar o ambiente e os estímulos que emana. Para o ilustrar, considere-se uma figura de Ishiara (Ishihara-1917), representada tanto monocromaticamente como a cores. A representação central é que é a mais equilibrada, sendo as representações marginais representativas de ênfases cognitivas consideradas patológicas:

Fig. III.1: Uma figura de Ishiara

O que lá está escrito? Será o número 57? Ou será outro número, como o 35? Ou será que não se vislumbra lá nada para além de uma confusão de pontos? Claro que a resposta irá

depender de quem olha, se tem uma visão normal ou se porventura apresenta alguma forma de daltonismo, de cegueira cromática. O ponto importante aqui é que dois sistemas cognitivos podem percepcionar distintamente um mesmo estímulo. Por isso, logo a este nível, infiltra-se a incerteza quanto à comunhão interpretativa. Cada interveniente no processo é forçado a pressupor que os outros percepcionam a realidade comum de forma compatível. Quanto mais comum for, de factum, esta comunhão interpretativa, maior será a facilitação interlocutória.

Borges afirma: “Toda a linguagem é um alfabeto de símbolos cujo exercício pressupõe um passado que os interlocutores compartilham. Jorge Luís Borges, in ‘O Aleph’”

Será de acrescentar que, para diminuir a incerteza comunicativa, os interlocutores além de compartilharem o alfabeto, também têm de o percepcionar de forma semelhante? Até que ponto a similitude de capacidades perceptivas é importante para o estabelecer das convenções iniciais onde se irá basear a comunicação?

É sabido que para poderem existir elementos de comunicação primordiais e comuns a todos os interlocutores, aquilo que se chamam símbolos comuns, são necessários sistemas cognitivos que os reconheçam. A pergunta “O que é um símbolo?” tem como reposta “Símbolo é o que se quiser”. Significa isto que sem sistema cognitivo que os apreenda (defina), não existem símbolos. Os símbolos são criados pela cognição. O real concreto e particular, físico, externo à cognição, indiferente à cognição, pode ser ou não símbolo. Tudo depende de como é percepcionado. É caso para dizer que ao cartesiano “Penso, logo existo” contrapõe-se o “Percepciono, logo existo”.

Posto isto e também no sentido de estancar esta volúpia do relativismo estímulo / percepção versus símbolo / cognição, vai ser pressuposto que o conceito de símbolo é primitivo e igualmente partilhado por todos os leitores (Allouche-2003).

III.1.2 - Signos e representações simbólicas

É variado o léxico referente a símbolos e expressões. No entanto, esta variedade enferma de enorme sobreposição semântica que perturba e confunde a exposição dos pressupostos em vigor. É essa sobreposição semântica que é destrinçada e ajustada no remanescente desta secção, com o intuito de clarificar os pressupostos em vigor.

Neste texto pressupõem-se os símbolos como os elementos, os articulantes mínimos, da semiótica cuja tríade fundamental, segundo Peirce (Peirce-1958), é o signo, o interpretante e o representado. Constitui-se o signo como representação simbólica do representado, por mediação, por actuação, por determinação do interpretante. É actualmente entendido que o interpretante não tem que ser necessariamente um humano, podendo ser uma outra entidade, até mesmo um dispositivo.

Esta tríada pode ser considerada isolada, não interagindo com outras. É, no entanto, possível considerar montagens em que o representado de uma é o signo de outra.

É pressuposto que:

 Existem quer interpretantes, quer representados, não necessariamente distintos.  Para existirem signos, têm que haver interpretantes que os considerem como tal.  Podem existir diversos interpretantes, com as concomitantes diversas

interpretações, para um mesmo signo.

Interpretante

Signo Representado

Surge aqui uma noção de simultaneidade - coincidência que importa descrever.

 O signo pode ser tomado como composto por partes coincidentes, diversas mas unas, simultaneamente presentes para o interpretante.

[DIII.01] Diz-se que então que ocorre uma concentração sígnica, ou fan-in.

 Por outro lado, o representado também pode ser tomado como composto por várias partes coincidentes, diversas mas unas, simultaneamente presentes para o interpretante.

[DIII.02] Diz-se então que ocorre uma dispersão sígnica, ou fan-out.

III.1.3 - Símbolos e Expressões

Com vista a coadjuvar a descrição e manipulação dos signos, enquanto representações simbólicas, apresentam-se as seguintes definições.

[DIII.03] Chama-se expressão a uma pluralidade finita, pluralidade essa eventualmente

singular ou mesmo nula, de símbolos repetíveis e mutuamente distinguíveis. ▲ Por repetíveis entende-se que, numa expressão, o mesmo símbolo pode ocorrer várias vezes. Por mutuamente distinguíveis entende-se que, em toda e qualquer ocorrência, o símbolo é claramente discernível enquanto entidade individual, nunca se apresentando incompleto, misturado com outros ou sobreposto com ele próprio. Notar que:

a) Esta definição não impõe uma organização sequencial, por fiadas, aos símbolos constituintes da expressão.

b) De acordo com esta definição, um único símbolo não repetido pode ser chamado de expressão.

c) A ausência de todo e qualquer símbolo também pode ser chamada de expressão. [DIII.04] Chama-se expressão nula à expressão sem símbolos. ▲

III.1.4 - Pontos de vista e expressões

[DIII.05] Chama-se expressão válida ou representação válida a uma expressão que seja

um signo para, pelo menos, um interpretante. ▲

Um outro ponto de vista, pressuposto como equivalente, é o decorrente desta definição: [DIII.06] Chama-se expressão válida ou representação válida a uma expressão para a

De acordo com a definição anterior, tanto um único símbolo como a ausência de símbolo podem ser considerados como expressões válidas, por mediação do interpretante adequado. É até possível considerar o seguinte resultado:

[T1.01] H: Seja dada uma expressão qualquer.

T: É sempre possível definir, pelo menos, um interpretante que a considere

válida.

D: Basta considerar como interpretante aquele que, para qualquer expressão,

considera que o representado é o valor lógico V. ■

Em consequência do teorema anterior, uma expressão válida é, muitas vezes, referida simplesmente como expressão.

[SIII.01] Saliente-se que, em termos de linguagens formais, é preciso definir como é que as pluralidades simbólicas podem ser organizadas, por fiadas e não só, e como a computação por aceitadores de linguagem define se a pluralidade constitui uma expressão válida ou não. Esta teoria é bem conhecida, sendo desenvolvida no âmbito das linguagens formais, como por exemplo em (Cohen-1997) e (Salomaa- 1985), pelo que não é aprofundada neste texto. ♦

Pressupondo-se os símbolos como os articulantes mínimos, transmuta-se assim o “signo” de Peirce para “expressão”. Doravante, neste texto, opta-se pelo discurso apoiado em símbolos e expressões, sendo preterido o discurso apoiado em signos.

III.1.5 - A perspectiva computacional

Esta perspectiva globaliza todos os desenvolvimentos semióticos como laborações intersimbólicas. Nas suas versões mais extremas, para esta perspectiva até o próprio substrato último da realidade física, não é de cariz energético ou de outra variável física legítima, mas é de cariz informacional, simbólico, assente em computações (Gruska-2000).

A perspectiva computacional pressupõe a seguinte definição.

[DIII.07] Nos casos em que o representado também pode ser considerado como uma expressão, é dado o nome de computado ou resultado ao representado,

computação ou processamento ao processo interpretativo e o interpretante será

Notar que na definição anterior o termo computador não se refere a uma máquina concreta mas a uma entidade que realiza uma computação. Neste sentido tanto um humano como um dispositivo podem ser computadores.

Sem pretender perder generalidade, doravante será pressuposto que o representado é sempre um resultado, logo um computado. Os computadores serão identificados por letras maiúsculas a negrito, em tipo “Courier New”, como C .

Importa salientar que esta perspectiva computacional não pressupõe o determinismo, no sentido em que o mesmo computador e para a mesma expressão, não tem necessariamente de produzir sempre o mesmo resultado. Além disso uma determinada expressão não tem sequer de ser apresentada sempre ao mesmo computador, podendo-o ser a diversos e distintos computadores, que podem produzir resultados semelhantes ou distintos. Este raciocínio conduz-nos à seguinte definição.

[DIII.08] Uma expressão para a qual seja possível computar mais do que um resultado, também é referida como admitindo várias leituras ou possuindo várias valências. ▲

No âmbito desta perspectiva, são muitas vezes utilizados, na prática, os termos ingleses

input e output, para referir respectivamente a expressão apresentada ao computador e o

resultado. Pressupõe-se assim o modelo computacional input, computação, output, (Kohavi- 1970) (Booth-1967). Notar que na representação diagramática, onde está pressuposta uma leitura da esquerda para a direita, o computador é esquematizado por um rectângulo ao alto.

Este modelo computacional é exímio a permitir a interligação, pois o output de um computador pode ser o input de outro. As interligações podem ser praticadas usufruindo da total riqueza combinatória das montagens, quer puramente sequenciais, quer com retroacção, e com ou sem recurso a fan-out ou a fan-in.

Computação

Input Output C

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