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PRESSUPOSTOS METODOLÓGICOS

Como vimos nos capítulos anteriores, o urbanismo paramétrico visa a projetos que constituam ambientes urbanos vibrantes, isto é, com intensa vida urbana. Para tanto, fundamenta-se em grandes densidades e mistura de uso, seguindo a tradição daqueles que concordam com os princípios de planejamento defendidos por Jane Jacobs desde o início dos anos de 1960. No entanto, vimos, com Peponis e Hillier (PEPONIS, 1989; HILLIER; HANSON, 1984; HILLIER et al, 1993), que essas estratégias são importantes, contudo, insuficientes para garantir que projetos urbanos promovam urbanidade, haja vista que grande parcela de movimento de pedestres no meio urbano é determinada pela própria configuração espacial, o que Hillier et al (1993) chamaram de movimento natural. Tal argumento vem sendo ratificado através de várias pesquisas no campo dos estudos morfológicos e configuracionais do espaço, atribuindo ao próprio grid urbano uma parte da responsabilidade pela promoção de vida urbana. Esses estudos foram avançados por Holanda (2002), que desenvolveu um método quantitativo para aferir a urbanidade de porções urbanas, empregando diversas categorias analíticas referentes a padrões espaciais – o que ele denominou de Medida de Urbanidade (URB). Portanto, urbanidade pode ser mensurada e parametrizada.

No entanto, o método construído por Holanda apresenta uma limitação quanto a sua aplicabilidade em processos de projeto, por uma série de aspectos elencados no capítulo anterior e que serão discutidos agora. Basicamente, todos os dados que Holanda (2002) utiliza para aferir a urbanidade são extraídos de duas fontes: do mapa axial e do mapa de espaços convexos. Tais mapas são construídos a partir do desenho espacial das porções urbanas investigadas por ele, como, por exemplo, o layout do plano piloto de Brasília. Um dado fundamental desse método é o número de constituições (X) que o alimenta em três entradas: número médio de constituições por espaço convexo (X/C), metragem quadrada de espaço convexo por constituição e a metragem linear do perímetro das barreiras por constituição (Ip/X). Esse dado é quantificado por Holanda a partir da observação in loco. Entretanto, o que fazer quando não dispomos de tais informações, durante o processo de desenho urbano? Se desejássemos projetar um ambiente

URBANISMO PARAMÉTRICO: PARAMETRIZANDO URBANIDADE 82 com grau máximo de urbanidade (equivalente ao valor 5 na escala construída por Holanda), quantas constituições deveriam ser projetadas no sistema para que o ambiente urbano pudesse atingir tal índice?

Essa é uma questão complexa porque envolve uma relação entre número de constituições, uso e ocupação do solo, ou seja, entre variáveis de padrões espaciais e de vida espacial, as quais se encontram em níveis analíticos distintos, no método desenvolvido por Holanda. Sabemos que, por natureza, determinados usos necessitam de uma maior interface com o espaço público para atender às demandas próprias, portanto necessitam de um maior número de constituições do que outros. Por exemplo, se um equipamento educacional ocupasse completamente um quarteirão urbano quadrangular hipotético (de 10.000 metros quadrados e 400 metros de perímetro), ele teria, supostamente, menos constituições do que se o mesmo quarteirão fosse ocupado por um loteamento residencial popular ou por uma galeria de pequenas lojas comerciais. Isto pela necessidade de maior controle de acesso aos dirigentes, professores e funcionários e supervisão deles sobre o grupo de estudantes (LOUREIRO, 2000), em contraste com a necessidade de fácil acesso aos produtos e exposição deles, necessários para um bom funcionamento de atividades comerciais. Também poderíamos exemplificar que, se a mesma quadra fosse ocupada por um condomínio residencial fechado, à moda Alphaville ou por um grande “shopping center”, inevitavelmente ela teria menos constituições, embora os usos sejam os mesmos – residencial e comercial. Isto ocorre porque tanto nos grandes centros de compras, como nos condomínios privados de alto padrão a quantidade de entradas é reduzida para que haja maior controle. Ou seja, determinadas categorias de uso e formas de ocupação têm menos constituições para garantir maior controle e isolamento da vida pública.22 Portanto, como manejar com esse “projeto de constituições” para que a áreas urbanas possam ter os padrões de urbanidade desejados pelos idealizadores do urbanismo paramétrico? Como distribuir usos e atividades urbanas espacialmente com diferentes números de constituições, para gerar padrões de co-presença necessários para garantir altos valores de urbanidade? Estas duas questões estão diretamente relacionadas a uma terceira, que é crucial: como estimar o número de constituições em função dos usos e atividades urbanas?

De fato, ainda não há, dentro da literatura, investigações que indiquem o potencial que usos e formas de ocupação do solo têm de gerar constituição e padrões de co-presença. Aliás, este foi um dos obstáculos desta pesquisa, motivo pelo qual ela esteve estacionada em diversos momentos. Não obstante, havia duas alternativas para se conseguir equacionar essa problemática: (a) a primeira consistiria em desenvolver uma investigação empírica que permitisse identificar o valor médio de constituições por categoria de uso, o que não foi possível porque demandaria mais tempo e extrapolaria os nossos objetivos; (b) a segunda, em identificar estimativas de deslocamento de pedestres em função do uso do solo, o que nos permitiria estabelecer relações com o perímetro total de barreira e o número máximo de constituições que esse perímetro poderia comportar, considerando a relação de 10 metros para cada unidade de constituição, uma vez que essa é dimensão mínima, quase sempre exigida em códigos de obras e legislações urbanísticas, para determinar as frentes dos lotes, em projetos de loteamentos residenciais.

Chegamos a essa segunda alternativa porque constatamos que ruas intensamente utilizadas significam pessoas se deslocando (realizando viagens) de um ponto a outro do sistema urbano (ou de uma constituição a outra) para

22 Os efeitos danosos deste desejo por maior privatização por parte de grupos sociais para a vida urbana vêm sendo estudados extensivamente por

autores como Tereza Caldeira, em seu livro Cidade de Muros (CALDEIRA, 2000). O urbanismo paramétrico, no entanto, parece contradizer as expectativas da cidade contemporânea por privatização, uma vez que visa garantir vida urbana intensa, por meio de estratégias de projeto.

URBANISMO PARAMÉTRICO: PARAMETRIZANDO URBANIDADE 83 desempenhar uma determinada atividade, ainda que seja apenas o livre trânsito. Isto é, os deslocamentos de pedestres, no espaço da cidade, estão quase sempre relacionados a uma determinada atividade a ser desempenhada em algum destino. Também, ruas bastante frequentadas significam elevados números de constituições. Quanto mais constituído é o espaço, mais ele tende a apresentar elevados índices de co-presença. Como Holanda observou, “a maximização de transições entre o interior e o exterior cria um maior potencial para interações no âmbito público da vida cotidiana” (HOLANDA, 2002, p.310). Por isso, se encontrássemos índices potenciais de deslocamento de pedestres em função do uso do solo, poderíamos relacioná-los ao perímetro das barreiras, visando estimar a demanda por constituições requerida por distintos usos urbanos. Identificamos que esses índices estavam mais desenvolvidos no campo da Engenharia dos Transportes, nos quais são comumente denominados de Polos Geradores de Viagens (PGVs), como veremos a partir daqui.

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