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CAPÍTULO 02 O IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS DE QUALQUER NATUREZA

3 A EVOLUÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DOS TRIBUNAIS SUPERIORES

3.2 Prestação de Serviços e Leasing

Curioso também foi o caso da análise sobre a extensão do Imposto sobre Prestação de Serviços para as atividades de arrendamento mercantil ou leasing financeiro. Na ocasião, questionava-se se o ISS poderia incidir sobre arrendamento mercantil, uma vez que o contrato de leasing financeiro se consubstanciaria em uma locação sucedida por

169 SCHOUERI, Luis Eduardo. Direito Tributário. 7ªed. São Paulo: Saraiva, 2017. 170 SCHOUERI, Luis Eduardo. Direito Tributário. 7ªed. São Paulo: Saraiva, 2017. 171 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Primeira Turma. Agravo Regimental no Recurso

Extraordinário ARE: 602.295 RJ. Relator: Ministro Luis Roberto Barroso. Publicado no DJ em 23 de

abril de 2015. Disponível em:

<http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=8273399> Acesso em 09 de novembro de 2017.

uma opção de compra e venda.172 Assim, como na situação não haveria uma prestação de fazer, argumentavam analogamente à situação acima exposta sobre a locação de bens móveis.

O caso chegou ao Supremo Tribunal Federal nos autos do Recurso Extraordinário nº 547.245/SC173, cujo relator foi o Ministro Eros Grau, que não negou o entendimento firmado no julgamento anterior, acerca da locação de bens móveis, mas buscou argumentar que a operação de leasing financeiro seria uma prestação de serviço, pois consolidaria uma obrigação de fazer. Valeu-se, portanto, dos próprios institutos de Direito Privado, nos termos do artigo 110 do CTN, para afirmar que “financiamento é serviço, sobre o qual o ISS pode incidir. Desse modo, o contrato de leasing teria a natureza de um contrato típico, no qual o objetivo principal é o financiamento e não a entrega do bem que está sendo locado. Segue trecho do voto do Ministro Eros Grau:

“Em síntese, há serviços, para os efeitos do inciso III do artigo 156 da Constituição, que, por serem de qualquer natureza, não consubstanciam típicas obrigações de fazer. Raciocínio adverso a este conduziria à afirmação de que haveria serviço apenas nas prestações de fazer, nos termos do que define o direito privado. Note-se, contudo, que a afirmação como tal faz tábula rasa da expressão “de qualquer natureza”, afirmada no texto da Constituição.” 174

Impressionantemente, os ministros em seus votos subsequentes deram menor atenção à necessidade de uma obrigação de fazer para a incidência do ISS, passando a admitir a mutação do conceito de “serviço” consagrado pelo Direito Privado, aproximando-se do voto proferido pelo ministro Octavio Gallotti no julgamento da locação de bens móveis. Desse modo, o Ministro Joaquim Barbosa assim votou:

“Não há um conceito constitucional absoluto, imutável, intuitivo através dos tempos para serviços, ditado pela ordem natural e que possa ser a priori violado por conceitos criados pela função especulativa a que aludiu Irving Copi. Nesse sentido, observo que a rápida evolução social tem levado à obsolescências de certos conceitos jurídicos arraigados, que não podem permanecer impermeáveis a novas avaliações (ainda que para confirmá-los). Ideias como a divisão das obrigações em “dar” e “fazer” desafiam a caracterização de operações nas quais a distinção dos meios de formulação do negócio jurídico cede espaço às funções econômica e social das operações e à postura dos sujeitos envolvidos (e.g., software as servisse, distribuição de

172 SCHOUERI, Luis Eduardo. Direito Tributário. 7ªed. São Paulo: Saraiva, 2017.

173 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Plenário. Recurso Extraordinário RE: 547.245 SC. Relator:

Ministro Eros Grau. Publicado no DJ em 05 de março de 2010. Disponível em:

<https://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/14711404/recurso-extraordinario-re-547245-sc> Acesso em 09 de novembro de 2017.

174 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Plenário. Recurso Extraordinário RE: 547.245 SC. Relator:

Ministro Eros Grau. Publicado no DJ em 05 de março de 2010. Disponível em:

<https://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/14711404/recurso-extraordinario-re-547245-sc> Acesso em 09 de novembro de 2017.

conteúdo de entretenimento por novas tecnologias). Cabe aqui ponderar a influência do princípio da neutralidade da tributação.”175

O entendimento do ministro Joaquim Barbosa evidencia a interpretação tipológica da discriminação de competências constitucionais, as quais poderiam vir a admitir a evolução das ideias definidas pela escrita estática do texto constitucional. O Ministro Joaquim Barbosa também evidenciou a distinção entre as ideias de “serviços de qualquer natureza” e “locação de serviços”, ao apontar que a primeira dificuldade que se tem na interpretação dos conceitos arraigados na tradição do Direito Civil é a vagueza das palavras ao buscarem definir o que é “prestação de serviços de qualquer natureza”, uma vez que o Código Civil de 2002 não define o que isso seria. Concluiu o douto magistrado, dessa maneira, que “não é possível identificar conceito incontroverso, imutável ou invencível para serviços de qualquer natureza”. Outra crítica, mais incisiva, diz respeito à interpretação constitucional ser realizada à luz da legislação ordinária, senão vejamos:

“A segunda dificuldade que vislumbro refere-se à necessidade de interpretação da Constituição conforme a legislação ordinária, ainda que existente por ocasião de sua promulgação. Ainda que a legislação ordinária contivesse um conceito universal e inequívoco para a prestação de serviços de qualquer natureza, o alcance do texto constitucional não é condicionado de forma imutável por ele. De outra forma, seria necessário concluir pela possibilidade de estabilização com força constitucional da legislação infraconstitucional, de modo que haveria confusão entre os planos normativos.”176

O professor Luis Eduardo Schoueri aponta, entretanto, que não se trata de saber se há infração hierárquica na interpretação das normas, mas se o próprio constituinte não teria adotado, previamente, uma concepção de “serviços” oriunda do entendimento cristalizado no âmbito do Direito Privado para conformar a competência tributária de instituição do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza. Os demais ministros seguiram os votos já apresentados e decidiram, ao final, que o leasing financeiro não se identifica com uma locação, razão pela qual caberá a incidência do ISS. O único voto contrário a esse entendimento foi o do Ministro Marco Aurélio, que confirmou o precedente firmado com a Súmula Vinculante 31.177

175 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Plenário. Recurso Extraordinário RE: 547.245 SC. Relator:

Ministro Eros Grau. Publicado no DJ em 05 de março de 2010. Disponível em:

<https://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/14711404/recurso-extraordinario-re-547245-sc> Acesso em 09 de novembro de 2017.

176 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Plenário. Recurso Extraordinário RE: 547.245 SC. Relator:

Ministro Eros Grau. Publicado no DJ em 05 de março de 2010. Disponível em:

<https://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/14711404/recurso-extraordinario-re-547245-sc> Acesso em 09 de novembro de 2017.