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3 PRESCRIÇÃO EM PERSPECTIVA E SUA (IN) APLICABILIDADE NO DIREITO

3.4 Princípios aplicáveis da prescrição em perspectiva:

3.4.1 Constitucionais:

3.4.1.2 Presunção de inocência

O princípio da presunção de inocência, que há pouco se falava, é aquele princípio insculpido no artigo 5º, inciso LVII, da Carta Magna, o qual vem no sentido de dar ao réu um estado de inocente enquanto não houver contra ele sentença condenatória transitada em julgado, ou seja, aquele que responde a processo

88 MACEDO, Igor Teles Fonseca de. Prescrição virtual ou em perspectiva. Salvador: JusPodivm, 2007. p. 134.

criminal não é, ou pelo menos não deveria ser, considerado culpado, presumindo-se a sua inocência até que seja provado o contrário. Vejamos:

Artigo 5º, LVII, da Constituição da República Federativa do Brasil: ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.89

Consoante leciona Cesare Beccaria apud Renato Brasileiro de Lima: um homem não pode ser chamado de réu antes da sentença do juiz, e a sociedade só lhe pode retirar a proteção pública após ter decidido que ele violou os pactos por meio dos quais ela lhe foi outorgada.90

NUCCI aduz:

Inocente se nasce, permanecendo-se neste estágio por toda a vida, a menos que haja o cometimento de uma infração penal e, seguindo-se os parâmetros do devido processo legal, consiga o Estado provar a ocorrência de uma definitiva condenação91

Visto isso, importa frisar, consoante já mencionado em momento anterior, que muitos são aqueles que se colocam contrários à aplicação da prescrição em perspectiva com o argumento de que tal aplicação fere o princípio ora estudado, isso porque não se pode afirmar, segundo esse entendimento, que o réu será condenado, haja vista a presunção de sua inocência, assim, inviável a extinção de sua punibilidade com base em uma pena hipotética, pois desta forma, fazendo-se uma perspectiva da pena a ser aplicada estar-se-ia, consequentemente, presumindo a condenação.92

Nas lições de Renato Brasileiro de Lima:

Apesar de o reconhecimento antecipado da prescrição ser uma rotina no dia a dia de fóruns criminais, contando com o respaldo de respeitada parte da doutrina processual penal, convém destacar que a jurisprudência dos Tribunais Superiores tem se posicionado contrariamente a ela, sob o argumento de que referida espécie de prescrição não tem amparo no ordenamento jurídico pátrio, além de contrariar o princípio da presunção de não culpabilidade, já que parte do pressuposto de que o acusado será condenado ao final do processo.93

89 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2016. p. 29.

90 LIMA, Renato Brasileiro. Manual de Processo Penal. Rio de Janeiro: Impetus, 2011. p. 11.

91NUCCI, Guilherme de Souza. Princípios constitucionais penais e processuais penais. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 264.

92 LIMA, Renato Brasileiro. Manual de Processo Penal. Rio de Janeiro: Impetus, 2011. p. 251/252.

93 LIMA, Renato Brasileiro. Manual de Processo Penal. Rio de Janeiro: Impetus, 2011. p. 251/252.

Todavia, não obstante tal posicionamento é importante esclarecer que há também muitos entendimentos no sentido de que a aplicação da prognose prescricional não viola o princípio da presunção de não culpabilidade.

Neste pensar, Francisco JAWSNICKER dispõe que:

Se é reconhecido que mesmo após prolação de sentença condenatória, com o advento da prescrição da pretensão punitiva estatal e declaração da extinção da punibilidade do agente, este não tem qualquer interesse em recorrer para obtenção da absolvição, a contrario sensu, com muito mais razão se pode afirmar que a prescrição antecipada não fere qualquer direito do suspeito ou do acusado à absolvição.94

Tal entendimento faz muito sentido, isso porque o ordenamento jurídico pátrio adota um sistema baseado no princípio do in dubio pro reo, o qual está intrínseco ao princípio da inocência, assim, se há duvida acerca da culpabilidade, cujo ônus probatório é da acusação, prevalece a presunção de sua inocência95.

Guilherme NUCCI leciona:

É tradicional a expressão in dubio pro reo, significando que, em caso de dúvida decide-se, sempre, em favor do réu. Porque se deve agir desse modo? De onde se extrai tamanho favor legal? Porque o interesse prevalentede uma das partes? As respostas encontram apoio do estado de inocência natural do ser humano.96

Nessa esteira, é mais benéfico para o réu a extinção da punibilidade e consequentemente o arquivamento do processo, do que a espera por eventual sentença que pode inclusive ser absolutória por ter, da mesma forma, permanecido alguma dúvida que culminou no decreto absolutório.

Ademais, ao fazer uma perspectiva da pena a ser aplicada não está se afirmando a condenação, tampouco se descrendo na inocência do réu, mas apenas fazendo-se uma perspectiva sobre a pior das hipóteses para o acusado do resultado daquele processo que, neste caso, resultaria, igualmente, na extinção da punibilidade e, pior, após a condenação, ou seja, com julgamento de mérito, o que, com efeito, seria muito mais prejudicial ao réu.

94 JAWSNICKER, Francisco Afonso. Prescrição Penal Antecipada. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2008. p.

126.

95NUCCI, Guilherme de Souza. Princípios constitucionais penais e processuais penais. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 264/265.

96NUCCI, Guilherme de Souza. Princípios constitucionais penais e processuais penais. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 271.

Nesse diapasão pode-se inferir que a decisão que extingue o processo não faz julgamento de mérito97 e por essa razão não impõe qualquer dúvida acerca da inocência do acusado, até porque não há que se falar em ferir tal princípio ao decretar a prescrição, pois caso se sinta prejudicado, poderá o réu recorrer e reverter tal decisão, ademais a prescrição é matéria de ordem pública e pode ser declarada pelo juiz em qualquer fase do processo98, não necessitando que se aguarde até a sentença final, pois a extinção da punibilidade impede, como já aludido, o julgamento do mérito, mas não obsta a apreciação do poder judiciário, a qual deve ser preservada, todavia não significa que o processo chegará até a fase sentencial.

Nesse sentido Julio Travessa faz alusão:

Ora, o cidadão, à luz do ordenamento jurídico brasileiro, nem sempre tem direito a uma decisão de mérito, ele sempre tem direito a prestação jurisdicional, que pode desencadear em sua condenação, absolvição ou numa declaração de extinção de punibilidade. Pode-se citar como exemplo de uma prestação jurisdicional sem análise do mérito da causa, o acolhimento de uma preliminar processual de defeito de representação das partes.99

Por tais razões é possível a conclusão de que a presunção de inocência, em nenhuma hipótese, estará sendo violada com a aplicação do instituto da prescrição em perspectiva, o qual além de várias outras finalidades, vem como benefício ao réu e não ao contrário.