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Prevenção

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2 A VIOLÊNCIA E O ABUSO SEXUAL CONTRA CRIANÇAS: FENÔMENO,

2.4 Prevenção e Tratamento do Abuso Sexual Vivido por Crianças

2.4.1 Prevenção

No âmbito das políticas públicas, a problemática que envolve a prevenção vai além de evitar a reiteração de determinados comportamentos relacionados ao abuso sexual contra crianças. Essas ações alcançam também medidas que contribuem com a denúncia desses comportamentos e, subsequentemente, adota providências quanto ao acompanhamento a ser disponibilizado aos sujeitos vítimas de tais práticas, com o propósito de abrandar as sequelas geradas às crianças vítimas de abuso sexual (LIDCHI, 2011).

As políticas públicas de prevenção, também no que diz respeito aos serviços concedidos à criança, podem ser empregadas nos níveis primário, secundário e terciário. A prevenção primária demanda esforços na direção de impedir que a violência aconteça, utilizando, sobretudo, programas educacionais; a prevenção secundária é orientada às famílias em que é verificado presença de fatores de risco; e, por fim, a prevenção terciária diz respeito às políticas que se propõem a diminuir as consequências provocadas pelas ocorrências dos atos de violência relacionados à criança, assim como aos demais membros da família (LIDCHI, 2011). Assim, com base na classificação feita pela autora supramencionada, o trabalho desenvolvido pelo CREAS refere-se ao modelo de prevenção “terciário”, uma vez

que tem como foco minimizar o impacto da violência sobre a vida da criança abusada, bem como dos demais membros da família.

Gibson e Leitenberg (2000) informam que os programas de prevenção básica do abuso sexual iniciaram-se na década de 1970, nos Estados Unidos, e, embora perseverem as críticas quanto à eficácia na obtenção de resultados, continuam avançando. Os autores salientam a importância da aplicação desses programas. Isso porque, a despeito de não sanarem essa problemática, educam/orientam as crianças sobre o abuso sexual, o que lhes proporciona habilidades para repelir e relatar o abuso. Um programa que trabalhe para mudar as condições sociais mais amplas que viabilizam a ocorrência do abuso sexual infantil é, pois, imprescindível para impedir a perpetração de abuso antes que ele ocorra (NRSVC, 2011).

Prevenir a ocorrência do abuso sexual infantil se configura como uma tarefa difícil e requer envolvimento e esforços da sociedade em geral. No que diz respeito à família como primeiro grupo social de integração da criança, esta deve proporcionar-lhe um cuidado especial, e mais precisamente reconhecê-la como “pessoa” dotada de direitos, como também estabelecer empatia, uma comunicação efetiva e, sobretudo, tecer um vínculo afetivo e interativo, como forma de proteção e segurança.

Discorreremos a seguir sobre algumas das políticas públicas que atuam na defesa de crianças e adolescentes. Inicialmente podemos fazer menção à Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, como também à Convenção sobre os Direitos da Criança adotada pela Organização das Nações Unidas (ONU), em 1989. Ambos foram pactos internacionais que motivaram o reconhecimento dos direitos de crianças e adolescentes na Constituição Federal (CF) de 1988, a qual lhes estabelece “prioridade absoluta”, não só por parte do Estado, mas também da família e sociedade (BRASIL, 2010).

A Declaração Universal dos Direitos Humanos acima citada, afirma que “todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos, são dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade” (artigo I). E preceituou, no Art. 25, § 2, que “a maternidade e a infância têm direito a cuidados e assistência especiais. Todas as crianças, nascidas dentro ou fora de matrimônio, gozarão da mesma proteção social”.

O instrumento que constitui um grande marco na proteção da infância e tem como base sua proteção integral é o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei nº 8.069, em vigor desde 1990. O ECA fixou os direitos dessa categoria, bem como os responsáveis por garanti-los. Esse movimento constitui a maior expressão política da referente década. Inicia-

se, então, a consolidação dos movimentos sociais e políticos para a garantia dos direitos das crianças e dos adolescentes e entra em funcionamento o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente – CONANDA (Lei 8.242, de 12 de outubro de 1991). A responsabilidade desse Conselho é implementar Conselhos dessa natureza em estados e municípios, assim como nortear a proposta de uma nova maneira de conceber a criança e o adolescente (BRASIL, 1991). A legalização da criança como sujeito de direitos em lei natural se constitui a partir de anos de muito esforço e debates, por meio dos movimentos sociais.

O Plano Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual Infanto-Juvenil, instituído nos anos de 2003-2004, e tido como um marco fundamental no processo de desvelar e combater a violência sexual no território brasileiro, define diretrizes para políticas, programas e serviços de enfrentamento à violência sexual. Uma de suas diretrizes diz respeito à “prevenção” do abuso sexual em todos os âmbitos, como escolas, famílias, além do desenvolvimento de campanhas, contando com várias ações que foram realizadas a partir da adoção do plano, visando consolidar articulações que viabilizem a garantia dos direitos humanos sexuais da criança e do adolescente (CREPOP, 2009).

Por conseguinte, as políticas públicas de prevenção primária para a criança envolvem esforços para impedir que ocorra a violência, principalmente por meio de programas educacionais. Ainda assim há dificuldades de implementação de políticas públicas de prevenção, sem um envolvimento articulado em rede de todas as entidades e órgãos que trabalham na defesa dos direitos da criança, sejam eles públicos ou privados, em associação com a sociedade civil (LIDCHI, 2011).

Um dos instrumentos para identificação e prevenção do abuso sexual infantil é a iniciativa do Governo Federal de editar o Guia Escolar: rede de proteção à infância, cuja primeira edição é de 2003. Surgiu “a partir da compreensão de que as intervenções da comunidade escolar possibilitam ao sistema educacional aliar-se ao conjunto da sociedade brasileira, que vem se mobilizando para prevenir a violência sexual” (BRASIL, 2011a, p.12). O instrumento tem por objetivo contribuir com uma ação que auxilia a escola em ações propositais diante da constatação de violência, passando, assim, a compreender o fenômeno da violência como de caráter político e social. Trata-se da efetivação da educação como “educação dialógica”, em que o diálogo assinala a importância de se dar voz ao sujeito/aluno, bem como às suas experiências, expectativas e angústias que o acompanham, conferindo um

A escola constitui um âmbito importante na contribuição da prevenção ao fenômeno, uma vez que a informação acerca do assunto pode tornar a criança capaz de reconhecer uma abordagem inapropriada do adulto e, assim, levá-la a agir rapidamente diante da situação.

Libório (2013) apresenta alguns projetos desenvolvidos em escolas públicas e particulares que visam a condutas de autoproteção – no eixo da prevenção – a crianças e adolescentes, do município de Presidente Prudente (SP), em parceria com a Secretaria Municipal de Assistência Social, e da Secretaria Municipal da Educação, em que foi oferecido um curso de capacitação para 25 pessoas, incluindo professores, diretores e coordenadores pedagógicos que atuavam nas escolas municipais, e para 30 educadores sociais atuantes em projetos sociais. Um dos projetos desenvolvidos, foi “O Segredo da Tartanina”, proposto por três psicólogas paranaenses, com base no atendimento realizado por elas, à crianças sujeitadas ao abuso sexual. Essas profissionais conceberam como instrumento o livro infantil O segredo

da Tartanina: um livro a serviço da proteção e prevenção contra abuso sexual infantojuvenil

(SILVA; SOMA; WATARAI, 2011), complementado de um livro teórico voltado para o debate do tema e a contribuição da intervenção com crianças de 4 e 11 anos.

Periodicamente o projeto (O segredo da Tartanina) é submetido a avaliações coordenadas por equipe da Secretaria Municipal de Educação da região (Presidente Prudente - SP), as quais evidenciam o significativo envolvimento dos profissionais da educação na efetuação e sucesso da experiência. Há relatos positivos sobre o desenvolvimento das atividades, como nível de participação das crianças, repercussões na família e descrição das dinâmicas criadas pelas equipes, mas também das dificuldades encontradas (LIBÓRIO, 2013).

Segundo Libório (2013), o preparo de profissionais que atuam com crianças, em especial da Psicologia e Educação, deve ter em vista a junção de conhecimentos e atitudes que resguardem as crianças, no sentido de ir além dos embasamentos meramente teóricos.

Vale lembrar sobre a necessidade de se dispor de espaços onde as crianças possam esclarecer suas dúvidas, para que assim compreendam o lugar que ocupam no mundo. Destaca-se, portanto, a necessidade, sobretudo, de uma conformidade entre os atores sociais que atuam nas escolas, por exemplo. Como também de todos que dela participam, ou seja, alunos e familiares. A escola, apesar de ser um espaço social no qual as interações deveriam se pautar no respeito e valorização da diversidade, ainda tem sido palco da perpetuação dos preconceitos de gênero, sexo, etnia, entre outros (DAROS, 2013).

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