• Nenhum resultado encontrado

O direito à previdência pertence ao rol dos direitos sociais, em conjunto, portanto, com a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a proteção à maternidade e à infância, e a assistência aos desamparados.

À vista de inserir-se no Capítulo II do Título II da Constituição de 1988, é direito fundamental e, consoante a disciplina prescrita na Seção III do Capítulo II do Título VIII, ela própria se incumbe de proceder à sua conformação constitucional.

Daniel Machado Rocha, depois de enfatizar o aspecto formal que emana do artigo 6º da Lei Maior, acentua que a fundamentalidade material do direito à previdência social se reconhece por contribuir decisivamente para a dignidade humana, prioridade de nosso ordenamento jurídico, visto integrar o núcleo essencial do Estado Constitucional. Diz ele:

Na lição de Benda, a obrigação do Estado respeitar a dignidade do indivíduo não se restringe à expectativa de não ser tratado arbitrariamente, abrangendo uma obrigação prestatória quando o indivíduo não pode, de outra maneira, prover uma existência humanamente digna. É justamente nos momentos nos quais os cidadãos, inseridos na sociedade por força de sua capacidade de trabalho (substancial maioria da população), têm a sua força laboral afetada, ou mesmo negado o acesso ao trabalho, como é cada vez mais comum por força do modelo econômico excludente, que a previdência social evidencia seu papel nuclear para a manutenção do ser humano dentro de um nível existencial minimamente adequado.102

Em sendo direito fundamental, a sua interpretação e aplicação há de nortear-se, em primeiro lugar, de conformidade com os fundamentos do Estado Democrático de Direito, em que se constitui a República Federativa do Brasil, sobretudo os da dignidade humana e dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, com o propósito de realizar os objetivos fundamentais do País, quais sejam construir uma sociedade livre, justa e solidária e erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais.103

Essa formulação remete-nos à busca da recomposição do status quo ante (alterado por uma contingência que atinge o segurado/dependente), levando em consideração o aspecto

102 ROCHA, Daniel Machado da. O direito fundamental à previdência social na perspectiva dos princípios constitucionais diretivos do sistema previdenciário brasileiro, cit., p. 111.

econômico, de modo a suprir as necessidades oriundas do desequilíbrio instalado que, em última análise, importa preservar a dignidade da pessoa humana.

A valorização da dignidade da pessoa humana, como princípio fundamental do Estado Democrático de Direito, desfoca toda e qualquer interpretação jurídica de bloqueio, porque o que se está colocando diante dos operadores de direito é a dignidade da pessoa concreta, na sua vida real e cotidiana. Não é, pois, de um ser ideal e abstrato. É o homem ou a mulher tal como existe, que a ordem jurídica considera irredutível, insubstituível e irrepetível, e cujos direitos a Constituição enuncia e protege.

Assim, por exemplo, a questão da dependência na relação jurídica previdenciária conduz o intérprete a uma compreensão mais ampla, muito bem elucidada por Tércio Sampaio Ferraz Junior: “O intérprete obriga-se não só a ir além da letra e da estrutura formal da norma, para buscar-lhe a ratio imanente, por meios de métodos teleológicos, sociológicos e mesmo axiológicos, mas a visar um procedimento transformador das próprias realidades sociais: interpretação de legitimação.”104

Na interpretação de legitimação, o intérprete não busca apenas revelar o sentido da norma constitucional em seu contexto real, nem mesmo somente concretizar padrões genéricos de sentido em casos particulares, mas modificar a própria interpretação, em conformidade com aquele sentido.

Esse trabalho interpretativo não se confunde com a aplicação judiciária da Constituição, pois não visa à produção de normas individuais, mas se dá ainda no plano conceitual. Trata-se na relação entre texto e contexto, de uma compreensão do texto capaz de alterar o contexto, dando-lhe um sentido legitimante.

O alcance desses valores e princípios não se completaria caso faltasse mencionar a estrutura da ordem social, cujo primado é o trabalho, e a justiça social e o bem-estar são seus objetivos.105

104 FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Direito Constitucional: liberdade de fumar, privacidade, Estado, direitos

humanos e outros temas. Barueri, SP: Manole, 2007. p. 7.

Quando se fala em primado do trabalho, é de ser ressaltado o valor social do pleno emprego para o alcance dos objetivos do bem-estar e da justiça social, padrões aceitos para interpretação e aplicação de todo o sistema constitucional no campo social e em tudo o mais.106

É uma verdade que a idéia do bem-estar gira em torno de uma sociedade interdependente, na qual a noção de responsabilidade social é amplamente compartilhada107, o que, aliás, corresponde ao que exprimiu Wagner Balera:

(...) o bem-estar que, na voz do artigo 3º da Constituição Federal, se expressa por meio da erradicação da pobreza e da marginalização e da redução das desigualdades sociais, somente poderá ser atingido com o esforço e a cooperação de todos e cada qual. 108

O conceito de justiça social tem de ser extraído do próprio texto constitucional. A consagração dos direitos sociais como direitos fundamentais, na medida que são concretizados, concretiza pari passu uma sociedade mais justa e solidária, pois eles contribuem para reduzir as desigualdades nacionais e erradicar a pobreza e a marginalização social.

Ao olhar o direito à previdência, o que se espera desse microcosmo, em termos de justiça social, é a justiça que redistribui o patrimônio social e contempla cada qual segundo suas necessidades, e dessa maneira põe em marcha a redistribuição nacional da renda, como propõe Almansa Pastor:

La acción protectora de la seguridad social implica la culminación de un proceso de redistribución personal de la renta. Los beneficiarios de la protección de la seguridad social (desempleados, inválidos, jubilados, etc.), que no participarían de la renta nacional si ésta se repartiera según su destino natural, disfrutan de una parte de ella en virtud de la transferencia operada por aquéllos que previamente la habían recibido.109

106 BALERA, Wagner, Noções preliminares de direito previdenciário: atualizado com a reforma da previdência,

cit., p. 17.

107 SEN, Amartya. El futuro de Estado del bienestar. Conferencia pronunciada en el “Círculo de Economia” de

Barcelona. Factoria, n. 8, fev./mayo 1999. Disponível em: <http://www.revistalafactoria.eu/articulo.php?id=119>. Acesso em: 31 mar. 2009.

108 BALERA, Wagner, op. cit., p. 23.

A previdência social não é para todos, como sucede com as vertentes da saúde e a da assistência social. Restringe-se o universo dos sujeitos protegidos àqueles que contribuem para o custeio do sistema de seguridade social, intitulados segurados.

Os cônjuges ou companheiros e os dependentes fazem jus à proteção social por direito previdenciário próprio, em virtude da situação de necessidade econômica ocasionada pelas contingências sociais (morte e reclusão) eleitas pelo ordenamento jurídico.

O atendimento e a cobertura não se subsumem na noção de universalidade, princípio que se acha estabelecido no inciso I do parágrafo único do artigo 194 da Constituição de 1988, considerada aqui a natureza contributiva obrigatória para participação no regime geral previdenciário.

Sua singularidade dentro do sistema se expressa pelos ditames atinentes ao caráter contributivo e à filiação obrigatória, predestinados à lei infraconstitucional, segundo prescreve o caput do artigo 201 da Constituição de 1988.

Aliás, a ausência de capacidade contributiva mantém à margem da previdência social notável massa de trabalhadores de baixa renda, sem direito a uma vida digna, ou seja, em testilha com os valores e princípios que permeiam o texto constitucional.

Por oportuno, anote-se que vem de ser acrescentada pela Emenda Constitucional n. 41, de 19 de dezembro de 2003, regra que visa à inclusão previdenciária, garantindo-lhes acesso a benefícios de valor igual a um salário mínimo, exceto aposentadoria por tempo de contribuição.110