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2 O D IREITO COMO M EIO PARA A R EDUÇÃO DO S PREAD B ANCÁRIO NO B RASIL

2.4 Previsão legal do crédito consignado em folha de pagamento

2.4.1 Contexto

A Lei 10.820, de 17/12/2003,168 prevê a possibilidade de empregados celetistas autorizarem o desconto, diretamente na folha de pagamento, de débitos decorrentes de contratos de empréstimo, de financiamento e de arrendamento mercantil. Faz o mesmo em relação a aposentados e pensionistas do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Com isso, cria um novo instrumento de crédito, marcado por baixo risco de inadimplência e, por isso, mais atrativo para as instituições financeiras e mais barato para o tomador de recursos.

166

BCB, Economia bancária e crédito, 2004, p. 46; BCB, Relatório de economia bancária e crédito, 2005, p. 26- 27.

167 BCB, Juros e spread bancário no Brasil, 2000, p. 45.

168 Produto de conversão da MPV 130, de 17/09/2003. A Lei nº 10.953, de 27/09/2004, alterou o artigo 6º da Lei 10.820/2003, detalhando algumas regras para a concessão de crédito consignado na folha de pagamento de aposentados e pensionistas do INSS.

Esse baixo risco decorre das características desse instrumento de crédito, que associa as características do crédito consignado em folha ao aumento do nível de proteção ao credor, na dimensão da previsibilidade, e à redução de custos de transação.

Antes disso, vale mencionar que a eventual abusividade de cláusulas contratuais que prevejam desconto em folha de pagamento foi objeto de apreciação do STJ. No julgamento do Recurso Especial 728.563/RS, a Seção de Direito Privado do STJ assentou o entendimento de que não são abusivas as cláusulas que prevejam o desconto em folha. No voto do relator, lê-se:

169

O que me parece não ter cabimento é alguém obter um financiamento a taxas mais favorecidas, justamente porque optou por uma modalidade de consignação em folha de pagamento, o que ainda o dispensou de apresentação de garantia suplementar e ainda obtendo prazo mais elástico, com redução de cada parcela, e, em seguida, sob alegação de expropriação abusiva, excluir a cláusula, o que denota, inclusive, o nítido propósito de inadimplir a obrigação, porquanto se assim não for, então qual a razão para alijar a consignação?

A despeito de referir-se a contrato firmado por um funcionário público municipal, antes da vigência da MPV 130, o relator menciona as possibilidades de consignação previstas pelas Leis 8.112 (Estatuto do Servidor Público Federal) e 10.820.170 E diz que, independentemente dessas regramento, não vê impedimento na lei processual para tal tipo de avença.171 Afastou-se, assim, a possibilidade de aplicação, a casos como esses, do artigo 649, IV, do CPC, que proíbe a penhora de rendas, pois esse dispositivo, segundo o STJ, refere-se a procedimento de execução judicial.

169 Recurso Especial 728.563/RS, interposto pela Cooperativa de Economia e Crédito Mútuo dos Servidores Públicos Municipais de Porto Alegre (Cooperpoa) em face de Paulo Ricardo do Amaral Elias, voto do relator, Ministro Aldir Passarinho Junior, p. 5-6.

170 Voto do relator, p. 5. 171

2.4.2 Lógica de intervenção

A previsão legal do crédito consignado em folha de pagamento é tida como umas das mais eficientes medidas para a redução do spread bancário numa modalidade específica.172 As taxas de juros praticadas nessa modalidade de crédito – mais baixas que as do crédito pessoal convencional, por exemplo – são comumente associadas a três vantagens do sistema de crédito consignado: (a) à reduzida assimetria de informação entre credor e devedor, no momento da contratação e no curso da execução do contrato; (b) à impossibilidade de o devedor priorizar o pagamento de outras despesas, em detrimento do pagamento do seu débito; e, por fim, (c) aos baixos custos administrativos envolvidos no recebimento, pelo credor, dos pagamentos devidos.

Uma vez solicitado pelo empregado, o empregador é obrigado a repassar para o potencial credor (instituição consignatária) todas as informações necessárias para as contratações previstas na Lei 10.820.173 Como são os salários e as verbas rescisórias que lastrearão os contratos, é praticamente pleno o nível de informação relevante sobre a capacidade de pagamento do trabalhador.

Já que a autorização para o desconto em folha é dada de modo irrevogável e irrefutável e uma vez que é obrigação do empregador reter os valores devidos pelo empregado, não há como o devedor, diante de uma despesa imprevista, escolher se vai ou não pagar o que deve.174 Mantendo o emprego, não há a possibilidade de comportamento oportunista do devedor.175 Sendo assim, são mais baixos os custos de monitoramento dos credores em relação às hidden actions do devedor.176

172 R

ODRIGUES,E. et al. O efeito da consignação em folha nas taxas de juros dos empréstimos pessoais. In: BCB,

Relatório de economia bancária e crédito. Brasília, 2005, p. 89-101; COSTA,A.C.;MELLO, J. M. Judicial risk

and credit market performance: micro evidence from Brazilian payroll loans. NBER. Working paper 12.252,

mai. 2006; PJSB; SPE/MF, Reformas microeconômicas e crescimento de longo prazo, p. 32.

173 O artigo 3º da Lei 10.820 obriga o empregador, desde que solicitado pelo seu funcionário, a prestar à instituição consignatária as informações necessárias para a contratação.

174

RODRIGUES et al., O efeito da consignação em folha nas taxas de juros dos empréstimos pessoais, 2005, p. 90; SPE/MF, Reformas microeconômicas e crescimento de longo prazo, p. 32.

175 O relatório de 2007 do PJSB, que está fora do recorte temporal desse trabalho, traz texto que mostra preocupação com os casos de devedores que mudam de emprego. Por isso, propõe que sejam cobrados juros mais altos durante o período de desemprego, de maneira a incentivar que o mutuário comunique o quanto antes os dados do novo empregador e, assim, seja retomado o desconto em folha, a taxas menores. Uma vez

A Lei 10.820 determina, ainda, que os valores retidos devem ser repassados diretamente pelo empregador às instituições consignatárias e que os eventuais custos administrativos podem ser também descontados na folha de pagamento do empregado.177 Deduz-se, assim, que as despesas administrativas do credor com essa modalidade de crédito são menores do que em outras.

Também aqui surge com clareza a intenção de reduzir-se a possibilidade de risco moral do devedor, no curso da execução do contrato. A Lei 10.820 permite que proventos futuros sejam usados para garantir o pagamento de débitos e retira da esfera de escolha do devedor a decisão sobre pagar ou não as parcelas devidas, ainda que ocorram mudanças significativas em suas condições pessoais. Além disso, ao obrigar o empregador a certos procedimentos e ao permitir que ele repasse para o empregado os custos com esses procedimentos, a lei acaba por transferir custos de transação relevantes para o devedor, mesmo numa transação de risco diminuto para o credor. Com isso, aumentam-se a eficiência do negócio e a qualidade das informações que o credor tem sobre o devedor; e diminui-se a possibilidade de comportamento oportunista do devedor (risco moral). Em outras palavras, ganha-se em previsibilidade e em eficiência, dois vetores presentes na literatura da Law and Finance e nas categorias de análise expostas no capítulo 1.

desempregado o devedor, a operação passa a ser de crédito pessoal convencional. Cf. CHU,V.;LUNDBERG,E.; TAKEDA,T. Por que o volume de empréstimo consignado no setor privado é tão baixo? Qual a solução? In: BCB,

Relatório de economia bancária e crédito, 2007. p. 80-81 [texto inteiro: 73-83].

176 R

ODRIGUES et al., O efeito da consignação em folha nas taxas de juros dos empréstimos pessoais, 2005, p. 90, nota 3.

177

Quadro 11 - Consignação em folha nos documentos oficiais Medida proposta

Previsão legal do crédito consignado em folha de pagamento

Incidência

Documento Data Status

BCB, Economia bancária e crédito 12/2003 -

BCB, Economia bancária e crédito 12/2004 Implementado BCB, Relatório de economia bancária e crédito 2005 Implementado SPE/MF, Reformas microeconômicas... 12/2004 Implementado

Objetivos

“Transformar a MPV 130, de 17/09/2003, em lei.”178

Justificativas

“A MPV já foi aprovada na Câmara e no Senado (20/11/2003), faltando apenas a sanção do Presidente da República.”179

Referências citadas Observações

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