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Primeira época da Análise de Discurso: AD-1 (1969-1975): a gênese de uma teoria

2.1 Análise de Discurso hoje: um novo campo teórico?

2.1.1 Primeira época da Análise de Discurso: AD-1 (1969-1975): a gênese de uma teoria

A primeira fase da AD de Pêcheux, definida por AD-1, é caracterizada pelo momento em que o autor lança as bases de uma teoria do discurso. Com a publicação do livro Por Uma Análise Automática do Discurso em 1969, Pêcheux parte do corte saussuriano e propõe uma análise automática que se caracterizava basicamente pela possibilidade de se analisar discursos por meio de evidências, compreendidas como traços produzidos no processo discursivo, uma análise automática realizada pelo computador. Isso caracterizava o discurso como sendo algo estável, uma produção sempre igual porque era compreendido dentro de um momento sócio histórico e, portanto, homogêneo. Assim como descreve Ferreira (2008, p. 22), é “impossível não ser afetado pela consistência da trama conceitual que Pêcheux constrói, a qual nos instiga a cada análise e nos possibilita abrir novas frentes de interpretação [...]”. E tal assertiva se justifica pelo fato de se compreender a aventura pecheutiana como um sucessivo depositório que, ao passo que vai se esgotando nos fios de suas próprias amarras, conduz a novas visadas que reconstroem o campo conceitual da AD.

Nesta primeira aventura na década de 60, propriamente em 1969, Pêcheux (2014, p. 307) caracterizou a máquina discursiva como principal característica da fase:

Um processo de produção discursiva é concebido como uma máquina autodeterminada e fechada sobre si mesmo, de tal modo que um sujeito- estrutura determina os sujeitos como produtores de seus discursos: os sujeitos acreditam que ‘utilizam’ seus discursos quando na verdade são seus ‘servos’ assujeitados, seus ‘suportes’. Uma língua natural (no sentido linguístico da expressão) constituiu a base invariante sobre a qual se desdobra uma multiplicidade heterogênea de processos discursivos justapostos.

Portanto, nessa época, devido à ideia de máquina discursiva enquanto procedimento metodológico da ciência em nascimento, os discursos se efetivavam a partir de um processo de um sistema fechado, estável e limitado. Assim, tomado por uma posição estruturalista, o sujeito supunha deter a “origem enunciadora de seu discurso” (PÊCHEUX, 2014, p. 307).

Nessa época, os procedimentos para análise, segundo Pêcheux (2014), se caracterizavam da seguinte forma:

 O ponto de partida era um corpus fechado com sequências discursivas compostas por palavras-chave que remetiam a um tema “num espaço discursivo supostamente dominado por condições de produção estáveis e homogêneas” (PÊCHEUX, 2014, p. 308);

 A análise linguística de cada frase ou sequência era tomada como uma premissa para a análise discursiva do corpus;

 A análise discursiva do corpus era feita por meio da identificação e constituição de “sítios de identidade parafrásticas intersequenciais” (PÊCHEUX, 2014, p. 308), ou seja, identificação, nos diferentes discursos, de frases ou palavras que na interpretação combinam entre si;

 A interpretação era feita de forma a demonstrar onde aqueles discursos estavam inscritos inicialmente, comparando-os entre si e com a situação sócio histórico identificada.

Como conclusão dos procedimentos acima aplicados, Pêcheux (2014, p. 309) ressalta a AD-1 como “um procedimento por etapa, com ordem fixa, restrita teórica e metodologicamente a um começo e um fim pré-determinados, e trabalhando num espaço em que as ‘máquinas’ discursivas constituem identidades justapostas”, ou seja, as máquinas discursivas se complementam e a existência do outro se reflete no mesmo.

Nessa fase, é possível perceber que a concepção de sujeito é assujeitada e marcada intrinsicamente pelas ideias de Althusser sobre os aparelhos ideológicos. Segundo Brandão (1998, p. 40), o que marca o sujeito de Pêcheux nessa fase é uma forte dimensão social e histórica, que na linguagem é balizada pela formação discursiva que define “o que pode e o que não pode ser dito por um sujeito”.

Na primeira fase da AD, denominada AD-1, o sujeito assujeitado, teve como primeiro resultado uma concepção submetida à maquinaria discursiva. Isso implica dizer que, a partir da noção de máquina discursiva, o discurso tornou-se algo fechado, estável e limitado:

[...] os sujeitos acreditam que utilizam seus discursos quando na verdade são servos assujeitados, seus suportes [...] é um procedimento por etapa, com ordem fixa, restrita teórica e metodologicamente a um começo e um fim predeterminados, e trabalhando num espaço em que as ‘máquinas’ discursivas constituem unidades justapostas. A existência do outro está, pois, subordinada ao primado do mesmo: - o outro da alteridade discursiva ‘empírica’ é reduzido seja ao mesmo, seja ao resíduo, pois ele é o fundamento combinatório da identidade de um mesmo processo discursivo; - o outro da alteridade ‘estrutural’ só é, de fato, uma diferença incomensurável entre ‘máquinas’ (cada uma idêntica a si mesma e fechada sobre si mesma), quer dizer, uma diferença entre mesmos. (PÊCHEUX, 2014, p. 311).

Diante disso, o outro passa a ser a consequência do mesmo processo de produção do eu. Em outras palavras, o outro é o resultado do mesmo processo discursivo, assim sendo, coloca- se como o mesmo, perdendo sua diferença. Em relação ao outro, que Pêcheux nomeia como estrutural, encontrado em outras máquinas discursivas, é improvável aproximar-se do eu, podendo-se aproximar somente para comparação e análise deste. No entanto, quando fizer parte da mesma máquina discursiva, nesse contexto, eu e outro tornam-se o mesmo: portanto, quem fala, enquanto sujeito, é uma instituição e uma ideologia.

Nesse cenário, fortemente marcado pelos discursos políticos, emerge, então, a ideia de sujeito perpassado pela ideologia e inconsciente, o que faz com que Pêcheux produza a teoria sobre os dois esquecimentos. Assim, pela ideologia que marca o sujeito, este pensa que produz o próprio dizer, mas apenas reproduz algo já dito (GREGOLIN, 2006).

O modelo metodológico que Pêcheux propunha era completamente estrutural, uma vez que a sequência discursiva estava compreendida em um corpus dominado por uma máquina discursiva. O autor passa a construir as distribuições combinatórias que permitem identificar as variações dos traços discursivos por meio de procedimentos regulados pela linguística.

Avançando na revisão da teoria de Pêcheux, o próprio autor faz uma autocrítica com relação a esse modelo, dizendo-se equivocado ao propor que um discurso pudesse ser analisado

de forma estável e regulada, ou seja, automática. Por meio dessa autocritica, Pêcheux faz um movimento de deslocamento das propostas de Althusser, fortemente presentes na primeira fase da AD em direção à proposta de Foucault. O autor situa na obra de Courtine e Marandin o ponto essencial desse deslocamento, na medida em que questiona a história das práticas de linguagem comunista “por meio da análise de heterogeneidade constitutiva de sua obra discursiva” (GREGOLIN, 2006, p. 174).

Considerando a crítica de Courtine, que tanto é política quanto teórica, tem-se como consequência deslocamentos nos dois polos:

Politicamente, levou os trabalhos da Análise de Discurso a uma profunda autocritica dos posicionamentos althusserianos em relação as teses do Partido Comunista e à própria leitura dos textos fundadores do marxismo. Isso evidentemente, trouxe mudanças teóricos-metodológicas: ao acatar a heterogeneidade, a dispersão, o acontecimento discursivo, a Análise de Discurso abandona o privilégio que até então fora concedido aos discursos de ‘porta-vozes legítimos’ (impressos, oficiais, etc.) e a partir de então, os trabalhos devem se confrontar com a ‘memória da história’, com os múltiplos enunciadores cujos enunciados ‘sulcam o arquivo não escrito dos discursos subterrâneos’. (GREGOLIN, 2006, p. 175).

Assim, Pêcheux passa a fazer um movimento rumo à heterogeneidade discursiva, o que marca fortemente a sua segunda fase, a AD-2, a ser analisada em item subsequente.