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6.2 O Panorama das transposições didáticas (TCC/SDs)

6.2.1 Primeira “camada”: categorização por esferas de comunicação

As esferas de comunicação escolhidas pelos professores para delimitar o trabalho com os gêneros discursivos foram a base dos filtros criados para a primeira etapa (first layer) do coding. Todos os TCC/SDs foram elaborados a partir da escolha de um gênero e de sua esfera social de circulação (Parâmetros Curriculares Nacionais – BRASIL, 1998). Assim, a primeira etapa consistiu em “taguear” os TCC/SDs de acordo com as esferas de comunicação nas quais se encaixavam segundo o gênero apontado no título dos trabalhos. Vale salientar que todas as etapas do coding, desde essa primeira por esferas e todas as demais apresentadas em seguida, foram realizadas por meio dos títulos dos TCC/SDs. Alguns poucos trabalhos apresentaram títulos genéricos, como por exemplo “Multiletramentos no ensino de Língua Portuguesa” ou “Nova geração século XXI: respeito às diversidades culturais”, porém, mesmo sem citar o gênero, consideramos que poderiam ser classificadas na esfera “Trabalho e Estudos”. O total de TCC/SDs com títulos genéricos é muito baixo e não influencia nos resultados numéricos.

As esferas de comunicação identificadas na primeira etapa do coding foram: (i) Científica; (ii) Cidadania; (iii) Cotidiana/Pessoal; (iv) Trabalho/Estudo; (v) Publicitária; (vi) Jornalística; e (vii) Literatura, Artes/Mídias. Por meio dos resultados das esferas mais ou menos exploradas nas escolhas dos professores, pudemos, já de antemão, ter resultados relacionados ao modo como os multiletramentos aparecem nas propostas didáticas, como representado a seguir na Tabela 2.

Tabela 2 – Primeira etapa do coding: categorias encontradas Categorias – esferas de comunicação 1ª Edição

(2010-2011) 2ª Edição (2011-2012) (1) Científica 3 1 (2) Cidadania 5 6 (3) Cotidiana/Pessoal 22 24 (4) Trabalho/Estudos 42 92 (5) Publicitária 79 142 (6) Jornalística 215 497 (7) Literatura, Artes/Mídias 331 541 TOTAL 697 1303

As esferas Jornalística e Literária, Artes/Mídias dividem o espaço entre as preferências dos professores. Esse resultado mostra o grande impacto dos letramentos convencionais, da cultura da letra e da era do impresso (CHARTIER, 2002), pois, mesmo a esfera da Literatura englobando Arte e Mídias, é muito fácil ver como a grande maioria faz a preferência pela literatura impressa e canônica. Esses resultados também não são estranhos à medida que tais esferas, principalmente a Literária, são as que mais recebem atenção no currículo estadual (SÃO PAULO, 2012), especialmente no Ensino Médio. Os gráficos apresentados nas Figuras 14 e 15 ilustram os resultados da Tabela 2 em proporções percentuais.

Figura 14 – Amostra percentual: coding por Esferas de Comunicação (edição 2011) 0,43% 0,71% 3,15% 6,02% 11,33% 30,84% 47,48% Científica Cidadania Pessoal/Cotidiana Trabalho/Estudos Publicitária Jornalística Literatura/Artes e Mídias TOTAL: 697 TCC/SD

Esferas de Comunicação 2011

Figura 15 – Amostra percentual: coding por Esferas de Comunicação (edição 2012)

A disciplina LP-008 era intitulada “Textos em contexto: Jornalismo, Publicidade, Trabalho, Literatura e Artes/Mídias”, daí já se entende as ocorrências terem se concentrado em tais esferas. Na verdade, as próprias autoras sugerem que os cursistas escolham uma esfera de comunicação das citadas pela disciplina por causa do currículo (SÃO PAULO, 2012). Há também que se considerar a possível influência de iniciativas de formação docente anteriores ao RedeFor, como por exemplo, aquelas levadas a cabo por meio de materiais de apoio que circularam nas escolas estaduais em anos anteriores. Tais materiais foram publicados principalmente na primeira metade dos anos 2000 e tinham como objetivo orientar o trabalho dos professores da rede estadual por meio de sugestões de SDs compatíveis com os conteúdos do Ensino Fundamental II, principalmente. Assim, tiveram grande repercussão materiais sobre “Artigo de opinião”, “Notícia”, “Carta de solicitação e de reclamação”, “Receita”, dentre outros.3

No que diz respeito à questão dos multiletramentos, observa-se, por meio da relevante porcentagem de TCC/SDs na esfera Publicitária (11,33% em 2011 e 10,89% em 2012), que o ensino de textos multissemióticos tem uma grande aceitação quando via gêneros publicitários. Apesar da relevância da esfera Publicitária em detrimento das demais, ela pouco se aproxima das porcentagens da esfera Jornalística (30,84% em 2011 e 38,14% em 2012), que, em essência, é composta por gêneros bastante convencionais e predominantemente do domínio

3 Muitos desses materiais foram produzidos pela Prof.ª Dr.ª Jacqueline Barbosa, membro da banca de defesa desta

tese. Agradecemos ainda à Dr.ª Fernanda Litron, professora membro da banca e colega de longa data, pela contribuição a este trabalho ao chamar nossa atenção para a existência e circulação destes materiais e o impacto deles nos dados desta pesquisa.

0,07% 0,46% 1,84% 7,06% 10,89% 38,14% 41,52% Científica Cidadania Pessoal/Cotidiana Trabalho/Estudos Publicitária Jornalística Literatura/Artes e Mídias TOTAL: 1.303 TCC/SD

Esferas de Comunicação 2012

da letra, como Notícias, Artigos de Opinião e Reportagens. No entanto, com relação a textos multissemióticos, na esfera Jornalística entram as Charges e Cartuns, por exemplo, que são gêneros cuja modalidade imagética é de grande relevância para a interpretação dos sentidos. Essa questão, associada à necessidade de se analisar mais de perto quais os gêneros que compõem a esfera com a maior amostragem – Literatura, Artes/Mídias –, nos levou a uma segunda etapa do coding, dessa vez por categorias que pudessem nos dizer um pouco mais sobre a natureza dos objetos de ensino tomados nas propostas didáticas.

Assim, a sequência da investigação foi descobrir os números relacionados aos TCC/SDs que explorassem letramentos multissemióticos e que contemplassem diversidade cultural (multiculturalidade). Essas duas classificações passíveis por meio do coding advêm do conceito de multiletramentos, já explorado no Capítulo I, que corresponde aos letramentos que comportam a multiplicidade de linguagens/semioses (visual, sonora, linguística, gestual) em suas produções de sentidos, e a diversidade cultural, quando o cânone não é o único artefato cultural aceitável na escola e as culturais, regionais e locais, vernaculares e menos prestigiadas também são levadas em conta como objetos de ensino-aprendizagem. Os resultados dessa segunda etapa do coding apontaram para uma ocorrência numérica maior e mais relevante de objetos multissemióticos, por isso, começamos explorando os resultados relativos aos TCC/SDs que revelam o trabalho com multiplicidade de semioses.

Assim, no que diz respeito aos trabalhos multissemióticos, observamos, de antemão, uma porcentagem total significativa, uma vez que todos os TCC/SDs da esfera Publicitária (11,33% em 2011 e 10,89% em 2012) são categorizados como atividades que exploram a multiplicidade de semioses, já que os gêneros anúncios e propagandas são predominantes e, por excelência, são multissemióticos, sejam eles no papel ou na tela. Posteriormente, visualizaremos o impacto total dos gêneros da esfera Publicitária somados aos gêneros multissemióticos das demais esferas.

Nas demais esferas de comunicação geradas na primeira etapa do coding, mais alguns gêneros de presença quantitativa relevante foram classificados na categoria multissemioses: da esfera Literatura, Artes/Mídias – Vídeo (que incluiu gêneros televisivos/cinematográficos e videoclipes), Canção/Música, Histórias em Quadrinhos e Cordel; da esfera Jornalística 4 – Charges/Cartum; e da esfera Trabalho/Estudos – Debate/Seminário, Gêneros orais (não especificados nos títulos dos trabalhos) e Entrevista de

4 É provável que algumas reportagens também apresentem o trabalho com multissemioses, porém não é possível

inferir apenas pelo título. Assim, deixamos os TCC/SDs de reportagem fora do levantamento por essa categoria se tratar de um gênero que, em sua essência, existe na modalidade verbal escrita.

Emprego. A seguir, apresentamos as Figuras 16 e 17, que ilustram a amostra dos gêneros multissemióticos, cada qual em sua respectiva esfera. Começamos pela esfera da Literatura, Artes/Mídias, na qual podemos ver também o impacto da multiculturalidade por meio do gênero Poesia de Cordel:

Figura 16 – Gêneros da Esfera Literatura, Artes/Mídias (edição 2011)

Figura 17 – Gêneros da Esfera Literatura, Artes/Mídias (edição 2012)

O foco nos gráficos acima foi na categoria multissemiose. Encontramos no coding os seguintes gêneros de natureza multissemiótica: Vídeo (em sua maioria de circulação na mídia

Vídeo 4% Canção6% HQs 11% Cordel 14% Contos/Romances /Poesia 65%

Esfera Literatura, Artes/Mídias 2011

Vídeo 3% Cordel 5% Canção 11% HQs 15% Contos/Romances /Poesia 66%

de massa, como minisséries de televisão, filmes e documentários), Poesia de Cordel (separamos dos demais tipos de Poesia por ser um tipo de texto que, em sua essência, é composto sempre por letra/texto escrito e gravuras), Canção/Música (não contabilizamos os TCC/SDs que explicitamente afirmavam trabalhar apenas com a letra, como um texto “monomodal”) e Histórias em Quadrinhos. A maior parte dos TCC/SDs dessa categoria, entretanto, é composta por Contos, Romances e Poesias (65% em 2011 e 66% em 2012), todos gêneros comuns à cultura escolar e ao currículo da SEE/SP, essencialmente calcados nos letramentos convencionais, essencialmente “monomodais” e, conforme verificado na etapa do coding por multissemioses e multiculturalidade, todos de tradição canônica, comumente ligados a uma “escola literária” e/ou a autores de prestígio.

A segunda esfera de grande relevância na primeira etapa do coding é a Jornalística. Os gêneros levantados foram: Resenha, Charges/Cartum, Carta de Leitor, Editorial, Reportagem, Crônica, Notícia e Artigo de Opinião. O gênero Entrevista também apareceu algumas vezes como pertencente à esfera Jornalística, entretanto, todas as ocorrências estavam associadas a outros gêneros, como Notícia ou Reportagem, por isso não entraram na classificação como multissemióticos. Para o coding dessa esfera, foi preciso considerar uma etiqueta genérica que nomeamos nos gráficos como “Jornal”. Essa classificação foi utilizada para os TCC/SDs que não nomeavam em seus títulos de quais gêneros especificamente tratavam, mas apenas colocam referência a “Jornal” ou “Esfera Jornalística” ou, ainda, “Gêneros jornalísticos”.

Figura 18 – Gêneros da Esfera Jornalística (edição 2011) Resenha

2% Charges3% Carta de Leitor3%

Editorial 4% Reportagem 7% Jornal 10% Crônica 16% Notícias 22% Artigo de Opinião 33%

Esfera Jornalística 2011

Figura 19 – Gêneros da Esfera Jornalística (edição 2012)

A esfera Jornalística, como esperado, contém uma porcentagem muito baixa de gêneros de natureza multissemiótica. O gênero Charge aparece apenas em 3% dos TCC/SDs de 2011 e 4% dos de 2012. Todos os demais, apesar de poderem conter recursos multissemióticos, são, em sua composição, estilo e conteúdo temático, essencialmente “monomodais”, isto é, próprios da linguagem verbal escrita. Além disso, são predominantemente de mídia imprensa, ainda que alguns tenham se remediado para outras mídias (como as Charges que já existem em formato de animações e gifs, por exemplo).

Apesar de representar apenas 6,02% do total de TCC/SDs de 2011 e 7,06% em 2012, a esfera Trabalho/Estudos revelou, na segunda etapa do coding, a presença significativa de gêneros multissemióticos. Nessa esfera, os professores/cursistas exploraram a modalidade oral da língua/linguagens em gêneros que exploravam atividades que poderiam ser escolares (Resenhas/Resumos, Dissertação/Redação de Vestibular e atividades de escrita de modo generalizado) ou próprias do ambiente de trabalho (Entrevista de emprego, Debate, Seminário).

Editorial 1% Carta de Leitor 1% Resenha 4% Charges 4% Reportagem 8% Jornal 9% Crônica 16% Notícias 21% Artigo de Opinião 36%

Esfera Jornalística 2012

Figura 20 – Esfera Trabalho/Estudos (edição 2011)

Figura 21 – Esfera Trabalho/Estudos (edição 2012)

Das Figuras 20 e 21, a categoria Oralidade é um tanto estranha porque “oralidade” não é um gênero. Na verdade, os TCC/SDs dessa categoria podem ser classificados como Atividades Escolares, contudo, estão separados exatamente para destacar sua composição multissemiótica. Além disso, justificamos essa nomeação porque todos os TCC/SDs dessa categoria continham em seus títulos apenas referências genéricas como “Ensino de Gêneros orais”, “Apresentação oral”, “Oralidade e Escrita” e similares. Nessa esfera, portanto, averiguamos a presença de gêneros multissemióticos que privilegiam a oralidade e devem,

Debate

6% Seminário

7%

Gêneros orais não especificados 11% Currículo 11% Entrevista de emprego 11% Atividades Escolares 54%

Esfera Trabalho/Estudos 2011

E-mail/Carta 4% Seminário 5% Debate 7% Entrevista de Emprego 9% Currículo 16% Gêneros orais não

especificados 17% Atividades Escolares 42%

Esfera Trabalho/Estudos 2012

provavelmente, explorar as características das múltiplas semioses envolvidas, o tom de voz, os gestos, as expressões faciais e corporais etc., mas que ainda são do âmbito escolar. Ainda que a maior parte dos TCC/SDs que envolvem oralidade não especifiquem seus gêneros, a amostra de modelizações didáticas desse tema mobiliza um terço do total do coding da esfera de Trabalho/Estudos.

As demais esferas encontradas por meio da primeira etapa do coding “Pessoal/Cotidiana”, “Cidadania” e “Científica” não revelaram nada significativo no que diz respeito ao levantamento de gêneros multissemióticos e/ou de diversidade cultural. Apenas na esfera da “Cidadania” encontramos dois TCC/SDs (um de 2011 e outro de 2012) que abordavam o gênero Discurso Político.

Os resultados relativos às ocorrências dos gêneros textuais (Figuras 16, 17, 18, 19, 20 e 21) revelam que as práticas mais valorizadas na formulação de sequências de atividades didáticas estão em consonância com práticas letradas convencionais e de mídia impressa. Portanto, o impacto teórico-metodológico que se nota está relacionado ao cumprimento das prescrições curriculares estaduais e nacionais e não há evidência explícita e/ou relevante de situações que busquem deslocamento em direção a novas práticas e novos gêneros (digitais, por exemplo).

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