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As tristezas, as alegrias, as interrogações das pessoas que o antropólogo encontra, e sobretudo suas respostas aos problemas, por vezes às infelicidades que se apresentam, constituem a base e a matéria de sua reflexão.

(Michel Agier, 2004: 6, tradução livre) Narrar minuciosa e exaustivamente os incidentes de discriminação racial é o único modo de gerar um clima de discussão que estimule a formulação de programas concretos

de inclusão dos negros... (José Jorge de Carvalho, 2005: 82)

... De maneira concreta, isto significa estar, ao mesmo tempo, suficientemente mergulhado em uma etnografia para poder dar conta honestamente da inteligência e da reflexividade dos atores, e bem distanciado em uma antropologia para ser capaz de desenvolver uma análise autônoma revelando o que escapa a estes mesmos atores.

(Didier Fassin, 2010: no prelo)

Conforme apontado no capítulo anterior, em seu clássico trabalho sobre o racismo no Brasil, Florestan Fernandes (2008) analisa a exclusão do negro na transição da cidade de São Paulo para a dinâmica capitalista. A tese central que defende é que esta exclusão não se deve especificamente à questão racial, já que o negro que possuísse qualidades para inserção na nova ordem competitiva, ou mesmo que revelasse capacidade de adquiri-las, não encontraria obstáculos. ―Sociologicamente, a exclusão teria caráter especificamente racial se o negro ostentasse essas qualidades e fosse, não obstante, repelido‖, afirmou. Conforme apontei também, a tese de Florestan foi bastante criticada posteriormente a partir de estudos realizados por historiadores, como George Andrews (1998), ou por sociólogos, como Carlos Hasembalg e Nelson Valle Silva. Tais estudos demonstraram a persistência da questão racial como estruturante das desigualdades sócio-econômicas no Brasil.

Mas Florestan já era um sociólogo maduro quando escreveu esta obra. Em diversas oportunidades ele relativiza seus próprios argumentos, como se quisesse evitar que o

futuro desmentisse sua tese. Afirma, por exemplo, que o fato de possuir habilidades e competências não constituía uma garantia de obtenção de emprego para o negro. Isto porque, persistia uma resistência a absorvê-lo em atividades profissionais que demandassem iniciativa, responsabilidade e disciplina. Conseqüentemente, ―as posições ‗altas‘ ou ‗intermediárias‘ estavam fora de cogitação, pois a elas só podiam concorrer os elementos das camadas dominantes e os estrangeiros ou descendentes de estrangeiros em ascensão [...] tidos como mais aptos, competentes e produtivos‖. Ademais, destacou que, mesmo após a obtenção do emprego, o negro ficava permanentemente sujeito a contratempos. Este me parece um bom ponto de partida para a análise das trajetórias profissionais da primeira geração de executivos negros. Mas quem é esta primeira geração? Como uma primeira resposta a essa pergunta poderia dizer que a primeira geração de executivos negros é formada pelos raríssimos indivíduos negros que conseguiram superar barreiras e ocupar cargos gerenciais ou de direção no mundo empresarial.

O quadro abaixo expressa de maneira inequívoca esse caráter de exceção. Ele traz os resultados de pesquisas realizadas em 2001, 2003, 2005, 2007 e 2010 pelo Instituto Ethos, visando mapear o perfil social, racial e de gênero das 500 maiores empresas que atuam no Brasil145. Excetuando a pesquisa realizada em 2001, que enfocou apenas o corpo diretivo das empresas, percebe-se que em todos os levantamentos subseqüentes o percentual de negros decresce na medida em que se sobe na hierárquica organizacional146. No nível executivo, representavam apenas 1,8% em 2003, tendo esse percentual apresentado um pequeno acréscimo, passando para 3,4, 3,5 e 5,3 nos anos de

145 O projeto contou com a parceria da FGV-SP, do IPEA, da OIT, da UNIFEM e com o apoio

institucional da IAF, tendo o patrocínio de diferentes empresas em cada ano. O levantamento dos dados e a tabulação dos resultados foi realizado pelo Indicator Opinião Pública, em 2001, e pelo IBOPE, a partir de 2003, sempre por meio do envio de questionário para auto-preenchimento (pelos diretores e/ou representantes do departamento de RH). Nas edições de 2001 e 2003 as empresas foram definidas com base no Balanço Anual da Gazeta Mercantil e o número das que responderam foi de 89 e 247 respectivamente. No ano de 2005 sua identificação seguiu a Valor 1000, uma edição especial do Jornal Valor Econômico, em 2007 o anuário Melhores e Maiores / 2006 produzido pela Revista Exame e em 2010 o mesmo anuário em sua edição de 2009. O número de organizações que retornaram os questionários nestas ocasiões foi de 119 em 2005, 132 em 2007 e 109 em 2010. No que se refere aos níveis hierárquicos, os dados foram agrupados em quatro painéis: quadro executivo (presidente, vice- presidentes e diretores); quadro de gerência; quadro de supervisão, chefia ou coordenação; e quadro funcional (empregados sem postos de comando). Quanto ao critério raça/cor, foi adotada a nomenclatura do IBGE (branca, preta, parda, amarela, indígena), denominando-se negra a população formada por pretos e pardos.

146 Cabe ressaltar a abrangência nacional desses levantamentos, em oposição ao caráter local do meu

estudo. De toda forma, as matrizes dessas companhias estavam localizadas na região sudeste em 65% dos casos em 2003, 61% em 2005, 64,5% em 2007 e 59% em 2010.

2005, 2007 e 2010 respectivamente. Já nas posições gerenciais, a participação teve uma elevação maior, saltando de 8,8% em 2003 e 9% em 2005, para 17% em 2007, mas caindo ao patamar de 13,2% em 2010. Todavia, tendo em vista que os negros (pretos e pardos) totalizavam 48% da população brasileira em 2004, 49,5% em 2006, 49,7% em 2007 e 51,1% em 2009147, constituindo 46,5%148 da população economicamente ativa em 2008, fica evidente sua sub-representação nos postos de maior poder, prestígio e remuneração dessas empresas.

Quadro 1 – Composição por raça nas 500 maiores empresas do Brasil

Fonte: Instituto Ethos (2010)

A causa dessa sub-representação dos negros nos postos de maior poder, prestígio e remuneração é comumente atribuída no Brasil ao baixo nível de escolaridade desse contingente populacional. Ou seja, ela confirmaria a tese de Florestan Fernandes: caso tivessem as qualificações necessárias, os negros estariam no topo da hierarquia das

147 Segundo dados do PNAD/IBGE citados pelo Instituto Ethos (2010).

148 De acordo com o Anuário dos Trabalhadores / 2009 e os boletins regionais do sistema PED (Pesquisa

de Emprego e Desemprego), ambos publicados pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócioeconômicos (Dieese), com dados colhidos em 2008 nas regiões metropolitanas de Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Salvador e São Paulo, além do Distrito Federal (ver Instituto Ethos, 2010).

grandes empresas. Mas caberia lançar um olhar mais apurado para os resultados das pesquisas do Instituto Ethos. O quadro abaixo mostra os dados de escolaridade dos membros das 500 maiores empresas que atuam no Brasil.

Quadro 2 – Escolaridade nas 500 maiores empresas do Brasil

Fonte: Instituto Ethos (2010)

Estes dados revelam que nos níveis de gerência e direção é bastante expressivo o percentual de profissionais que não possuem pós-graduação. Tomando os resultados de 2007, encontramos que, 28,7% dos gerentes possuem até o ensino médio, 49,6% possuem ensino superior e apenas 21,7% possuem pós-graduação (mestrado ou doutorado). Os resultados de 2010 para esse mesmo grupo são os seguintes: 11,2% com ensino médio, 62,9% com ensino superior e 25% com pós-graduação. Entre os executivos, esses percentuais são de 2,3 para até o ensino médio, 56,6 para o ensino superior e 38,6 para pós-graduação (mestrado ou doutorado) na pesquisa de 2007 e de 3,1 para até o ensino médio, 58,2 para o ensino superior e 36,5 para pós-graduação no levantamento de 2010. Ou seja, 75,3% dos profissionais que ocupam postos de gerência e 58,9% dos que estão situados em cargos de direção na pesquisa de 2007 e 75% dos

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