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Capítulo 5: PESB: Uma paisagem em conflito?

5.2. Primeiras iniciativas de Criação do Parque

Durante as entrevistas, pôde-se observar que o PESB, nos dias de hoje, tem sua importância reconhecida pela maioria da população que vive no entorno. Porém, nem sempre foi assim, como evidencia o relato abaixo:

Na época que começou esse Parque aqui pra nós foi a maior tristeza. Para muitos não podia acontecer não. Esse povo que estava ao redor do parque tanto aqui como do outro lado da Serra seria tudo desapropriado na época.

Então o povo ficou preocupado. Como iria ter um parque se as pessoas não tinham para onde ir147.

Esse drama relatado por um dos agricultores foi recorrente nas entrevistas de campo, uma vez que, diante da proposta inicial de construção do Parque, a maioria da população perderia suas terras e, consequentemente, o seu sustento. Foi a partir daí que a população começou a se mobilizar, participar de reuniões, criticar as propostas estabelecidas e, junto aos sindicatos e ao Centro de Tecnologias Alternativas da Zona da Mata (CTA), procurar alternativas para que não houvesse desapropriação de suas famílias. Além disso, os moradores passaram a acompanhar as reuniões que estavam acontecendo em prol da construção do Parque e a buscar os direitos e estabelecer acordos junto dos órgãos responsáveis pela implantação do PESB. Isso é possível perceber na arguição do presidente do sindicato dos trabalhadores rurais de Araponga em entrevista à autora.

Uma das discussões era que a terra estava muito fraca, aí um dos agricultores perguntou como vamos melhorar a terra se vamos perder ela para criar bicho? Uma contradição né? Cria uma proposta pra poder tentar fazer um trabalho com os agricultores diferente e aparece uma que não vale a pena, pois vou perder a Terra. Foi a partir daí que cria a demanda dos agricultores de saber que parque era esse, que criação era essa e aonde era mesmo. Porque dizia cota 1000, que cota 1000 é essa? Onde a cota 1000 passava? Foi um trabalho de correr até o IEF pra mostrar o mapa pra gente, eles escondiam não mostrava aí o Presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais da época foi a uma das reuniões e representou regionalmente os agricultores, foi onde foi feito um diagnóstico em Muriaé e ai o IEF liberou o mapa. Aí começou a corrida atrás, reuniões e mais reuniões, mobilizações para levar o maior número de agricultores possíveis em busca de alterar a proposta inicial que tiraria todos nós da nossa Terra148.

O relato indica que, de início, os agricultores não tinham conhecimento de como se daria a implantação do PESB e da importância da construção dessa Unidade de Conservação. Mas, a partir da demanda de proteger suas terras, eles identificaram a relevância em fazer parte do processo de criação do Parque Serra do Brigadeiro, uma vez que os maiores prejudicados com a consolidação da cota 1.000 seriam os próprios moradores do entorno.

147 Entrevista nº 5 concedida a Silva, Tatiane Cristina da. 148 Entrevista nº 12 concedida a Silva, Tatiane Cristina da.

Segundo Gjorup149, a criação de Unidades de Conservação sem a participação e sem o apoio das populações locais não funciona. Se a população não participa, não se envolve e não é informada das decisões relacionadas com o ambiente, a tendência é de se obter resultado oposto ao que se almeja.

Com apoio dos agricultores, que, a partir das reuniões, começavam a entender a criação do Parque, esse foi sendo pensado para tentar conter o intenso processo de devastação pela qual a floresta do Brigadeiro passava, principalmente nas décadas de 1960 e 1970.

De acordo com Couto e Dietz, a partir de informações colhidas na escola Superior de Florestas, em 1960, o desmatamento na Fazenda do Brigadeiro assumia um ritmo acelerado. Diversas espécies de madeira, de alto valor econômico, eram derrubadas para a produção de carvão, entre elas cedro, cangerana, peroba, canela, vinhático, jequitibá, orelha-de-onça, ipês, liquerana e murici, praticamente já extintas na Zona da Mata de Minas Gerais150.

Com a finalidade de tentar conter o desmatamento e preservar parte da biodiversidade da Mata Atlântica, é criado, no ano de 1996, o Parque Estadual Serra do Brigadeiro, contando com o envolvimento da população local e de instituições, como sindicatos, ONGs e a Universidade Federal de Viçosa, sem, contudo, desapropriar os pequenos agricultores e/ou a população tradicional do entorno. Em entrevista concedida à autora, um dos agricultores aponta sua opinião sobre a construção do PESB.

(...) a criação do nosso parque é considerada participativa, porque ele foi pensado a partir de várias reuniões e nelas todas as comunidades rurais da Serra do Brigadeiro tinham o seu representante. Eu mesmo era representante da minha comunidade e tinha o papel de ir nas reuniões e depois repassar pra comunidade. Quando eu era comunicado das reuniões muitas vezes ia de casa em casa convidando pra que todos pudessem participar. Se nós não atuássemos mais de 400 famílias do entorno seriam desapropriadas151. Conforme afirma Gjorup152, todas as comunidades manifestaram interesse em participar do processo de criação do Parque, uma vez que seriam desapropriadas cerca de 400 famílias que viviam acima da cota de 1.000 m de altitude. As comunidades

149 GJORUP, G. B. Planejamento Participativo de uma Unidade de Conservação e do seu entorno: O caso do Parque Estadual da Serra do Brigadeiro, Minas Gerais. 1998. Dissertação (Mestrado em

Solos e Nutrição de Plantas) - Universidade Federal de Viçosa, Viçosa. 1998.

150 COUTO, E. A. & DIETZ, J.M. Sugestões para criação do Parque Estadual da Serra do Brigadeiro. Viçosa, MG: UFV e IEF, 1976.

151 Entrevista nº 5 concedida a Silva, Tatiane Cristina da 152 GJORUP, G. B. Op. Cit.

tinham o papel de indicar seus representantes para participarem das reuniões com o IEF e do processo de discussão dos critérios a serem seguidos para a criação do Parque Serra do Brigadeiro.

Para Bomfim, a criação do Parque Serra do Brigadeiro com participação da comunidade foi um momento histórico, quando a sugestão inicial do Governo do Estado de Minas Gerais foi revista e a área do PESB foi redefinida, de forma que as terras dos agricultores familiares fossem mantidas fora dos limites do Parque. As áreas de mata dos agricultores dentro dos limites do PESB seriam negociadas, caso a caso, com o IEF no processo posterior de regularização fundiária153.