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Ama e respeita a teus pais.

PRIMEIRO ANNO

I. A leitura deve ser feita pelo methodo global.

II. As historietas devem ser transcriptas em folhas de cartolina, com letras de imprensa, feitas com pincel e verniz de álcool, sendo o cartão apresentado com gravuras expressivas, de accordo com o assumpto da lição.

III. Depois de bem fixados os cartões da historieta, serão apresentadas aos alumnos as fichas relativas às sentenças do cartão.

IV. Fixadas as fichas, serão estas decompostas em palavras e estas em syllabas, que serão também decompostas em letras.

V. O professor deve ter o material flexível na classe para todos os graus de mentalidade.113

O método global foi um marco no trabalho das professoras e alunas da Escola de Aperfeiçoamento de Belo Horizonte, local de intensos estudos e análises de métodos de

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MACIEL, Lúcia Casasanta e o método global de contos, p.114.

110

Programa do Ensino Primário do Estado de Minas Gerais. Decreto n° 8.094/1927.

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Assinaram o artigo: Maria Moreira da Costa, Guiomar Mattos Abreu, Esther Alves, Maria das Dores Jardim e Zilda Gama.

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“O ensino da leitura”, REVISTA DO ENSINO nº 37, 1929, p.22.

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ensino. Não somente lá, mas também em outras escolas normais da Capital, as alunas e professoras criaram livretos e outros materiais didáticos para uso nas escolas primárias.114 Na Escola de Aperfeiçoamento, a professora Lucia Casasanta propôs um trabalho renovador com o Método Global de Contos, embasada teoricamente nas obras de BUSWELL, JUDD, ANDERSON, HUEY,115 WILLIAN, SCOTT, GRAY, CLAPARÈDE, JAVAL, PIAGET e DECROLY. Fundamentada nesses autores, além de outras obras e os estudos comparativos dos resultados de alunos, a professora Lucia Casasanta apresentou seus princípios fundamentais de caracterização do método de leitura:

O Método Global de Contos tem como principal característica iniciar o processo de alfabetização por textos com sentido completo, por um todo, isto é, por frases ligadas pelo sentido, formando um enredo, constituindo uma unidade de leitura. Para atender a essa característica, a historieta ou conto deveria ser sobre um tema estimulador e de acordo com os interesses infantis: vida familiar, brinquedos, aventuras reais e maravilhosas com outras crianças etc.116

Observa-se que no Método Global de Contos também eram mantidos os princípios do ensino ativo, baseado nos interesses das crianças para que, através dele, elas sentissem vontade de aprender e buscassem a aprendizagem. Muitos foram os esforços empreendidos para a uniformização do método analítico e muitos foram os avanços até os anos trinta. O que se buscava nesta década, além da implantação do método, era sua vulgarização, para que o modelo de ensino que impulsionava a criança à aprendizagem fosse, de fato, impresso na educação de toda a infância. Neste movimento, pelo menos no campo discursivo, as amarras sociais que prendiam os alunos e alunas das escolas primárias durante os séculos anteriores, foram paulatinamente se transformando, no decorrer do século XX, em uma conquista em

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Alguns deles, como aqueles descritos pelas alunas-professoras, podem ser encontrados no Museu da Escola do Centro de Referência do Professor, em Belo Horizonte.

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Que escreveram, respectivamente, Fundamental Reading Habits: a study of their development, Reading Nature and Development, La Lecture Silencieuse e Psychology and Pedagogy of Reading.

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MACIEL, Lúcia Casasanta e o método global de contos, p.121.

favor do respeito às características da criança, na imagem da infância ser uma idade boa, agradável, prazerosa, cheia de conquistas e esperanças.

A intensificação de representações positivas da infância contribuiu para a produção de “coisas de criança”, como deveria ser a literatura infantil. Contribuiu ainda com o aumento no interesse em estudar a criança para compreendê-la e fazer de sua aprendizagem um momento de prazer, como já era proposto pelo País afora, em diversos discursos, como era o caso da Revista de Educação de São Paulo:

Uma das idéias mais modernas que se tem introduzido na ciência pedagógica, e que jamais cogitavam nossos avós é o do direito do aluno, ao ensino que o contente, que lhe dê prazer [...] a alegria é um direito de toda criatura na primavera da existência... em vez de condenarmos o sistema que nos roubou o melhor dom da vida — a alegria infantil, imaginemos que este sonho era uma dura necessidade à qual devemos as virtudes viris de que porventura sejamos hoje dotados. É um grande erro. O que Deus nos dá o homem não ode tirar. É um dever sagrado cuidar da felicidade dos pequenos para que não sejam privados daquela alegria natural que lhes pertence por direito. É essencial que os diretores de ensino reconheçam que o menino pela própria natureza é dotado de certas inclinações para a atividade, a leviandade e a curiosidade.117

As prescrições dos métodos de ensino simultâneo da leitura com a escrita, por sua vez, acompanharam este percurso de valorização da criança, mas isto não se deu repentinamente, nem linearmente, uma vez que, representações opostas também se mantiveram. Acontece que as representações de crianças, produzidas no final do século XIX e nos primeiros trinta anos do século XX, eram um misto de adulto em miniatura — que deveria progredir dentro dos padrões morais, sociais e psicológicos, válidos para o adulto — e de valorização da infância como uma fase diferente da vida adulta — que necessitava de cuidados, que tinha necessidades diferentes das do adulto, desejos e emoções próprias. E para se educar essas crianças, representadas de forma ambígua na sociedade, existiram tomadas de atitude muitas vezes contraditórias: entre o cuidado e a violência infantil,118 entre formas de

117

REVISTA DA EDUCAÇÃO (1903), apud GOUVÊA, 1997, p.73.

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ensinar dominadoras e aquelas geradoras de autonomia, entre o rigor moral e a liberdade de escolha, embora esta última fosse geralmente vislumbrada em associação à liberdade responsável, construída com o rigor da educação na primeira infância, conforme indicações da psicologia infantil.

Maria Cristina Gouvêa (1997) apresenta como, em algumas das narrativas produzidas nas duas primeiras décadas do século XX, as expressões de alegria e prazer se faziam ausentes ou eram representadas criticamente: “a criança deve ser moderada e contida na expressão de seus sentimentos, os quais devem ser disciplinados, educados”.119 Algumas práticas escolares também apresentavam ambigüidades no tratamento da criança. Há relatos do uso da palmatória até os anos 50 dos novecentos,120 além de outros castigos físicos, bem como se sabe da permanência da violência contra a criança, apesar dos estudos da psicologia indicarem sua ineficácia para o ensino. Estas representações da infância geraram projetos de disputas presentes nos dilemas sobre o que lhe seria mais adequado, principalmente no processo de escolarização, uma vez que, com o movimento de ampliação das escolas primárias para que elas abarcassem um maior número de crianças, cada vez com menor idade, o ensino primário acabou assumindo a educação integral da criança como finalidade maior. Logo, a seleção da leitura era direcionada para os objetivos da escolarização da leitura, que por sua vez, ia de encontro com as finalidades maiores da educação.

O que se destaca, enfim, nas primeiras décadas do século XX e nas propostas do ensino graduado, é a valorização dos empreendimentos científicos e das iniciativas de respeito às necessidades infantis, sendo levado em conta o desenvolvimento físico, psicológico, neurológico, intelectual e moral da criança. Iniciativas notáveis na busca de métodos mais adequados para o ensino dessas crianças, vislumbrando a finalidade maior da educação das massas, para fazer do País uma nação civilizada, rumo ao progresso e à unidade nacional. O

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GOUVÊA, O mundo da criança, p.80

120

No Museu da Escola de Belo Horizonte existem depoimentos de ex-alunos das escolas primárias, gravados em VHS.

ideal maior era formar o sujeito republicano, através do prazer em aprender por si só, mesmo que essa não fosse a regra geral nas práticas escolares.

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leitura corrente, nos primeiros trinta anos de ensino graduado em Minas Gerais, era aquela feita de forma compreendida, interpretada, fluente e desembaraçada, que deveria ser exercitada em seqüência à aprendizagem da leitura inicial, mecânica, que era ensinada nos dois primeiros anos do curso primário, como foi visto no capítulo anterior. Pelo menos até a primeira metade dos anos vinte, a leitura corrente foi prescrita nos Programas de Ensino como objetivo do segundo semestre do 1° ano primário e, para sua prática, foram adotados livros de narrativas curtas e poesias.1 No entanto, o Programa de 1927 rompeu com este preceito e delimitou para o 1° ano, exclusivamente, “o primeiro grau da leitura mecânica”, de modo que o ensino fosse “apropriado às dificuldades dessa leitura”.2 Já para o 2° ano, foi determinado o “segundo grau da leitura mecânica, sem cuidar da interpretação”,3 que era um exercício da leitura corrente. De modo que a leitura corrente, na concepção de uma leitura interpretada, se tornasse uma ocupação mais específica dos 3° e 4° anos primários.

A

Os exercícios de interpretação da leitura foram prescritos nos Programas de Ensino da escola graduada, mais propriamente a partir dos anos dez, como uma atividade que

1

Cf. ANEXO I e Quadro 4.

2

Programa do Ensino Primário no Estado de Minas Gerais. Decreto n° 8.094

3

começaria a ser desenvolvida a partir do 2º ano e progrediria nos anos subseqüentes.4 E para a sua prática, no 2° ano escolar, durante o período analisado aqui (1906-1930), foram adotados livros de narrativas curtas e poesias, predominantemente aqueles do tipo série graduada. Ou melhor, aqueles que se vinculavam a uma série ou nível escolares e eram organizados em lições ou unidades.5 Já para os 3° e 4° anos, o Conselho Superior adotou, para a leitura corrente, livros do tipo isolados, aqueles que menos claramente apresentam suas funções escolares, embora elementos do título e da organização permitam inferir uma destinação escolar.6 Estes livros continham histórias mais longas e composições poéticas, havendo pouca variação entre os títulos prescritos para o 3° e para o 4° ano.

Como os livros do tipo isolados não apresentam com clareza suas funções escolares, estas só puderam ser identificadas com precisão mediante o conhecimento de sua função nas escolas primárias. Foi, portanto, através do cruzamento de informações sobre seus usos — prescrições em Programas de Ensino, indicações de educadores, pedidos, recebimentos e conhecimento de sua existência em acervos escolares e listas de adoção pelo Conselho Superior da Instrução — que se pôde conhecer exatamente sua utilização como manuais escolares, ou seja, aqueles cuja função escolar era de servir de suporte à disciplina de Leitura.