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PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E AS PRISÕES

2 CONTRIBUIÇÃO DE BECCARIA NA EVOLUÇÃO HISTÓRICA DAS

2.3 PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E AS PRISÕES

Constata-se que a situação de precariedade do sistema penitenciário desvirtua a própria finalidade da pena aplicada ao condenado, pois, infelizmente, vemos que a crise vem se agravando a cada dia, em face da omissão do Poder Público em adotar providências enérgicas para a melhoria das condições dos presídios, sob alegação de falta de recursos. Todavia, tal afirmação não pode continuar a ser invocada como justificativa para o desrespeito aos mais básicos direitos fundamentais dos presos, pois, segundo Freire Soares (2010, p. 156):

o argumento da reserva do possível não deve ser utilizado indiscriminadamente para qualquer situação concreta em matéria de direitos fundamentais, sem a necessária consideração da realidade social, pois não se afigura difícil a um ente público justificar sua omissão social perante critérios de política orçamentária e financeira, mitigando a obrigatoriedade do Estado em cumprir os direitos fundamentais, especialmente aqueles direitos sociais de cunho prestacional, que, por conseguinte, restariam inoperantes.

Na verdade, o descaso do Poder Público com a situação caótica do sistema penitenciário brasileiro decorre de razões puramente egoísticas e eleitoreiras, pois os presos não votam e a opinião pública entende que deve ser infligido aos criminosos o maior sofrimento possível dentro das prisões. Nesta linha de raciocínio, não obstante o extenso rol de direitos dos presos, com objetivo de garantir a preservação da dignidade humana dos mesmos, pode-se dizer que ocorre uma constitucionalização meramente simbólica dessas garantias, que são flagrantemente desrespeitadas.

Simplesmente editar leis prevendo melhorias para o sistema penitenciário não adianta, vez que as regras já existentes sobre os direitos dos presos resguardam todos os direitos básicos e, se cumpridas, fariam mais efeitos que projetos como o lançado em novembro do ano passado, o Programa Nacional de Apoio ao Sistema Prisional, que promete criar 42 mil novas vagas em presídios até 2014. A iniciativa tem duas metas principais: zerar o déficit de vagas para o sexo feminino e reduzir o número de presos em delegacias de polícia, transferindo-os para cadeias públicas. Também foi anunciada, na ocasião, uma série de novas normas que têm o objetivo de melhorar a gestão do sistema prisional.

Figura 3 – Sistema carcerário em números

Fonte: http://www.brasildefato.com.br/node/12147.

Ao invés de criar novas vagas, seria mais eficaz seguir o exemplo de países como os Estados Unidos e melhorar os presídios e delegacias já existentes, nos quais muitas vezes falta até alimentação para os internos. Assim como mais

importante seria atacar as causas do problema, através de programas sociais de base, que realmente produzissem efeito na redução dos índices de criminalidade.

Ademais, faz-se necessário, sobretudo, buscar alternativas viáveis a prisão, para que se possa quebrar a espiral do labelling aproach, segundo a qual os indivíduos provenientes de uma mesma classe social lotam cada vez mais os presídios e, sem outras oportunidades de vida, saem dispostos a cometer delitos cada vez mais graves para tentar a inclusão no sistema capitalista discriminatório que impera hoje em nosso país.

Além da precária situação dos presídios brasileiros exposta acima, analisando os dados carcerários além dos números, percebe-se que o mesmo reproduz o mecanismo de exclusão social que impera em nosso país. Desse modo, são as camadas mais baixas da pirâmide social que se amontoam em nosso precário sistema penitenciário, fazendo com que o sistema de justiça seja na verdade um sistema de injustiça e desigualdade social.

Com efeito, em sua obra, Adorno (1995) destaca de forma clara, além da grande disparidade numérica entre processos penais envolvendo réus negros e brancos, sendo aqueles em número muito superior, um maior rigor nas penas aplicadas aos réus negros, e uma maior dificuldade no acesso destes aos direitos básicos dentro do processo penal. Verifica-se, pois, na prática, uma dupla discriminação dos negros e pardos, pois além do fato da população negra e pobre ser o principal alvo do processo penal, existe também, como exposto anteriormente (Fig. 3), uma perseguição aos mesmos dentro do próprio sistema penal.

Importante aduzir que, para agravar ainda mais a caótica situação do sistema penitenciário brasileiro, os meios de comunicação vêm praticando um grande desserviço à sociedade brasileira no que pertine ao respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana. Existem atualmente inúmeros programas dedicados exclusivamente ao tema criminalidade. Tais programas se arvoram a autoridade para emitir opiniões sobre a criminalidade de forma sensacionalista e sem qualquer compromisso com a realidade dos fatos, sendo que estas opiniões possuem grande penetração e aceitação nas esferas sociais e incutem nos cidadãos ideias equivocadas sobre o tema direitos humanos.

Como consequência, a população, atemorizada com as notícias sensacionalistas acerca da prática de crimes, desenvolve um repúdio ao respeito dos direitos básicos dos presos, incentivando, e até exigindo, a prática estatal de

ignorar o princípio da dignidade da pessoa humana nos estabelecimentos penais brasileiros. Nesse contexto, mínguam cada vez mais os investimentos governamentais para melhorar a estrutura do sistema penitenciário como um todo, pois tais iniciativas se tornaram malvistas pela sociedade e não atendem aos objetivos “eleitoreiros” dos nossos agentes políticos. Todavia, é importante que se diga que existe grande parcela de culpa do Poder Judiciário nesta interferência indevida da mídia, ao ser tolerante com inverdades e notícias sensacionalistas a pretexto de permitir a liberdade de expressão e evitar a censura.