• Nenhum resultado encontrado

Princípio da igualdade

No documento Discriminação por sobrequalificação (páginas 45-78)

4.1. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO CONCEITO DE IGUALDADE

De acordo com as lições de Fábio Konder Comparato, “foi durante o período axial da História que despontou a idéia de uma igualdade essencial entre todos os homens”. Essa idéia, contudo, não emergiu de forma homogênea em todas as sociedades e momentos históricos, incorporando, ao contrário, manifestações diversas ao longo do tempo, variando conforme a época, a cultura e os valores vigentes, o que torna o estudo dos valores e costumes das diferentes sociedades requisito essencial para a compreensão de sua evolução e do estágio em que se encontra atualmente nos diversos ordenamentos jurídicos e na esfera internacional. O autor português Guilherme Machado Dray observa com muita propriedade que “no plano jurídico o conceito de igualdade revela-se historicamente como uma idéia dinâmica, constantemente adaptável ao dever social e às mutações operadas na sociedade”87. Aduz ainda que por se tratar de uma idéia centrada no homem e na afirmação da dignidade, o princípio ora estudado “desenvolveu-se, não raras vezes, através do impulso emergente das classes mais desfavorecidas e de forma casuística, tendo em vista a superação de situações concretas de desigualdades naturais, jurídicas, reais ou factuais”88 .

Estudando a evolução histórica do princípio da igualdade, ou melhor do ideal de igualdade que resultou nele, percebe-se que, embora a consagração definitiva da igualdade perante a lei surja após a transição para o Estado Moderno, a idéia de tratamento igualitário e antidiscriminatório remonta a épocas bem mais remotas. Ao longo desta evolução, é possível identificar inúmeras concepções

87

DRAY, Guilherme Machado.Op. cit., p. 19.

88

atribuídas ao referido postulado, entre as quais três merecem destaque: o princípio da igualdade perante a lei enquanto realidade de índole formal, o princípio da igualdade perante a lei numa acepção material e o princípio geral da igualdade de oportunidades enquanto projeto de igualdade real.

Guilherme Machado Dray atribui aos estóicos e ao cristianismo a proclamação do princípio da igualdade entre todos os homens de qualquer condição, como princípio fundamental da existência humana89.

O autor lusitano nega responsabilidade pela origem do princípio em questão aos filósofos gregos em razão deles falarem sobre igualdade em sociedades escravocratas, sendo os estóicos e os cristãos os primeiros a defender a extensão do tratamento igualitário até mesmo aos escravos. Em sua obra, o autor lusitano destaca que os renomados filósofos Platão e Aristóteles escreviam para os cidadãos livres, e que a sociedade em que viviam aceitava e concebia o regime da escravidão como algo natural, erro que somente seria corrigido pelos estóicos. Segundo Dray, coube a estes, efetivamente, a superação do inigualitarismo de base existente entre os homens, bem como a repulsa pela concepção da escravatura como algo natural. Neste sentido Cícero proclamaria a igualdade natural entre todos os homens, ao passo que Sêneca afirmaria a natureza idêntica entre o escravo e seu amo. Diante destas ponderações, o autor lusitano conclui com perfeição que “A igualdade é assim elevada a princípio fundamental da existência humana, sendo finalmente afirmada a idéia de que todos os homens são naturalmente iguais e de que esta mesma igualdade é essência da Justiça”90.

Por mais que se concorde com as ponderações do autor lusitano, há que se reconhecer que o tema da igualdade de tratamento já era abordado e ocupava a mente dos filósofos gregos; sendo certo que de suas construções filosóficas brotaram muitos dos conceitos que hoje dão suporte ao tema. Em verdade, a convicção

89

DRAY, Guilherme Machado. Op. cit., p. 23. No tocante às sociedade orientais, tantas vezes olvidadas em nossos estudos, alguns autores identificam ideais igualitários nos ensinamentos de Buda e Confúcio. Neste sentido o magistério de Lucylla Tellez Merino, segundo quem “Também no Oriente a visão da igualdade entre os homens, já bem mais aproximada da ótica cristã, se fez florecer, nos ensinamentos de Buda e Confúcio, o primeiro disseminando valores éticos de tolerância, respeito, generosidade, e o segundo divulgando sua doutrina de altruísmo, no reconhecimento do caráter de justiça no agir igualitário”. (Op. cit., p. 36).

de que todos os seres humanos têm direito a serem igualmente respeitados, pelo simples fato de sua humanidade, segundo as lições de Fábio Konder Comparato, nasce vinculada a uma instituição social de capital importância: a lei escrita, como regra geral e uniforme, igualmente aplicável a todos os indivíduos que vivem numa sociedade organizada. E, conquanto a lei escrita tenha alcançado entre os judeus uma posição sagrada, como manifestação da própria divindade, foi na Grécia, particularmente em Atenas, que a preeminência da norma escrita tornou-se, pela primeira vez, o fundamento da sociedade política91.

Os gregos distinguiam três espécies de igualdades: a isonomia, ou igualdade perante a lei; a isegoria, que seria o igual direito de levantar-se para aconselhar a cidade, o direito de falar nas assembléias da cidade; e a isocrítica, possibilidade do interlocutor criticar o falante e o conteúdo de sua as assertivas92. Aplicando estes conceitos aos nossos tempos, Lutiana Nacur Lorentz, asseverou que, modernamente, a isonomia (ou isotopia) liga-se, em seu aspecto mínimo mais superficial, às noções de generalidade, de abstração da lei e à necessidade de sua obediência obrigatória para a sociedade, ao executivo, ao legislativo, ao judiciário, etc.; enquanto isegoria estaria ligada ao direito de votar e ser votado (repelindo os votos censitários, a exclusão de determinadas categorias de elegibilidade, etc.), além da participação em igualdade de condições nos processos judicial e administrativo; e isocrítica à possibilidade de participação nos devidos processos legislativo judiciário e administrativo através da perspectiva da crítica aberta às partes com aplicação da ampla defesa93.

Acerca dos gregos, Guilherme Machado Dray destaca que muito embora os pré-socratícos, em especial Heráclito, Empédocles, Demócrito e Alcidamante, já defendessem a idéia de igualdade entre os homens, permanente e duradoura, incorruptível e universal, foi somente com Platão que ela mereceu maiores desenvolvimentos. Neste grande filósofo pode-se ler “Nós e os nossos, que somos

90

DRAY,Guilerme Machado. Op. cit., p. 23/25.

91

COMPARATO, Fábio Konder. Op. cit., p. 12.

92

LORENTZ, Lutiana Nacur. A norma da igualdade e o trabalho das pessoas portadoras de deficiência. São Paulo: LTr, 2006, p. 35.Carlo Cursio, citado por Guilherme Machado Dray (op. cit., p. 23) apresenta nomenclatura diversa e conceitos um pouco díspares. Segundo ele: “os gregos distinguiam três espécies de igualdades: a isonomia, ou igualdade perante a lei; a isotimia, ou igual direito dos cidadãos de ocupar cargos públicos; e a isegoria, ou igual direito de exprimir com a palavra o próprio pensamento”.

todos irmãos, nascidos de uma mãe comum, não nos olhamos como escravos, nem como mestres uns dos outros; mas a igualdade de origem estabelecida pela natureza nos obriga a procurar a igualdade política e a não reconhecer outra superioridade senão a da virtude e da sabedoria”94.

Leila Pinheiro Bellintani observa que pensadores antigos como Sólon e Péricles já enunciavam a sua importância como um elemento essencial da justiça. Quanto a Platão, ela afirma que em seus escritos haveria a defesa de uma igualdade de oportunidades entre os indivíduos em determinados aspectos da vida social, tais como o acesso aos cargos públicos95.

Aristóteles, por sua vez, em sua clássica obra Política, concebia justiça como o tratamento igualitário entre os iguais e desigual entre os desiguais96. Esta observação mereceu críticas de Leila Bellitani, para quem soa contraditório o filósofo grego associar justiça e igualdade ao mesmo tempo em que defendia a desigualdade como algo natural, argumento utilizado para justificar a existência e a perpetuação da escravidão97.

93

LORENTZ, Lutiana Nacur. Op. cit., p. 37.

94

DRAY, Guiherme Machado. Op. cit., p. 24/25.

95

BELLINTANI, Leila Pinheiro. Ação afirmativa e os princípios do direito: a questão das quotas raciais para Ingresso no Ensino Superior no Brasil. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 9.

96

“Todos os homens se apegam a algum tipo de justiça, mas a concepção de cada um é imperfeita e não expressa a idéia completa. Por exemplo, alguns pensam que justiça é igualdade, e efetivamente o é, embora não o seja para todos e sim para aqueles que são iguais entre si. Também se pensa que a desigualdade pode ser justa, e de fato o pode, mas não para todos e sim para aqueles que são desiguais entre si. Também se pensa que a desigualdade pode ser justa, e de fato o pode, mas não para todos e sim para aqueles que são desiguais entre si”. (Aristóteles. Política. Tradução de Politikón, cotejada com a tradução inglesa de Benjamim Jowet e a tradução francesa de M. Thurot. São Paulo: 2006, p. 126). Em outra passagen destacou ainda: “os homens que são iguais em uma só coisa não devem ser considerados iguais em todas as outras coisas, nem os desiguais acerca de uma só coisa devem ser considerados desiguais em todas as outras coisas, conclui-se que todas as formas de constituição baseadas em uma igualdade o desigualdade são perversões da constituição ideal”(Ibidem, p. 134) e “A igualdade consiste em dar o mesmo tratamento a pessoas semelhantes” (Ibidem, p. 256). Norberto Bobbio após ponderar que “o conceito e o valor da igualdade mal se distinguem do conceito e do valor da justiça na maioria de suas acepções, tanto que a expressão liberdade e justiça é freqüentemente utilizada como equivalente da expessão liberdade e igualdade”(BOBBIO, Norberto. Igualdade e liberdade. 2ª edição. Rio de Janeiro: Ediouro, 1997, p.14), conclui asseverando que “Se se quer conjugar os dois valores supremos da vida civil, a expressão mais correta é liberdade e justiça e não liberdade e igualdade, já que a igualdade não é por si mesma um valor, mas o é somente na medida em que seja uma condição necessária, ainda que não suficiente, daquela harmonia do todo, daquele ordenamento das partes, daquele equilíbrio interno de um sistema que mereça o nome de justo” (ibidem, p. 16).

97

Essa contradição exposta no pensamento de Aristóteles é posteriormente corrigida por Sêneca e por Cícero, que propagam que os homens são sim iguais entre si e que os escravos são da mesma natureza que os seus amos. Estabelece-se, então, a natureza igualitária entre os seres humanos98.

A idéia de igualdade entre todos os homens, de amor concedido para o homem pelo simples fato de ser ele humano, independentemente de qualquer distinção exterior, inclusive no que se refere à nacionalidade, veio a se consolidar grandemente com o cristianismo. Sobretudo, porque, como salienta Lucylla Tellez Merino, “a partir do advento de Jesus superou-se a errônea divulgação de que só havia um povo escolhido, no sentido geográfico ou racista aplicado ao vocábulo”99.

Guilherme Dray constata ainda que a igualdade natural no homem, como conseqüência necessária do direito natural, teria sido igualmente afirmada nos grandes textos jurídicos romanos e na doutrina dos Padres da Igreja, sendo unânime o reconhecimento de que a escravatura era uma criação (perversa) da humanidade100.

Em especial o autor lusitano destaca os ensinamentos de Santo Agostinho, para quem o Direito, ou o justo, seria o que pela sua própria natureza é adequado ou ajustado à medida de alguém, e a Justiça seria a virtude que dá a cada um o seu, ou o quanto lhe é devido. Assim, a lei só poderia ser justa quando contemplasse a idéia de igualdade, pelo que Dray conclui que a igualdade seria requisito essencial da lei 101.

O mesmo autor pondera ainda que Santo Agostinho teria retomado a clássica distinção de Aristóteles entre justiça aritmética e justiça geométrica, para elaborar a sua distinção entre a justiça comutativa (ou sinalagmática) e a justiça distributiva. A primeira relativa à relação entre as pessoas privadas, exigindo uma absoluta igualdade na troca ou comutação entre privados. A segunda, por sua vez, referir-se-ia às relações entre os cidadãos e o poder político instituído, exigindo apenas

98

Ibidem, p.9.

99

MERINO, Lucyla Tellez. Op. cit., p. 37.

100

que os representantes da comunidade repartissem os encargos segundo a capacidade de resistência de cada membro da sociedade e os bens públicos de acordo com a respectiva dignidade e mérito. Segundo o português, para Aristóteles, na justiça distributiva não se exigia uma igualdade absoluta, mas sim a atribuição a cada um daquilo que lhe era digno, uma vez que tratar igualmente o desigual traduzir-se-ia seguramente numa desigualdade102.

Na Época Medieval, por sua vez, distinguiam-se os comandos gerais e os comandos particulares. Aqueles caracterizados por seu caráter genérico e abstrato e qualificados como Leis, estes por seu caráter pessoal ou individual eram chamados Privilégios103.

Segundo Dray, a idéia então proclamada era de que a igualdade, imposta pela Justiça, deveria estar associada à generalidade da lei, afastando-se conseqüentemente da concessão de privilégios.

A admissão de maneira inequívoca da igualdade jurídica (civil), coube, a Rousseau, na linha iluminista da filosofia do século XVIII, cujos ideais viriam a ser proclamados na Revolução Francesa de 1789104.

O referido iluminista concebia nos seres humanos duas espécies de desigualdade: uma chamada natural ou física, estabelecida pela natureza e consistente na diferença das idades, da saúde, das forças do corpo e das qualidades do espírito ou da alma; e outra, que se pode chamar de desigualdade moral ou política, dependente de uma espécie de convenção, estabelecida ou, pelo menos, autorizada ou consentida pelos homens105. A primeira das formas de desigualdade, seria, segundo o iluminista francês, de influência quase nula. A segunda forma é que deveria realmente ser combatida quando não concorrer na mesma proporção com a desigualdade física106. 101 Ibidem, p. 26. 102 Ibidem, p. 26. 103 Ibidem, p. 27. 104 Ibidem, p. 28. 105

ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens. São Paulo: Martin Claret, 2006, p. 31.

106

“a desigualdade, sendo quase nula no estado de natureza tira sua força e o seu crescimento do desenvolvimento de nossas faculdades e dos progressos do espírito humano, tornando-se enfim estável e legítima pelo estabelecimento da propriedade e das leis. Resulta ainda que a desigualdade moral

Não tardou para os novos ensinamentos saírem do papel e passarem ao Direito positivo, sendo adotadas pelas teorias do Constitucionalismo liberal. Desta feita, restaram incorporados pelas constituições americanas de 1787 e francesa de 1793, que se assentavam em um modelo liberal que postula a proclamação da igualdade no momento da aplicação da lei107.

Guilherme Machado Dray conclui, de modo irreparável, que a igualdade, da forma como então concebida, se assentava exclusivamente num processo de aplicação da lei e não na fase de criação do direito, possuindo, outrossim, natureza exclusivamente formal 108. Estava-se passando para uma nova forma de abordagem do problema da igualdade. A igualdade não mais era encarada como algo intimamente associado à noção de Justiça, mas sim a partir de uma idéia de relacionamento do homem com o poder político. Em suas palavras, “o constitucionalismo vem, nos termos enunciados, formalizar a igualdade como uma negação de privilégios e erigir, paralelamente ao direito de igualdade, um dever ou obrigação de igualdade”109.

Tem-se, assim, a primeira entre as três fases distintas e bem definidas da evolução do princípio da igualdade, apontadas pela doutrina110. Neste primeiro momento, ele aparece basicamente confundido com o princípio da prevalência da lei. Prevalecia então uma visão meramente formal do princípio e estava implícita a idéia do tratamento igual pela norma em termos absolutos. Em outras palavras, embora autorizada unicamente pelo direito positivo, é contrária ao direito natural todas as vezes que não concorre na mesma proporção com a desigualdade fisica”. (Ibidem, pp. 87/88).

107

DRAY, Guilherme Machado. Op. cit., p. 28. Esclarecedoras são as lições de Guilherme Machado Dray: “O princípio da “igualdade perante a lei” emerge, no essencial, dos movimentos revolucionários do século XIX que despontaram na América do Norte e em França e que deram origem a um elemento capital da política moderna: o constitucionalismo. Trata-se de uma concepção que assenta na idéia de que todos os homens são iguais perante a lei e de que todos os cidadãos são iguais em direitos e deveres. Ou seja, não é a igualdade que está “perante” a lei, mas sim os indivíduos. São os indivíduos, ontologicamente tidos como iguais, que estão perante a lei, sendo absurdo pensar, por esta razão, que a igualdade dos indivíduos perante a lei se pudesse exprimir na própria lei e no seu acto de criação” (op. cit., p. 29). Segundo Vera Lúcia Carlos, “Foi com inspiração na idéias de Rousseau que os revolucionários franceses passaram a defender o princípio da soberania popular e da igualdade de direitos, impondo ao Estado o dever de editar regras gerais e impressoais, com a finalidade de acabar com a diferença de tratamento entre os povos”(CARLOS, Vera Lúcia. Discriminação nas relações de trabalho. São Paulo: Editora Método, 2004, p. 20).

108

Ibidem, p. 20.

109

Ibidem, pp. 29/30.

110

se reconhecesse a existência de desigualdade entre homens, estas eram tidas por irrelevantes quando da elaboração e aplicação dos dispositivos legais. Segundo a referida autora, os legisladores e intérpretes de então trabalhavam sempre presos ao paradigma de que todos os homens estariam sujeitos às mesmas condições e adversidades sociais, e deveriam, portanto, ser normativamente equiparados. Para eles o que importava, de fato, era que todos os indivíduos estivessem submetidos às mesmas regras 111.

Essa concepção, não obstante tenha representado importante avanço por ter resultado na diminuição dos privilégios de nascimento e de condição social, não se mostrou suficiente para implantar na sociedade um verdadeiro tratamento igualitário. Passa-se, então, a enfocar o princípio da igualdade de uma maneira diversa da anterior, abandonando-se a idéia de que haveria uma eqüidade absoluta entre os homens, e adotando a idéia de relatividade, em que o indivíduo é visto como um ser social, na medida em que suas relações sociais o relativizam. Percebe-se então a necessidade de fomentar meios jurídicos capazes de combater tais anomalias sociais112.

Surgem duas novas concepções do princípio da igualdade, a vedação da discriminação e a proibição do arbítrio, ambas com o escopo de eliminar preconceitos e discriminações verificados no seio das sociedades. É o momento em que são inseridos nas legislações tipos penais criminalizando condutas discriminatórias113.

Tampouco a simples vedação às discriminações e proibição do arbítrio se mostraram capazes de instaurar uma igualdade verdadeiramente substancial. Atentou-se, nesse momento, para a necessidade de promoção de medidas que efetivassem a ascensão das classes desprivilegiadas. A máxima de que os iguais deveriam ser tratados como iguais e os desiguais como desiguais passou a não mais estar associada a uma concepção meramente formal, em que as discriminações legais não eram possíveis. Reconheceu-se que a norma deveria

111

BELLINTANI, Leila Pinheiro. Op. cit., pp. 10/11.

112

BELLINTANI, Leila Pinheiro. Op. cit., pp. 11/12.

113

realmente tratar os desiguais desigualmente, concedendo-lhes certos benefícios, para que pudessem aproximar-se dos demais, ou seja, daqueles que não foram desprivilegiados e tiveram oportunidade de ascender socialmente114.

Mudado o entendimento em relação a esta questão, deparou-se com um novo problema, identificar quais características deveriam ser consideradas como mecanismos de comparação entre os homens, para que fossem concedidos tais benefícios. Isto porque nem toda característica do homem pode ser levada em consideração como justificativa para a edição de lei que tratasse diferentemente os desiguais. Segundo Leila Pinheiro Bellintanti houve doutrinadores que chegaram a, com base nisso, asseverar que o princípio da igualdade seria uma fórmula vazia, pois qualquer característica individual do homem poderia servir de justificativa para a adoção de tratamentos diferenciados, o que contrariaria a essência do princípio da igualdade115.

Segundo a mesma autora, o princípio da igualdade pode atualmente ser encontrado na quase totalidade das constituições vigentes, sob duas distintas dimensões que englobam os inúmeros significados por ele auferidos ao longo de sua evolução. São elas a concepção liberal, que reflete a idéia de que todos os cidadãos estão em igual posição perante a lei geral e abstrata, independentemente do seu status; a democrática, revelando-se na expressa proibição de discriminações e a social, impondo a eliminação de desigualdades fáticas, com o escopo de atingir uma igualdade real entre os indivíduos116.

Analisando-as conjuntamente, o que se pode depreender é que atualmente já não se parte do pressuposto de que haveria uma igualdade plena entre todos os homens, mas sim do postulado de que estes são

No documento Discriminação por sobrequalificação (páginas 45-78)

Documentos relacionados