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3 O MEIO AMBIENTE DO PONTO DE VISTA LEGAL E NUMA

3.5 OS PRINCÍPIOS DE DIREITO TRIBUTÁRIO E

3.5.1 Princípio da legalidade

A legalidade é um dos princípios basilares do ordenamento pátrio, sendo um dos sustentáculos do Estado Democrático de Direito posto que o império e a submissão ao mesmo refletem uma situação de segurança jurídica assegurada no preâmbulo da Carta Política

brasileira. Também é uma forma de proteção da liberdade e prerrogativa do Estado Democrático, visto que impede uma intervenção leviana do Estado sobre o particular, tendo este a prerrogativa do exercício dos direitos naturais inerentes a cada pessoa, cujos limites não podem ser estabelecidos senão pela lei.

Em termos gerais o princípio da legalidade nos remete ao art. 5º, inciso II, da Constituição da República que enuncia: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Quer dizer, no âmbito do particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe.

Bem diferente é a legalidade como princípio da administração pública (art. 37, caput, da Constituição Federal33), que significa que o administrador público está, em toda a sua atividade funcional, sujeito aos mandamentos da lei. A eficácia de toda atividade administrativa está condicionada ao atendimento da lei, não havendo liberdade ou vontade pessoal. Diferentemente da esfera privada, na administração pública só é permitido fazer o que a lei autoriza. A lei para o particular significa poder-fazer, enquanto que para o ente público é um dever-fazer. Não é por demais lembrar que na seara tributária a atividade de lançamento é vinculada, ex vi do parágrafo único do art. 142 do Código Tributário Nacional (CTN).

Importa mais propriamente trazer à baila o princípio da legalidade tributária. A legalidade é a própria essência da tributação e não é por acaso que a Constituição de 1988, no capítulo que trata das limitações do poder de tributar, o referido princípio aparece em primeiríssimo lugar34 como garantia do contribuinte sobre o poder do Estado, limitando a sua ação. Celso Ribeiro Bastos (2002) ensina que o princípio da legalidade mais se aproxima de uma garantia constitucional do que de um direito individual. Ives Gandra (MARTINS, 2005, p. 1) afirma que

Em outras palavras, a legalidade, isto é, a produção de lei com todo o perfil da imposição bem definido, tipificado, sem generalidades ou abrangências convenientes ou coniventes, é uma garantia do contribuinte contra a voracidade fiscal, que, no Brasil, o tempo, infelizmente, não consegue atenuar, mas exacerbar.

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Art. 37. A administração pública [...] obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, [...]. 34

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I – exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça; [...].

O princípio da estrita legalidade tributária em comento, tendo em vista as suas bases constitucionais relatadas, afasta o uso da analogia para a exigência de tributo não previsto em lei (disposição prevista no art. 108, § 1°, do CTN).

Exigir um tributo é sinônimo de criar um tributo, e isto é estabelecer todos os critérios pertinentes ao tributo, vale dizer, o que a lei deve prever não é apenas a hipótese de

incidência, em todos os seus aspectos, deve, também, estabelecer tudo o quanto seja

necessário à existência da relação obrigacional tributária.

Aumentar tributo é majorar a exação por meio de ampliação da base de cálculo ou da alíquota e isso só é possível através de lei. Não obstante a necessidade de lei em sentido formal e material para a regulamentação de tributos é certo que há algumas exceções à regra da reserva de lei em sentido formal, nas quais a Constituição se contenta com a simples reserva material, ou seja, possibilita a alteração de alíquotas por mero ato do Poder Executivo. Este é o caso para os impostos de importação, de exportação, sobre produtos industrializados e sobre operações de crédito, câmbio e seguros ou relativos a títulos ou valores mobiliários (art. 153, § 1º, da Constituição) e, ainda, sobre a contribuição de intervenção no domínio econômico, capitulada no § 4º do art. 177 da CRFB, onde, por ato do poder executivo, a alíquota de tal contribuição pode ser restabelecida. Tal flexibilidade facultada ao Poder Executivo, que não tem a incumbência de criar tributos por mera liberalidade (essa é tarefa do poder legiferante), deve-se ao caráter de extrafiscalidade35 desses tributos. Essa prerrogativa não fere o princípio da legalidade, tendo em vista o próprio mandamento conter a expressão “atendidas às condições e os limites estabelecidos em lei”.

Importante discorrer neste momento acerca do vocábulo lei, dado a especial relevância para o adequado entendimento do princípio da legalidade. Em sentido formal, lei é o ato jurídico produzido pelo Poder competente para o exercício da função legislativa, nos termos estabelecidos pela Constituição. Em sentido material, lei é uma prestação jurídica hipotética. Para o direito tributário a palavra lei é usada em seu sentido restrito (lei no sentido formal e material, ao mesmo tempo), significando regra jurídica de caráter geral e abstrato, emanada do poder ao qual a Constituição atribuiu competência legislativa, com observâncias às regras constitucionais pertinentes à elaboração das leis.

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Uma abordagem mais completa sobre o conceito de extrafiscalidade tributária o leitor poderá obter numa leitura do item 4.1.

Vale, ainda, fazer uma distinção entre o princípio da legalidade e o da reserva legal, sendo que este trata de competência sobre determinadas matérias que só podem ser tratadas mediante lei e, portanto, vedado o uso de qualquer outra espécie normativa.

No nosso sistema jurídico, existem leis ordinárias e complementares, que se diferenciam do ponto de vista substancial ou material, já que as leis complementares devem ser editadas nos casos em que a Constituição Federal determina expressamente. Assim determina, por exemplo, os artigos. 146, 148, 153, inciso VII e 154 e seus incisos. Há também uma diferenciação do ponto de vista formal, tendo a lei complementar numeração própria e caracterizando-se pela exigência de quórum especial (maioria absoluta) para sua aprovação (art. 69 da Constituição Federal).

A Constituição, portanto, delimita o âmbito material reservado às leis complementares. E, na seara tributária, o âmbito por excelência das leis complementares está no estabelecimento de normas gerais em matéria de legislação tributária, além da regulação dos conflitos de competência, em matéria tributária, entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios e das limitações constitucionais ao poder de tributar, conforme se percebe da leitura do artigo 146 da Constituição Federal. É nesse artigo e seus incisos que se concentra o âmbito de atuação das leis complementares em matéria tributária, que devem tratar de normas gerais em matéria de legislação tributária, regulando as disposições da Constituição.

A lei complementar apenas pode facilitar a compreensão das normas constitucionais pertinentes. Mal comparado, podemos dizer que, aqui, a lei complementar funciona, em relação à Carta Magna, como o regulamento em relação à lei, estabelecendo os pormenores normativos que vão ensejar a correta aplicação da regra superior (CARRAZA, 1990, p. 356).

Deve-se ressaltar, e isso é muito importante em matéria tributária, que só é lei complementar aquela que trata de matérias a ela reservadas pela Constituição. Se tratar de matéria não reservada pela Constituição a essa espécie normativa será ela, nesse ponto, uma lei ordinária36.

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É certo que há tese defendendo que a Constituição não define as leis complementares, nem diz que estas estão reservadas a determinadas matérias. Não contêm norma dizendo que são leis complementares aquelas que tratem das matérias que indica. Defende-se, então, que o que caracteriza as leis complementares é a exigência de quórum especial para sua aprovação (art. 69). Deste modo, alega-se que, sem dispositivo expresso da Constituição que afirme o contrário, caracteriza-se a lei complementar por seu aspecto formal. Nada obstante a essa tese, sustentada por Hugo de Brito Machado(2003, p. 82-83), não é esse o entendimento do Supremo

Os alicerces do direito tributário brasileiro foram estabelecidos no Código Tributário Nacional, e dentre as partes consideradas fundamentais, cabe destaque o tratamento que o CTN concedeu à questão do princípio da legalidade.

O princípio da legalidade no direito tributário adquire contornos diferenciados, pois na relação jurídica tributária ocorrem interesses opostos: o Estado buscando fontes de recursos através da tributação, e o povo buscando meios de fugir à carga tributária. Trata-se de divergência que percorre a história do homem, desde que se iniciou a cobrança do tributo.

O princípio da legalidade tributária busca, antes de tudo, estabelecer regras claras, dirigidas aos entes que detenham competência tributária e que sirvam de garantia para que a sociedade tenha clareza dos limites sobre a tributação.

O CTN assegura, no art. 9o, inciso I, a lei prévia para instituição, ou majoração do tributo, e a Constituição Federal, no art. 150, garantiu a reserva legal para esta previsão e ampliou-a, de tal sorte que retira da esfera do Poder Executivo a possibilidade de criar ou aumentar tributo sem lei.

Cabe ainda ressaltar que o CTN faz distinção precisa entre lei e legislação. Esta é ampla, corresponde a leis, tratados, convenções decretos e as normas complementares, enquanto aquela é restrita, a lei formal, correspondendo às espécies produzidas pelo parlamento, como se verifica no art. 96 do CTN.

A reserva legal estabelecida pelo art. 97 do CTN é a verdadeira proteção aos direitos subjetivos dos particulares, uma garantia contra o arbítrio dos órgãos de aplicação do direito, quer sejam do Executivo, quer sejam do Judiciário. O CTN optou pela formulação mais restritiva do princípio da legalidade, convertendo-a numa reserva absoluta da lei. A lei deve conter não só o fundamento da conduta da Administração, mas também o critério da decisão no caso concreto.

O princípio da reserva legal constante no art. 97 do CTN deve ser observado por todas as pessoas jurídicas de direito público interno que possuam competência tributária, uma vez que o comando estabelecido evidentemente é aplicado conjugado com o art. 150 da Constituição Federal, pois este se refere à União, Estados, Distrito Federal e Municípios.

Tribunal Federal, que entende que só é lei complementar aquela que trata de matérias a ela reservadas pela Constituição. Se tratar de matéria não reservada pela Constituição a essa espécie normativa será ela, nesse ponto, uma lei ordinária.

Vale ressaltar que no âmbito do direito tributário o princípio da legalidade é ainda conjugado com outros princípios, e dentre estes merece destaque o da irretroatividade das leis, que está insculpido no art. 150, III, da Constituição.

Cumpre observar que as obrigações acessórias não estão adstritas ao princípio da legalidade restrita, podendo ser estabelecidas pela legislação, no sentido amplo do CTN, nos termos do art. 113, § 2°.

Há entendimento doutrinário de que há ressalvas ao legislador do princípio da reserva restrita da lei, é o caso dos impostos que podem ser majorados sem necessidade de lei. Mas, em verdade, não há fragilidade ou exceção à regra, mas sim a permissão para que o Executivo, nas condições e limites estabelecidos na lei, altere alíquotas do Imposto de Importação, Imposto de Exportação, Imposto sobre Produtos Industrializados e Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguro, ou relativas a títulos ou valores imobiliários. Esta flexibilidade funda-se no fato de que estes impostos têm função extrafiscal, portanto, o Estado se vale deste instrumento para intervir no domínio econômico e busca a resolução de problemas conjunturais através de rápido manejo das alíquotas.

Da mesma forma que há expressa reserva legal para proteger o particular de investidas autoritárias, o princípio da reserva restrita da lei alcança os benefícios tributários: isenção, anistia, remissão e outros, que só podem ser concedidos por lei específica, nos termos do art. 150, § 6° da CF. O que inequivocamente é uma garantia para a sociedade, pois o orçamento do ente não pode ser reduzido ou comprometido por políticas aventureiras de concessão desenfreada de benefícios fiscais aleatórios.