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CAPÍTULO 4 CONTROLE JUDICIAL DA DISCRICIONARIEDADE

4.4 Princípios da Administração Pública

4.4.2 Princípio da segurança jurídica

Considerando a diversidade de interesses contrastantes existentes na sociedade, há a necessidade de existir uma força superior a fim de superar os desequilíbrios daí surgidos. O Direito surge, portanto, como meio necessário a possibilitar a convivência social almejada, impondo regras de manutenção da paz entre os membros da sociedade e meios que assegurem seu cumprimento.

Então, pode-se extrair que na própria ideia de Direito está inserida a de segurança jurídica, de modo a viabilizar e a propulsionar as relações sociais. Por isso, afirma Celso Antônio Bandeira de Mello que,

se acaso não é o maior de todos os princípios gerais de Direito, como acreditamos que efetivamente o seja, por certo é um dos maiores dentre eles. Por força do sobredito princípio cuida-se de evitar alterações surpreendentes que instabilizem a situação dos administrados e de minorar os efeitos traumáticos que resultem de

225 PEREIRA, C. A. G. Discricionariedade e apreciações técnicas da administração. Revista de Direito

Administrativo, n. 231, p. 227-228.

novas disposições jurídicas que alcançariam situações em curso. A prescrição, o direito adquirido, são exemplos de institutos prestigiadores da segurança jurídica.227

Mas como conciliar este princípio com a ideia de discricionariedade que permite à Administração agir com certa liberdade e decidir casos com o mesmo fundamento legal de formas distintas visando atender o interesse público?

Mesmo que a discricionariedade, por causa da margem legal de liberdade de decisão conferida ao agente público, possa gerar alguma incerteza quanto à decisão a ser adotada pela Administração, não haverá qualquer ofensa ao princípio da segurança jurídica se o ato administrativo for praticado visando atingir as finalidades específica e genérica da lei.

Desta forma, não há que se falar em insegurança nas relações jurídicas envolvendo a Administração Pública, pois o administrado deve sempre ter ciência de que o ato cumprirá o pressuposto teleológico da lei, ainda que o meio para atingi-lo possa variar de caso para caso, em razão das especificidades apresentadas por cada situação empírica.

Na verdade, o ordenamento jurídico contempla a discricionariedade justamente para que o administrador viabilize a necessária flexibilização do Direito, a fim de que este acompanhe as mudanças da sociedade para o qual foi criado.

A violação ao princípio da segurança jurídica também ocorre pela ausência ou insuficiência de motivação do ato administrativo, pois impossibilita a ciência do administrado quanto aos motivos do ato, impossibilitando a realização do controle pelo Poder Judiciário.

Sobre o assunto, Almiro do Couto e Silva entende que a segurança jurídica é entendida como sendo um princípio jurídico que se ramifica em duas partes: uma de natureza objetiva e outra de natureza subjetiva. A primeira, de natureza objetiva, é aquela que envolve a questão dos limites à retroatividade dos atos do Estado até mesmo quando estes se qualifiquem como atos legislativos. Diz respeito à proteção ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada.228

227 Curso de direito administrativo. p. 77.

228 O princípio da segurança jurídica (proteção à confiança) no direito público brasileiro e o direito da

administração pública de anular seus próprios atos administrativos: o prazo decadencial do art. 54 da Lei de Processo Administrativo da União (Lei 9784/99). Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, 237: 271- 315, jul/set 2004, p. 273.

A outra, de natureza subjetiva, concerne à proteção à confiança das pessoas no pertinente aos atos, procedimentos e condutas do Estado, nos mais diferentes aspectos de sua atuação.229

Prossegue o autor afirmando que, modernamente, no direito comparado, a doutrina prefere admitir a existência de dois princípios distintos, apesar das estreitas correlações existentes entre eles. Falam os autores, assim, em princípio da segurança jurídica quando designam o aspecto objetivo da estabilidade das relações jurídicas, e em princípio da proteção à confiança quando aludem ao aspecto subjetivo.

Com relação à jurisprudência, poucas são as decisões que invocam o princípio da segurança jurídica no seu aspecto subjetivo. O Supremo Tribunal Federal está, aos poucos, qualificando em suas decisões o princípio da segurança jurídica como princípio constitucional na posição de subprincípio do Estado de Direito.230

229 O princípio da segurança jurídica (proteção à confiança) no direito público brasileiro e o direito da

administração pública de anular seus próprios atos administrativos: o prazo decadencial do art. 54 da Lei de Processo Administrativo da União (Lei 9784/99). Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, 237: 271- 315, jul/set 2004, p. 274.

230 MS 24268 / MG - MINAS GERAIS MANDADO DE SEGURANÇA Relator(a): Min. ELLEN GRACIE

Relator(a) p/ Acórdão: Min. GILMAR MENDES Julgamento: 05/02/2004 Órgão Julgador: Tribunal Pleno - DJ 17-09-2004 PP-00053 EMENTA: Mandado de Segurança. 2. Cancelamento de pensão especial pelo Tribunal de Contas da União. Ausência de comprovação da adoção por instrumento jurídico adequado. Pensão concedida há vinte anos. 3. Direito de defesa ampliado com a Constituição de 1988. Âmbito de proteção que contempla todos os processos, judiciais ou administrativos, e não se resume a um simples direito de manifestação no processo. 4. Direito constitucional comparado. Pretensão à tutela jurídica que envolve não só o direito de manifestação e de informação, mas também o direito de ver seus argumentos contemplados pelo órgão julgador. 5. Os princípios do contraditório e da ampla defesa, assegurados pela Constituição, aplicam-se a todos os procedimentos administrativos. 6. O exercício pleno do contraditório não se limita à garantia de alegação oportuna e eficaz a respeito de fatos, mas implica a possibilidade de ser ouvido também em matéria jurídica. 7. Aplicação do princípio da segurança jurídica, enquanto subprincípio do Estado de Direito. Possibilidade de revogação de atos administrativos que não se pode estender indefinidamente. Poder anulatório sujeito a prazo razoável. Necessidade de estabilidade das situações criadas administrativamente. 8. Distinção entre atuação administrativa que independe da audiência do interessado e decisão que, unilateralmente, cancela decisão anterior. Incidência da garantia do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal ao processo administrativo. 9. Princípio da confiança como elemento do princípio da segurança jurídica. Presença de um componente de ética jurídica. Aplicação nas relações jurídicas de direito público. 10. Mandado de Segurança deferido para determinar observância do princípio do contraditório e da ampla defesa (CF art. 5º LV)

MS 22357DF - DISTRITO FEDERAL MANDADO DE SEGURANÇA Relator(a): Min. GILMAR MENDES Julgamento: 27/05/2004 Órgão Julgador: Tribunal Pleno - Publicação =DJ 05-11-2004 EMENTA: Mandado de Segurança. 2. Acórdão do Tribunal de Contas da União. Prestação de Contas da Empresa Brasileira de Infra-estrutura Aeroportuária - INFRAERO. Emprego Público. Regularização de admissões. 3. Contratações realizadas em conformidade com a legislação vigente à época. Admissões realizadas por processo seletivo sem concurso público, validadas por decisão administrativa e acórdão anterior do TCU. 4. Transcurso de mais de dez anos desde a concessão da liminar no mandado de segurança. 5. Obrigatoriedade da observância do princípio da segurança jurídica enquanto subprincípio do Estado de Direito. Necessidade de estabilidade das situações criadas administrativamente. 6. Princípio da confiança como elemento do princípio da segurança jurídica. Presença de um componente de ética jurídica e sua aplicação nas relações jurídicas de