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CAPÍTULO III PROVAS ILÍCITAS

1.5. Princípio do Livre Convencimento Motivado

Primeiramente, cabe remeter à existência, no direito processual, de três grandes sistemas de avaliação da prova: o sistema da prova legal ou tarifada, o da livre apreciação e o do livre convencimento motivado ou também denominado pelos doutrinadores de sistema da persuasão racional.

O critério da prova legal ou tarifada considera que cada prova possui um valor previamente preconizado em lei, não sendo admissível sua valoração conforme impressões próprias.

Deve, o juiz, observar os exatos termos da lei quando da avaliação do conjunto probatório. Em decorrência disso, conquanto a prova produzida na ação judicial não demonstre a verdade e a lei lhe atribua valor, o magistrado precisa decidir com base nela, desconsiderando totalmente os fatores racionais que poderiam formar seu convencimento. Esse sistema de avaliação da prova foi muito utilizado no direito medieval, onde o valor da prova testemunhal era previsto em lei e o julgador estava vinculado a observá-lo.

Por exemplo, o depoimento de um servo jamais tinha o mesmo peso que o de um nobre. Porém, a declaração realizada por dez servos correspondia à de um nobre ou senhor feudal, embora o juiz tivesse certeza de que o depoimento prestado pelo servo era o verdadeiro61.

No sistema da livre apreciação da prova, o juiz é totalmente livre para formar seu convencimento acerca dos fatos, porque pode utilizar suas convicções pessoais, ainda que não decorram logicamente das provas e dos fatos constantes do processo.

Caracteriza-se este sistema como o oposto do critério da prova legal, uma vez que o magistrado não tem a obrigação de observar previsões legais valorativas atinentes à prova62.

Porém, é relevante o alerta dado quanto ao perigo pela opção ao critério da livre apreciação da prova, ipsis literis:

60 PORTANOVA, Rui. Ob. Cit. p. 243.

61 SILVA, Ovídio A. Baptista da. Ob. Cit. p. 348-349. 62Idem, p. 349-350.

No segundo, ao contrário, ao juiz se entrega poder arbitrário, porquanto, não apenas não se lhe limita o exame, podendo inclusive lançar mão de seu conhecimento privado, como se o dispensa de motivação. É o julgamento secundum conscientiam, de que serve como exemplo, hoje, e em nosso sistema processual penal, o que realiza o jurado. Exatamente porque de consciência, do julgamento se poderia demitir, ‘jurando sibi non liquere.63

Os sistemas probatórios modernos não utilizam o critério da prova legal, tampouco o da livre apreciação da prova. Existe a preferência por um modelo misto, chamado de livre convencimento motivado ou da persuasão racional, baseado em características dos dois tipos acima referidos.

O direito processual brasileiro, no que tange à avaliação da prova, optou pelo princípio do livre convencimento motivado ou da persuasão racional, conforme se depreende dos termos do artigo 131 do Código de Processo Civil pátrio, que determina que: “O juiz

apreciará livremente a prova, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes dos autos, ainda que não alegados pelas partes; mas deverá indicar, na sentença, os motivos que lhe formaram o convencimento”.

O julgador brasileiro, como regra, não está adstrito à lei no que se refere à valoração da prova, assim como não tem liberdade total para apreciá-la, porque há a condição de que se limite a observar os elementos probatórios pertencentes ao processo. Ademais, o artigo 93, IX, da CF/88, exige decisão fundamentada do magistrado, in verbis:

Artigo 93. Lei Complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios:

(...)

IX – todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei, se o interesse público o exigir, limitar a presença em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes.

O Superior Tribunal de Justiça, em várias decisões, suscitou a vigência do princípio do livre convencimento motivado ou da persuasão racional no sistema processual brasileiro, como também aduziu seu significado:

CRIMINAL. RMS. BUSCA E APREENSÃO. PROVA ILÍCITA. ILEGALIDADE NÃO-DEMONSTRADA DE PRONTO. IMPROPRIEDADE DO MEIO ELEITO. LEGALIDADE DA DECISÃO. FUNDAMENTAÇÃO SUFICIENTE. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E DESPROVIDO.

O mandado de segurança constitui-se em meio impróprio para a análise de questões que exijam o reexame do conjunto fático-probatório – como as alegações de que a decisão que determinou a busca e apreensão na residência de no escritório do

recorrente estaria fundamentada exclusivamente em prova ilícita, se não demonstrada, de pronto, qualquer ilegalidade. A busca e apreensão, como meio de prova admitido pelo Código de Processo Penal, deverá ser procedida quando houver fundadas razões autorizadoras a, dentre outros, colher qualquer elemento hábil a formar a convicção do Julgador. Não há qualquer ilegalidade na decisão que determinou a busca e apreensão na residência de no escritório do recorrente, se esta foi proferida em observância ao Princípio do Livre Convencimento Motivado, visando a assegurar a convicção por meio da livre apreciação da prova. Não obstante ser cabível a utilização de mandado de segurança na esfera criminal, deve ser observada a presença dos seus requisitos constitucionais autorizadores. Ausente o direito líquido e certo, torna-se descabida a via eleita. (ROMS nº 7691/DF, STJ, 5ª T, Rel. Min. Gilson Dipp, D.J. 03.06.02, negado provimento, unânime).

PROCESSO CIVIL. SENTENÇA. MOTIVAÇÃO. LAUDO PERICIAL. NÃO- ADSTRIÇÃO. PRINCÍPIO DO LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO. CULPA E NEXO CAUSAL. REVOLVIMENTO DE MATÉRIA FÁTICA.

ENUNCIADO N.7 DA SÚMULA/STJ.RECURSO ESPECIAL.

PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. RECURSO NÃO-CONHECIDO. I - Inadmissível em nosso sistema jurídico se apresenta a determinação ao julgador para que dê realce a esta ou aquela prova em detrimento de outra. O princípio do livre convencimento motivado apenas reclama do juiz que fundamente sua decisão, em face dos elementos dos autos e do ordenamento jurídico.

II - Nos termos do artigo 436, CPC, “o juiz não está adstrito ao laudo pericial, podendo formar sua convicção com outros elementos ou fatos provados nos autos”, sendo certo, ademais, que o princípio do livre convencimento motivado apenas reclama do juiz que fundamente sua decisão, em face dos elementos dos autos e do ordenamento jurídico. III - Para fins de pré-questionamento, é indispensável que a matéria seja debatida e efetivamente decidida pelo acórdão impugnado, não bastando que o Colegiado “mantenha” a sentença por seus próprios fundamentos. IV - O recurso especial não é a via apropriada para reexame de fatos e provas dos autos, a teor do enunciado n. 7 da súmula/STJ. (RESP nº 400977/PE, STJ, 4ª T, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, D.J. 03.06.02, não conhecido, por maioria).

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. LIVRE CONVENCIMENTO. REEXAME DAS PROVAS. VEDAÇÃO.

ENUNCIADO 7/STJ. EMBARGOS DECLARATÓRIOS. CARÁTER

INFRINGENTE. CPC, ARTIGO 535. OFENSA NÃO CARACTERIZADA. Estando bem fundamentado o acórdão recorrido, prevalece o princípio do livre convencimento motivado, segundo o qual o magistrado forma sua convicção a partir das provas, da legislação pertinente, da jurisprudência, sem estar vinculado às alegações de qualquer das partes. (AGA nº 405610/SP, STJ, 3ª T, Rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, D.J. 25.02.02, negado provimento, unânime)

“HABEAS CORPUS. TESTEMUNHA. ARTIGO 208 DO CPP. COMPROMISSO. O deferimento de compromisso à testemunha contraditada e que não poderia prestá- Lo, a teor da letra do artigo 208, última parte, do Código de Processo Penal, não vicia a ação penal, mas exterioriza-se como mera irregularidade, pois, não encerrada a instrução e dentro do princípio do livre convencimento motivado, o juiz, não adstrito a critérios de valoração apriorístico, atribuirá ao depoimento o peso que sua consciência indicar, mediante fundamentação, nisto residindo, como, aliás, assevera, na exposição de motivos do Código de Processo Penal, do Ministro FRANCISCO CAMPOS, “a suficiente garantia do direito das partes...”. (HC nº 11896/RJ, STJ, 6ª T, Rel. Min. Fernando Gonçalves, D.J. 21.08.00, denegada a ordem, unânime).

A propósito do mencionado princípio, importante comentário foi feito por Nelson Nery Júnior:

2.Livre convencimento motivado. O juiz é soberano na análise das provas produzidas nos autos. Deve decidir de acordo com o seu convencimento. Cumpre ao magistrado dar as razões de seu convencimento. Decisão sem fundamentação é nula pleno jure (CF 93 IX). Não pode utilizar-se de fórmulas genéricas que nada dizem. Não basta que o juiz, ao decidir, afirme que defere ou indefere o pedido por falta de amparo legal; é preciso que diga qual o dispositivo de lei que veda a pretensão da parte ou interessado e porque é aplicável no caso concreto. 64

Correto afirmar, então, a exigência de motivação em todas as decisões judiciais, ou seja, deve ocorrer a apresentação dos fundamentos pelos quais se está decidindo daquele modo. Além disso, não é apenas o Código de Processo Civil Brasileiro que adota, expressamente, o princípio do livre convencimento motivado (artigo 131), mas também o Código de Processo Penal Brasileiro, em seu artigo 157, dispondo que “o juiz formará sua

convicção pela livre apreciação da prova”.

Francisco Campos, na Exposição de Motivos do Código de Processo Penal, alude que a sentença precisa ser motivada, pois a observância desta exigência é garantidora da segurança contra os abusos ou excessos, os erros de apreciação.