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CAPÍTULO 3: O Movimento Punk no Brasil e suas Relações com a Educação

3.8 Princípio gerador Anarquista

Iniciaremos esse tópico listando os quatro princípios básicos de teoria e ação anarquistas. É importante termos essa noção antes de passearmos pelos temas, interesses e focos do movimento punk, assim como em suas formas de divulgação e distribuição dessas ideias. Esses princípios básicos constituem o princípio gerador anarquista, de acordo com o professor Sílvio Gallo (2007, p. 20, 21 e 22):

O primeiro é a autonomia individual. O socialismo libertário vê no indivíduo a célula fundamental de qualquer grupo ou associação, elemento esse que não pode ser preterido em nome do grupo. O indivíduo, enquanto pessoa humana, só existe se pertencente a um grupo social. A sociedade, por sua vez, só existe enquanto agrupamento de indivíduos que, ao constituí-la, não perdem sua autonomia, mas constroem. A ideia de indivíduo só é possível enquanto constituinte de uma sociedade. A ação anarquista é social, mas baseada em cada um dos indivíduos que compõe a sociedade, e voltada para cada um deles.

O segundo é a autogestão social. Para não ferir o princípio da liberdade individual, o Anarquismo é contrário a todo e qualquer poder institucionalizado, contra qualquer autoridade e hierarquização e contra qualquer forma de associação assim

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constituída. Ao contrário da democracia representativa, na qual alguns representantes são eleitos para agir em nome da população. Os libertários propõe uma democracia participativa, onde cada pessoa atue nos destinos políticos de sua comunidade.

O terceiro é o internacionalismo. Para os anarquistas, a constituição dos Estados-nação europeus foi um empreendimento ligado à ascensão e consolidação do capitalismo. Portanto, trata-se da expressão de um processo de dominação e exploração. Não é concebível para os anarquistas que uma luta política pela emancipação dos trabalhadores e pela construção de uma sociedade libertária possa se restringir a uma ou a algumas dessas unidades geopolíticas a qual chamamos países. Daí a defesa de um internacionalismo da revolução.

O quarto é a ação direta. A tática de luta anarquista é a da ação direta, as massas devem construir a revolução e gerir o processo como obra delas próprias. A ação direta anarquista traduz-se principalmente nas atividades de propaganda e educação, destinadas a despertar nas massas a consciência das contradições sociais a que estão submetidas, fazendo com que o desejo e a consciência da necessidade da revolução surja em cada um dos indivíduos. A principal fonte da ação direta foi a propaganda, através de jornais e revistas, assim como da literatura e do teatro. Outro veio importante foi o da educação – formal ou informal.

Tomando o anarquismo como princípio gerador, ancorado nesses quatro princípios básicos, podemos falar nele como um paradigma de análise político-social, pois existiria assim um único Anarquismo que assumiria diferentes formas e facetas de interpretação da realidade e de ação de acordo com o momento e as condições históricas em que fosse aplicado.

Esses quatro princípios estabelecidos pelo autor podem ser também relacionados ao movimento punk, em sua essência teórica e práticas de atuação. Como confirmamos através da análise dos fanzines, em um primeiro momento de forma ingênua e, posteriormente, com conhecimento e busca de informações sobre o Anarquismo. Para ilustrar esse interesse do punk pelo pensamento libertário, recortamos um trecho do fanzine “Revoltados da Nação” número 2 de 1989.

O movimento Punk verdadeiro foi um movimento feito por TRABALHADORES REVOLTADOS simultaneamente com o perigo NUCLEAR e as grandes piadas de “Bem-Estar social”, Racismo e outras atrocidades impostas pelo sistema.

O PUNK é um movimento super-consciênte, que luta, em favor dos explorados, Maltratados, pobres, etc. Sem esquecer que a principal

174 luta é pelos direitos iguais, é o único movimento que não se prende a sistema algum, sem governo, líderes, heróis, etc.

A causa do punk é lutar pelos direitos iguais é que o nosso movimento não tem preconceito algum, daí surgiu a ANARQUIA, movimento que lutar pelos seus ideias, diante da ANARQUIA todos são iguais, direitos iguais. Não é lutar por lutar, é lutar porque o sistema está errado (MARINALDO HARDCORE, Revoltados da Nação, nº 2, p. 6, 1989).

Trazendo esses quatro princípios para o movimento punk no Brasil:

A autonomia e sentido de iniciativa foram determinantes para que os jovens paulistanos se lançassem na produção de gravações e prensagem de LPs ainda no início da década de 1980. Com certeza, transpuseram várias barreiras, ainda sustentando um pensamento de caráter comunitário e visando promover o movimento, quando promoviam praticamente apenas lançamentos de discos split.

A autogestão do social também foi constante, à medida em que promoveram seus eventos e lançamentos de forma independente.

O internacionalismo foi presente à medida em que, sem agentes ou representantes formais de gravadoras, obtiveram aceitação de seus trabalhos musicais e ideias pela comunidade punk mundial, como vimos no capítulo anterior. É interessante ressaltar que o punk não é um movimento nacionalista, não sustenta um sentimento patriota. Os grupos de viés nacionalista eram (e são) os chamados skinheads, grupos que são associados ao punk pelo senso comum, mas com inclinações ao racismo e homofobia, entre outras características de grupos supremacistas. Em uma próxima oportunidade, em outro trabalho, falaremos sobre eles.

Por fim, a ação direta foi e é a regra no movimento punk. Como vimos anteriormente, os eventos eram uma das principais ferramentas de socialização do punk no Brasil, juntamente com a distribuição e divulgação de suas ideias através dos fanzines, que também tinha forte caráter educativo. O movimento punk, quando contrastado com a era da internet, apresenta uma perspectiva completamente oposta. Ao contrário dessa nova cultura na qual ativismos e propagação de ideias se fazem em sua maior parte à distância, o movimento punk promovia o presencial sempre. Os encontros eram constantes, a interação pessoal era premissa básica.