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Ao direito penal somente interessa a conduta que implica dano social relevante aos bens jurídicos essenciais à coexistência. A autorização para submeter as pessoas a sofrimento através da intervenção no âmbito dos seus direitos somente está justificada nessas circunstâncias.

1 Ementa

Arma de fogo: porte consigo de arma de fogo, no entanto, desmuniciada e sem que o agente tivesse, nas circunstâncias, a pronta disponibilidade de munição: inteligência do art. 10 da L. 9437/97: atipicidade do fato:

1. Para a teoria moderna - que dá realce primacial aos princípios da necessidade da incriminação e da lesividade do fato criminoso - o cuidar-se de crime de mera conduta - no sentido de não se exigir à sua configuração um resultado material exterior à ação - não implica admitir sua existência independentemente de lesão efetiva ou potencial ao bem jurídico tutelado pela incriminação da hipótese de fato.

2. É raciocínio que se funda em axiomas da moderna teoria geral do Direito Penal; para o seu acolhimento, convém frisar, não é necessário, de logo, acatar a tese mais radical que erige a exigência da ofensividade a limitação de raiz constitucional ao legislador, de forma a proscrever a legitimidade da criação por lei de crimes de perigo abstrato ou presumido: basta, por ora, aceitá-los como princípios gerais contemporâneos da interpretação da lei penal, que hão de prevalecer sempre que a regra incriminadora os comporte.

3. Na figura criminal cogitada, os princípios bastam, de logo, para elidir a incriminação do porte da arma de fogo inidônea para a produção de disparos: aqui, falta à incriminação da conduta o objeto material do tipo. 4. Não importa que a arma verdadeira, mas incapaz de disparar, ou a arma de brinquedo possam servir de instrumento de intimidação para a prática de outros crimes, particularmente, os comissíveis mediante ameaça - pois é certo que, como tal, também se podem utilizar outros objetos - da faca à pedra e ao caco de vidro -, cujo porte não constitui crime autônomo e cuja utilização não se erigiu em causa especial de aumento de pena.

5. No porte de arma de fogo desmuniciada, é preciso distinguir duas situações, à luz do princípio de disponibilidade: (1) se o agente traz consigo a arma desmuniciada, mas tem a munição adequada à mão, de modo a viabilizar sem demora significativa o municiamento e, em conseqüência, o eventual disparo, tem-se arma disponível e o fato realiza o tipo; (2) ao contrário, se a munição não existe ou está em lugar inacessível de imediato, não há a imprescindível disponibilidade da arma de fogo, como tal - isto é, como artefato idôneo a produzir disparo - e, por isso, não se realiza a figura típica. Processo RHC 81057 SP; Relatora: Ellen Gracie; DJ:25/05/2004; OJ: Primeira Turma; DP: 29/04/2005; PP-00030 EMENT VOL-02189- 02 PP-00257 RTJ VOL-00193-03 PP-00984.

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A construção de um Direito Penal de garantia, voltado à proteção da pessoa humana e, não, à funcionalização do Direito Penal como instrumento de garantia de expectativas normativas tem sido a busca incessante da ciência penal moderna. A maior preocupação desta ciência é o homem.

É o princípio que justifica (ou legitima) o Direito Penal; o direito penal somente está legitimado para punir as condutas que implicam dano ou ameaça significativa aos bens jurídicos essenciais à coexistência. Sendo assim, para que seja legítima a intervenção criminalizadora do Estado, é preciso que sejam considerados bens jurídicos fundamentais apenas aqueles que tenham suporte constitucional, mais ainda, apenas aqueles representativos de valores que tenham a capacidade de relativizar os princípios da liberdade e da dignidade da pessoa humana (Coelho, 2009, p. 105).

A esfera de intervenção à proteção de bens jurídicos deve ser legitimada desde que haja lesão ou exposição a perigo de lesão, caso contrário, fere-se o princípio da lesividade que indicará que não haverá crime. Partindo deste raciocínio, verifica-se que o crime só existirá se houver uma violação de um bem. Desta sorte, estando-se diante de uma norma que tutele um bem jurídico de forma adequada, e a conduta do agente do fato não viole este bem, ainda que preencha os requisitos formais do tipo Penal, se estará diante de uma ofensa ao princípio da lesividade, caso se considere esta conduta delituosa e se condene o agente (Coelho, 2009, p. 102).

A tutela destes bens está no centro do sistema penal e sua necessidade é que torna o Direito Penal um instrumento menos arbitrário na intervenção das liberdades individuais, posto que determina que este somente possa interferir nestas liberdade se for em necessidade de proteção de outros valores de dignidade constitucional.

As normas incriminadoras, portanto, somente se legitimarão e serão legais, se refletirem a tutela de um bem jurídico e se este bem jurídico tenha suporte constitucional.

O princípio da lesividade somente cumpre com o seu papel, limitando o poder de punir do Estado, se estiver atrelado ao conceito de bem jurídico. Portanto, a inexistência do bem jurídico revela uma violação ao princípio em tela, tendo em vista que deriva do princípio da Dignidade da Pessoa Humana e tem por escopo limitar o ius puniendi.

Este princípio reflete duas características do Direito: Exterioridade e alteridade (ou bilateralidade).

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O direito sempre coloca face a face dois sujeitos (alteridade), não interessando as condutas individuais, sejam pecaminosas, escandalosas, imorais ou "diferentes", somente podendo ser objeto de apreciação jurídica o comportamento que lesione direitos de outras pessoas, e não as condutas puramente internas (exterioridade). Não está legitimado a impor padrões de conduta às pessoas apenas porque é mais conveniente, ou adequado. Ninguém pode ser punido pelo Estado somente porque convém.

O objeto de proteção é o bem jurídico. O que se aspira a evitar é a conduta de terceiro que implica dano relevante a este bem jurídico.

Os Tribunais têm adotado, neste sentido, de forma corriqueira, a aplicação do princípio da lesividade. O STF, já admitiu que inexistindo a lesividade ao bem jurídico tutelado pela norma, não há delito, ainda que a conduta do agente seja formalmente típica2.

Conclui-se assim que não há delito sem que haja lesão ou exposição a perigo de lesão do bem jurídico tutelado pela norma, logo ao não afrontar o bem jurídico de dignidade penal, não será necessário a intervenção do Direito Penal. Não obstante este entendimento, o Direito Penal não deve servir para tutelar conduta que sejam reprováveis apenas moralmente, religiosa ou ideológica, esta não seria a sua função. Exemplo típico no âmbito da moral seria a relação incestuosa no ordenamento brasileiro.

2 EMENTA PENAL. HABEAS CORPUS. ARTIGO 28 DA LEI 11.343/2006. PORTE ILEGAL DE