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4 O PROCESSO NOS TRIBUNAIS DE CONTAS

4.2 PRINCÍPIOS INFORMADORES DOS PROCESSOS NOS TRIBUNAIS DE

4.2.8 Princípio da verdade material

O princípio da verdade material explana a ideia de que, na investigação dos fatos, deve-se sempre buscar a mais estreita aproximação com a certeza. Sua aplicação ao processo administrativo legitima-se na razão proporcional em que a Administração, na procura permanente pela satisfação do interesse público, não deve resignar-se apenas a uma verdade simplesmente processual. Pelo contrário. A Administração Pública tem a prerrogativa e o dever de ampliar sua atividade inquisitória, servindo-se de elementos diferentes daqueles colacionados aos autos pelos interessados, uma vez que os repute necessários à solução do caso concreto. Dada a relevância de tal princípio, importa conceituá-lo de maneira mais aprofundada, consoante as doutrinas nacional e estrangeira, como exposto a seguir. Para Odete Medauar,

O princípio da verdade material ou real, vinculado ao princípio da oficialidade, exprime que a Administração deve tomar as decisões com base nos fatos tais como se apresentam na realidade, não se satisfazendo com a versão oferecida pelos sujeitos. Para tanto, tem o direito e o dever de carrear para o expediente todos os dados, informações, documentos a respeito da matéria tratada, sem estar jungida aos aspectos considerados pelos sujeitos. Assim, no tocante a provas, desde que obtidas por meios lícitos (como impõe o inciso LVI do art. 5º da CF), a Administração detém liberdade plena de produzi-las122.

Celso Antônio Bandeira de Mello, por sua vez, assevera que:

Consiste em que a Administração, ao invés de ficar restrita ao que as partes demonstrarem no procedimento, deve buscar aquilo que é realmente a verdade, com presciência do que os interessados hajam alegado e provado... Citando Hector Jorge Escola, esta busca da verdade material está escorada no dever administrativo de realizar o interesse público123.

Estabelecendo um paralelo com o processo judicial, Sérgio Ferraz e Adilson Abreu Dallari afirmam que:

Em oposição ao princípio da verdade formal, inerente aos processos judiciais, no processo administrativo se impõe o princípio da verdade material. O significado deste princípio pode ser compreendido por comparação: no processo judicial normalmente se tem entendido que aquilo

122 MEDAUAR, Odete. A processualidade no direito administrativo. 2. ed. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2008. p. 131.

123 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 17. ed., rev. e atual. São

que não consta nos autos não pode ser considerado pelo juiz, cuja decisão fica adstrita às provas produzidas nos autos; no processo administrativo o julgador deve sempre buscar a verdade, ainda que, para isso, tenha que se valer de outros elementos além daqueles trazidos aos autos pelos interessados124.

De maneira sólida, Hely Lopes Meirelles registra:

O princípio da verdade material, também denominado de liberdade na prova, autoriza a Administração a valer-se de qualquer prova que a autoridade processante ou julgadora tenha conhecimento, desde que a faça trasladar para o processo. É a busca da verdade material em contraste com a verdade formal. Enquanto nos processos judiciais o Juiz deve-se cingir ás provas indicadas no devido tempo pelas partes, no processo administrativo a autoridade processante ou julgadora pode, até final julgamento, conhecer de novas provas, ainda que produzidas em outro processo ou decorrentes de fatos supervenientes que comprovem as alegações em tela. Este princípio é que autoriza a reformatio in pejus, ou a nova prova conduz o julgador de segunda instância a uma verdade material desfavorável ao próprio recorrente125.

Dentre os doutrinadores estrangeiros, cita-se Roberto Dromi:

Mientras que en el proceso civil el juez debe necesariamente constreñirse a juzgar según pruebas aportadas por las partes (verdad formal), en el procidimiento administrativo él organo debe ajustarse a los hechos, prescindindo de que hayan sido alegados y probados por el particular o no (verdad material). Si la decision administrativa no se ajustar a los hechos materialmente verdaderos su acto estaria viciado126.

E Guillermo Ferrer:

Tratándose de la actividad de um órgano de Estado, la promoción de la legalidad nos lleva a sostener igualmente la necessidad de determinar en el procedimiento administrativo, la verdad material o real, por oposicón a la verdad formal. En sede administrativa el império de la legalidad de origen constitucional, faculta a la Administración para que com un procedimiento inquisitório o instructorio amplio, adopte todas las medidas tendientes a determinar la verdad real o material, más allá de las probanzas que los terceros interessados o afectados pudieren aportar. Qué lejos estamos aqui del processo civil com su apotegma de la verdad formal y del principio de igualdad de las partes en el processo127.

Agindo de ofício ou provocado por terceiros, no sistema processual dos Tribunais de Contas, o relator não está adstrito ao que se encontra nos autos, podendo, como já observado no artigo 70 da Constituição Federal, requerer a realização de diligências

124 FERRAZ, Sergio; DALLARI, Adilson Abreu. Processo administrativo. 2. ed. São Paulo: Malheiros

Editores. p. 109.

125 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 16. ed. São Paulo: RT, 1991. p. 581. 126 DROMI, Roberto. Instituciones de derecho administrativo. Buenos Aires: Editorial Astrea de

Rodolfo Depalma y Hnos., 1973. p. 510.

127 FERRER, Guillermo. Princípios constitucionales del procedimiento administrativo. In:

para se perquirir fatos novos ou provas novas de maneira a formar o entendimento do julgador como o mais próximo possível da verdade real. Tal prática difere o sistema processual nos Tribunais de Contas do sistema processual civil, em que o juiz deve se restringir ao que está disposto nos autos, decidindo com base no que foi pedido e não podendo extrapolar o que foi demandado. Assim, o juiz deverá agir movido apenas pelas informações constantes do processo trazidas pelos atores processuais, restando uma das partes sucumbente, à qual caberá apenas a interposição de tantos recursos quantos lhe forem permitidos pela legislação.

Dado que nos Tribunais de Contas a relação processual se dá entre o jurisdicionado e o juiz/Estado, tem-se uma autonomia que é inexistente no processo civil. Como explicitado, podem os Tribunais de Contas agir de ofício, independentemente de provocação de terceiros, e exigir quantas provas acharem necessárias à busca da verdade real, especialmente porque suas decisões afetam diretamente o interesse público. Vale ressaltar nesse momento que não cabe aos Tribunais de Contas provar a existência de irregularidade, mas sim ao responsável pela gestão pública, que deve comprovar a regularidade de seus atos, trazendo aos autos elementos que demonstrem a correta aplicação do dinheiro público pelo qual é responsável.

Vemos que no rito processual nos Tribunais de Contas, os juízes agem com maior flexibilidade ao proferirem suas decisões, uma vez que são dotados de autonomia para determinar diligências para a produção de provas com o fim de que se prevaleça sempre a verdade real, o que torna seus julgados mais próximos da realidade fática, utilizando-se do formalismo moderado para que suas decisões, mesmo não estando dentro da legalidade estrita, sejam o melhor para se evitar prejuízos ao erário, em busca do verdadeiro interesse público.