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A palavra ética vem do grego (éthos) e se refere aos costumes, à conduta da vida, às regras do comportamento. Andery ( 1985).

Segundo resolução n°. 196/96 do Ministério da Saúde, sobre pesquisa envolvendo seres humanos (1996) a eticidade da pesquisa implica consentimento livre e esclarecido dos indivíduos alvo e a proteção a grupos vulneráveis e aos legalmente incapazes (autonomia). Nesse sentido, a pesquisa envolvendo seres humanos deverá sempre tratá-los em sua dignidade, respeitá-los em sua autonomia e delendê-los em sua vulnerabilidade.

Atendendo esses requisitos, nesse trabalho foi solicitado: consentimento verbal da chefia do serviço de quimioterapia do hospital, autorizando a realização do mesmo, após terem sido esclarecido os seus objetivos; consentim ento oral dos

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familiares dos pacientes em tratam ento quimioterápico (sujeitos do trabalho), apôs terem sido esclarecidos verbalmente a respeito do trabalho e seus objetivos.

Enfatizo que foi garantido o sigilo e o anonimato dos sujeitos do estudo, e assegurado o direito de desistir em qualquer momento, assim como o livre acesso aos dados do mesmo.

Para melhor compreensão, a análise dos dados foi dividida em dois m om entos distintos. No primeiro momento, descrevo as pessoas que fizeram parte do estudo e o cenário onde ocorreram as entrevistas. Em um segundo momento, os dados foram divididos em duas grandes temáticas, a saber. O familiar enquanto cuidador e Informação e desinformação. A partir desta fase, desdobraram-se as temáticas em sub- temáticas, sendo os dados expostos nos seguintes temas e sub- temas:

O familiar enquanto cuidador - A família organiza-se para o cuidado

- Práticas de cuidado desenvolvidas pelos familiares eni domicílio - Desestrutura familiar e desgaste emocional

Informação e desinformação - Informação - um direito - O profissional que informa

5 1 DESCRIÇÃO DAS PESSOAS E DO CENÁRIO

O quadro abaixo caracteriza os familiares de pacientes em tratamento quim ioterápico que fizeram parte deste trabalho.

Quadro 1.

Familiar Parentesco Idade Estado civil Profissão Grau de instrução Esperança Irmã 67 anos Solteira Doméstica 1 ° grau

incompleto

Confiança Filha 38 anos Viúva Auxiliar de

enfermagem t <> 1 grau completo Coragem Irmã adotiva 36 anos Casada Dona de casa 2o grau

incompleto

Espera Irmã 67 anos Solteira Aposentada

do comércio

1 ° grau completo

Desafio Irmã 53 anos Casada Professora 2° grau

completo

Força Filha 43 anos Casada Trabalha na

lavoura

1° grau incompleto Crença Cunhada 45 anos Casada Dona de casa 1 ° grau

incompleto

Animo Filho 26 anos Solteiro Estudante 3 grau

incompleto

Busca Filho 36 anos Solteiro Serviços

gerais

1 o 1 grau incompleto

Fé Pai 43 anos Casado Pescador 10 grau

incompleto

Amor Mãe 42 anos Casada Doméstica 10 grau

completo

Eu chegava, geralm ente pela manhã, nesse serviço e perguntava à auxiliar e enfermagem encarregada de preparar e administrar os quimioterápicos sobre informações dos pacientes e familiares, avaliando quais preenchiam os critérios do meu estudo. Feito isso, aguardava o paciente e familiar e conversava informalmente com ambos, explicava os objetivos do estudo e, a seguir convidava-os a fazerem parte do mesmo. Uma vez aceito convidava-os a iniciar a entrevista.

E importante frisar que nesse serviço, atualmente, não há enfermeiro atuando, apenas uma auxiliar de enfermagem que desempenha as funções de preparo e administração dos quimioterápicos bem como repassa algumas orientações aos pacientes e familiares, com a supervisão de um médico chefe do serviço.

A seguir descrevo o primeiro contato com os familiares que fizeram parte do estudo, relato as peculiaridades de cada um, descrevendo, também, o cenário onde ocorreram as entrevistas .

Familiar ESPERANÇA

Encontrei com Familiar Esperança, 67 anos, solteira, atendente de enfermagem, aposentada, irmã da paciente também solteira com 65 anos, aposentada, trabalhadora da lavoura que ultimamente, vem trabalhando como empregada doméstica.. Como a mesma aceitou participar do meu trabalho, convidei-a para irmos até o consultório dentro do serviço de quimioterapia, um a vez que poderíamos ficar mais à vontade, pois a entrevista seria gravada.

Esperança relatou-me que, na casa, mora, além de elas as duas, um irmão, também solteiro. Disse que vivem bem, pois financeiramente não lhes falta nada. Referiu que nem sempre viveram juntos, mas que faz uns dois anos que estão morando na mesma casa. Antes a paciente morava e trabalhava em Porto Alegre. Esperança disse serem muito unidos ela e os irmãos, mas que cada um respeita a individualidade do outro. Ela é falante, expressa-se claramente e demonstra um conhecim ento geral de enfermagem.

Durante a entrevista, muitas vezes tive de pedir a ela que falasse mais alto, pois falava bem baixinho, dizia que tinha medo que a irmã ouvisse o que ela estava falando e ficasse chateada, como por exemplo quando falou da sua mágoa, porque a irmã escondeu a doença por tanto tempo e não confiou nela.

Familiar CONFIANÇA

Entrevistei Confiança, filha da paciente, no consultório, depois de ter conversado com ela e sua mãe. Confiança mora na cidade de Santa Vitória do Palmar Rio Grande do Sul, vive sozinha com uma filha adolescente, é viúva, trabalha hà dezenove anos em enfermagem, como atendente, no início; atualmente, como auxiliar de enfermagem. A paciente tem 59 anos, é casada e mora com o marido. Confiança

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disse-m e que ela e a mãe são muito ligadas, estavam em contato diariamente antes de a mãe adoecer e que hoje estão mais ligadas ainda.

Confiança fala pouco. Em certos momentos ela me passava tranqüilidade: em outros, ela parecia abordar a temática, enfatizando aspectos técnicos relativos ao tema e, quando a entrevista estava no final, Confiança realmente demostrou mais claram ente as dificuldades pelas quais vinha passando.

Familiar CORAGEM

Entrevistei Coragem em uma sala fora do serviço de quimioterapia, porque cheguei à conclusão de que lá os familiares não se sentiam à vontade para responder às minhas perguntas. A paciente queria saber sobre o que nós iríamos conversar, e disse brincando que só permitiria que Coragem desse a entrevista se ela prometesse contar tudo que seria dito. Respondi que o trato seria cumprido e, enquanto a paciente fazia a sessão de quimioterapia, realizamos a entrevista.

Coragem tem 36 anos e é filha adotiva dos pais da paciente. Possui um poder aquisitivo razoável (médio). Assim como a paciente, é uma mulher bonita, bem cuidada, unhas bem feitas. E muito falante e desinibida, mostra-se bem informada, diz as coisas com muita facilidade, penso que o codinome que dei a ela corresponde a uma de suas características. Sua irmã é viúva e vive com o segundo marido, tem três filhos que moram em outra cidade. Coragem e a irmã são muito ligadas afetivamente e a irmã doente depende muito dos cuidados de Coragem.

Conhecer Coragem foi uma experiência única. Ela me fez rir e chorar, ela me fez sentir que a vida continuava apesar dos percalços. Ela é uma pessoa carismática e falante, se eu permitisse estaria falando até agora.

Familiar ESPERA

A entrevista com o Familiar Espera ocorreu em uma sala do hospital que serve como sala de aula de atividades didáticas para os alunos de enfermagem, já que

não existia nenhuma sala vaga no momento da entrevista, e havia decidido não realizar a entrevista na sala ao lado da quimioterapia.

Espera tem 67 anos, é solteira e mora com mais duas irmãs também solteiras, uma delas é a paciente (a irmã do meio, com 65 anos). Ela fala baixinho e conta tudo o que houve com a irmã em detalhes. Relata que tem uma filha da prima que é médica, e as ajuda muito. Apesar da idade, Espera é bem esclarecida, diz que mesmo morando juntas, ela e as suas irmãs, cada uma tem sua vida. Diz, também, que este foi o prim eiro caso de câncer na familia, e que busca respostas para o fato.

Familiar DESAFIO

Encontrei a Familiar Desafio na sala de quimioterapia, acompanhando sua irmã, que já havia iniciado a medicação. Ela é uma senhora muito bonita, bem vestida, tem 53 anos, é mãe de dois filhos e tem uma neta de quem cuidava antes de a irmã ficar doente. Após uma conversa com as duas, perguntei se Desafio gostaria de fazer parte do meu trabalho. A paciente, então, disse que ela dizia coisas que não eram verdadeiras a seu respeito, a que Desafio respondeu dizendo: “Ela diz que nào está deprimida, mas não quer falar com ninguém, não quer comer, e está revoltada com a vida". Neste mom ento intervim, dizendo que eu queria apenas saber como ela estava se sentindo em relação à doença da paciente, por isso é que tinha que ser entrevistada a irmã e não a paciente. Então, a paciente concordou, porém disse para Desafio: "l e lá o que tu vais falar pra ela, heim A entrevista foi feita no consultório e. em determinados momentos, Desafio ficava preocupada com a irmã porque ela poderia estar ouvindo, e acabaria por proibi-la de continuar cuidando dela. Segundo Desafio a paciente é muito ansiosa, exigente, temperam ental. E casada, tem três filhos casados e quando não estava doente, também cuidava da neta. A impossibilidade de continuar desempenhando essa e outras tarefas era compreendida pelos familiares como uma razão que havia contribuido para exacerbar seu comportam ento agressivo.

Familiar FORÇA

Fui informada pela auxiliar de enfermagem do serviço de quimioterapia que haviam alguns pacientes em tratamento quimioterápico internados, e que eu poderia

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fazer a visita, a eles e a seus familiares. Poderia também investigar se os últimos se interessavam em participar do meu estudo. Foi então que encontrei a familiar Força e sua mãe na enfermaria. Como de costume, conversei com a paciente e esta estava me contando tudo a respeito do tratamento e da doença que a deixou na cama. Nesse m om ento convidei Força para participar do meu trabalho.

Ambas, mãe e filha, são de origem alemã, moram na colônia, trabalham na terra. Força tem 43 anos, tem duas 11 lhas moças, é casada e diz se relacionar bem com o marido. E de falar pouco, e possui forte sotaque alemão. É pessoa simples, tem os pés e mãos calejados, devido ao trabalho na roça. Diz ser muito nervosa e, no momento, demonstrava muita preocupação. A entrevista aconteceu na sala de descanso dos funcionários das clínicas 1 e II do hospital, por ser um lugar onde podemos ficar a sós e Força se sentiu mais à vontade, pois, segundo ela, é muito tímida e não gostaria que a mãe ouvisse suas respostas.

Familiar CRENÇA

Conversei com a Familiar Crença na enfermaria, juntam ente com a paciente, que é sua cunhada. Então perguntei a ela se queria fazer parte do meu estudo, ela disse que sim, se meu estudo pudesse ajudar outras pessoas como ela e sua cunhada. A entrevista aconteceu na sala de estudos da clínica médica do hospital.

Crença é casada, tem 45 anos, é pessoa simples e cuida do lar. O marido trabalha de pedreiro. Tem três filhos, tala o português com muita dificuldade, porém sabe claramente explicar a doença que a cunhada tem e o prognóstico médico A paciente é jovem, tem 42 anos, três filhos, tem câncer maligno, é sua terceira sessão de quimioterapia e precisou ser internada por estar apresentando diminuição no número de plaquetas e leucopenia.

A trombocitopenia, ou diminuição do número de plaquetas, é comumente causada pelos efeitos mielossupressores de alguns quimioterápicos, porém a própria doença-base, ou tratamentos anteriores, também podem iniciar ou agravar esse problema.

A leucopenia é a mais séria forma de mielossupressão. A diminuição do núm ero de linfócitos e de granulócitos, especialmente os neutrófilos, leva a urna supressão da imunidade celular e humoral, com aumento significativo da suscetibilidade aos quadros infecciosos graves. Nesses casos, há necessidade de completa ou quase com pleta recuperação medular antes de novas aplicações. Geralmente, pacientes com contagem leucocitária superior a 4.000/mm3 podem receber 100% da próxima dose de quim ioterapia programada. Contagens inferiores a esses níveis obrigam a um ajustam ento da dose ou adiam ento por alguns dias (Bonassa, 1992).

Familiar ÂNIM O

Conheci o Familiar Animo e a paciente, sua mãe, durante uma sessão de quimioterapia. Após conversarmos, ele aceitou participar do meu trabalho. Entrevistei Ânimo na sala da secretaria da clínica médica.

Ânimo tem 26 anos, está cursando a faculdade de Administração de Empresas, tem outra irmã adulta, ambos são solteiros e moram com a mãe. O pai é falecido, já faz bastante tempo. A paciente tem 53 anos, é viúva, é muito amiga dos filhos, tem uma situação econômica boa, que proporciona uma vida tranqüila a todos. Ânimo é educado, culto, se expressa muito bem, apesar de parecer ansioso e às vezes esbarrar nas palavras com uma certa dificuldade em pronunciá-las. E ele quem cuida da mãe quando está em casa, dividindo o trabalho com a irmã.

Familiar BUSCA

O Familiar Busca estava acompanhando a mãe na sala de quimioterapia. Conversamos e ele concordou em fazer parte do meu estudo. Fomos até a sala de repouso dos funcionários da clínica onde podeíamos conversar sem ser interrompidos.

Busca tem 36 anos, é solteiro e mora com a paciente, sua mãe, que é viúva. Tem mais uma irmã, que é casada e tem um menino de 6 anos.

Busca trabalhava em serviços gerais, tinha uma renda de um salário mínimo e meio. No momento está desempregado porque necessitou sair do serviço para

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cuidar da mãe. Residem em Bagé, Rio Grande do Sul, e estão temporariamente na casa de sua tia, irmã da mãe, para que a paciente possa realizar o tratamento em Pelotas.

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O familiar Busca relata que a mãe recebe uma pensão da Previdência Social que o pai deixou, refere que é este dinheiro que está mantendo os dois agora, por isso ele enfrenta muita dificuldades financeiras, principalmente com as viagens quando vão à casa em Bagé.

Busca tem uma aparência triste, é simples na maneira de vestir-se e de falar, me disse que é tímido, mas teve de perder a timidez e ir pedir passagens na empresa que faz a linha Pelotas/Bagé para ele e a rriãe, pois o dinheiro de que dispõem não estava mais sendo suficiente. Busca divide os cuidados à paciente com sua irmã. Eles vão alternando as semanas, mas é ele quem fica mais tempo por ser solteiro.

Familiar FÉ

Encontrei com o Familiar Fé na enfermaria E um homem de 43 anos. casado, possui três filhos: o paciente 17 anos,e mais duas meninas, uma de 5 e outra de 9 anos. Fé é pai de um rapaz com sarcoma em fase terminal, já amputou um braço e no momento está com metástases pulmonares e em outros locais.

FE refere ser pescador, possuir vários barcos na cidade de Rio Grande / Rio Grande do Sul e viver da pesca. Tem boas condições financeiras, sua esposa cuida do lar.

Os familiares atribuem à doença do filho a duas internações psiquiátricas enfrentadas pela esposa de Fé. Em razão dessas internações Fé assumiu os cuidados com o filho doente e com as filhas pequenas, é um pai muito preocupado com o IIlho. Demonstra um desespero muito grande em relação à provável perda do filho, diz que sempre foi muito amigo dele. Refere ter procurado até o “Dr. Fritz” ’ porque o filho pediu. Diz ter gasto todo o dinheiro que possuía nessa viagem em busca de melhora para

1 Existe no Brasil, um medium espíritu que afirma receber o espírito de Doutor Fritz" e que através do mesmo, efetua cirurgias espirituais e diz promover a cura de determinadas doenças

o filho. Fé não se afasta do filho, passa o tempo todo ao lado dele. Diz não ter estudado, se expressa bem e fala muito, como se estivesse com necessidade de desabafar.

Familiar A M O R

A Familiar Amor encontrou comigo na mesma enfermaria onde estava internado o filho do familiar Fé. Seu filho de 17 anos estava internado no leito ao lado com câncer em fase terminal. Colocou-se à minha disposição para fazer parte do meu trabalho, quando eu estava falando com o familiar FÉ. Ela disse que, se fosse para ajudar outros jovens, como seu filho e sua família, a enfrentar melhor esta situação, ela queria responder a todas as perguntas que eu quisesse fazer.

Entrevistei a familiar Amor na sala de repouso dos funcionários das clínicas e em vários momentos, ela se mostrou preocupada com o tempo em que o filho estava ficando sem sua presença, em bora soubesse que tinha sua irmã cuidando dele.

A familiar Amor é casada, tem 42 anos, trabalhava de doméstica até seu filho ficar doente. Tem pouca instrução, tem mais dois filhos, além do paciente. O marido trabalha na construção civil e ela dividia as despesas em casa. Amor se mostra uma mulher cansada, desanimada, entristecida, me disse que só quer ficar ao lado do filho, enquanto Deus permitir, mas não quer mais ver seu sofrimento. Diz também que se alimenta porque é preciso se segurar para cuidar do filho, e só se afasta para tom ar banho, devido ao mau cheiro, caso contrário não sairia para nada.

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