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Durante o curso da vida de qualquer ser, é natural que ele esteja exposto a ameaças ao bom funcionamento do seu corpo, como, por exemplo, a invasão de microorganismos ou substâncias causadoras de doenças. Neste contexto é que se posiciona, de maneira fundamen- tal para a sua sobrevivência, o sistema imunológico, o qual nada mais é que o sistema que defende o animal contra o ataque constante de elementos invasores (TIZARD, 1995).

A importância crucial do sistema imunológico para a sobrevivência do animal re- quer que ele opere de maneira eficiente; ele é um sistema complexo construído, de forma redundante, com uma série de componentes e mecanismos distintos, os quais são ajustados para combater um único invasor ou para proteção contra uma série de agentes infecciosos. Destacam-se dois aspectos fundamentais para a operação do sistema: os mecanismos de me-

mória e aprendizado. O sistema é capaz de capturar informações a respeito dos agentes

infecciosos e armazená-las para serem utilizadas posteriormente, caso o mesmo agente ou um similar invada o organismo.

A gênese dos estudos sobre imunologia se deve a Edward Jenner, criador em 1796 da vacina contra a varíola, embora nada soubesse acerca dos agentes infecciosos que cau- sam doenças (JANEWAY et al., 2000). Tal enigma foi solucionado um pouco mais tarde, no século XIX, quando Robert Koch demonstrou que as doenças infecciosas são causadas por microorganismos patogênicos (também chamados de patógenos), que, atualmente, são divi- didos em quatro grandes classes: as dos vírus, bactérias, fungos e parasitas. Já ao final do mesmo século, sabia-se da existência das células brancas e do fato de que elas eram respon-

sáveis pela destruição dos organismos invasores, produzindo, para isso, anticorpos. Ao final do século XX, a imunologia já se encontrava sustentada por teorias relativamente sólidas, capazes de descrever com boa precisão os dispositivos de reconhecimento e eliminação de corpos estranhos (DE CASTRO, 2001).

Um antígeno é qualquer molécula que o sistema imune consegue reconhecer. Dada a sua presença no organismo, hoje sabemos que o sistema imunológico desempenha sua pri- mordial tarefa por meio da ação coordenada de dois sub-sistemas: o sistema imune inato e o sistema imune adaptativo. O primeiro é composto de células de defesa prontas, os granulócitos e os macrófagos, que proveem uma resposta imediata e cuja forma de atuação é idêntica em todo indivíduo, independentemente do tempo de vida. O segundo é o sistema composto de células denominadas de linfócitos, dos tipos B e T, que suscitam uma resposta específica para cada patógeno cujo tempo de ocorrência depende de se já houve uma exposição prévia a este agente.

As células B são as responsáveis pela produção de anticorpos — moléculas de forma específica que se ligam a um antígeno para sinalizar que este deve ser ingerido e destruído por células especializadas (e.g. macrófagos). Além disso, as células B podem se converter em células de memória, que são capazes de reconhecer o mesmo antígeno em um evento futuro e, portanto, podem outra vez produzir anticorpos para evitar que a doença se reestabeleça. Dessa forma, a resposta imune adaptativa aperfeiçoa-se a cada encontro com um antígeno (DE CASTRO, 2001).

A existência das duas formas de resposta imune é interessante, já que elas adquirem um aspecto de complementariedade. Veja, por exemplo, o caso em que ocorre a invasão por um antígeno desconhecido: o sistema inato pode atuar rapidamente tentando bloquear (ou pelo menos retardar) a ação danosa do invasor, enquanto o sistema adaptativo reconhece a especificidade do agente e produz anticorpos preparados para eliminá-lo efetivamente. Além disso, o sistema inato é responsável por uma série de mecanismos de sinalização essenciais para o funcionamento do sistema adaptativo. Entretanto, interessa-nos aqui o estudo da resposta adaptativa porque ela apresenta a capacidade de aprendizado, o que é essencial na concepção de algoritmos inteligentes.

Existem duas teorias fundamentais que descrevem este processo de aprendizado: a teoria da Seleção Clonal e a teoria da Rede Imunológica, que descrevemos em mais detalhes a seguir.

4.1.1

Seleção Clonal

O princípio ou teoria da seleção clonal foi proposto por Frank Macfarlane Burnet em 1959 (BURNET, 1959), e sua notória contribuição lhe rendeu o prêmio Nobel de medicina do ano seguinte, sendo até hoje aceita como a teoria que explica como o sistema imune é capaz de reconhecer e produzir anticorpos somente contra os antígenos aos quais o organismo foi exposto.

Seu modus operandi pode ser explicado, em termos simples, como se segue. Pela nossa corrente sanguínea estão circulando constantemente inúmeros linfócitos com características diferentes — diversidade essa que decorre do processo de produção das células na medula e no timo —, ou seja, com receptores diferentes. Quando um indivíduo é exposto a um antígeno, o reconhecimento deste por um linfócito se dá quando os receptores que ele possui em sua membrana externa são compatíveis com a estrutura molecular antigênica. O linfócito ativado então passa a sofrer um processo de clonagem, gerando cópias que se diferenciam em (i) células especializadas (denominadas de plasmócitos) capazes de secretar altas taxas de anticorpos para aquele antígeno, ou em (ii) células de memória, que possuem longos períodos de vida e permanecem inativas circulando pelo organismo até que haja uma re-exposição ao estímulo antigênico, o que dispara novamente — e de forma mais rápida do que na primeira ocorrência — o processo de diferenciação em plasmócitos e secreção dos anticorpos.

Ademais, esse rápido processo de replicação é acompanhado de um mecanismo de

hipermutação que visa introduzir modificações aleatórias tão mais intensas quanto menos

efetiva a célula for no reconhecimento antigênico, ou seja, quanto menor for a sua afinidade com o corpo estranho. Então, as melhores células produzidas são selecionadas, de tal forma que o repertório de linfócitos como um todo se desenvolva e seja mais preciso ao reconhecer os antígenos.

4.1.2

Rede Imunológica

Em 1974, Niels Kaj Jerne propôs a teoria da Rede Imunológica (JERNE, 1974), uma contribuição fundamental para o entendimento do sistema imunológico como uma rede

regulada, ou seja, um sistema em que as células são capazes de reconhecer, além de antígenos, umas às outras. Enquanto a teoria da Seleção Clonal se ocupou de descrever exclusivamente o

comportamento frente à presença de patógenos, nesta proposta, Jerne postula que as células brancas permanecem em interação mesmo quando não estão dedicadas ao reconhecimento de um antígeno.

Desse fato decorrem duas respostas distintas que o sistema imune pode apresentar: uma resposta positiva, caracterizada pela ativação do linfócito que reconhece um antígeno,

desencadeando os mecanismos da Seleção Clonal previamente descritos; e uma resposta ne-

gativa, caracterizada pela tolerância ou supressão de uma outra célula branca reconhecida.

Portanto, a teoria estabelece que os principais aspectos do sistema imune são propriedades emergentes que resultam de mecanismos regulatórios intencionados a manter a rede em um estado de equilíbrio dinâmico (BERSINI, 2003).