• Nenhum resultado encontrado

Costa (1981b), responsável pela formulação dos Princípios EPT, realçava que eles refletiam o caráter aberto a que se propunha o EPT. Tratava-se de uma interposição entre as primeiras teorizações da campanha, até as inovações que se sucederiam através de seu amadurecimento.

Neste tópico, busco analisar os vinte Princípios EPT, à luz dos posicionamentos de seu autor, evitando momentaneamente expor as minhas críticas, as quais serão realizadas no desenlace das apreciações relativas aos aportes teóricos que sustentaram o movimento.

A intenção é que os princípios sejam apresentados de acordo com as ideias-chave que os abraçavam. Com efeito, abstenho-me de transcrevê-los na íntegra, a não ser em algumas passagens que considerei imprescindíveis para a compreensão dos leitores deste trabalho. Por conta própria, enumero os princípios, seguindo a ordem exibida em Costa (1981b).

Desse modo, o primeiro princípio versava sobre o “propósito”. Com o aumento da demanda mundial de práticas esportivas, o EPT, por meio do esporte de massa e do comunitário, exprimiria a valorização do tempo de lazer, aliado à busca de atividades ao ar livre num contexto em que as pressões da vida moderna deveriam ser compensadas pelo contato social e pelos exercícios físicos.

As “origens” constituíam o segundo princípio. Costa alude ao futebol pelada, surgido entre as décadas de 1910 e 1920, como o precursor do EPT no Brasil. Em seguida, o autor transita pelas várias iniciativas já descritas anteriormente neste trabalho, ilustrando que,

a partir de 1979, a campanha transformou-se em movimento por intermédio da atuação de entidades e pessoas reformistas.

Decorrentes do período de existência do EPT brasileiro, as “definições” constituem o terceiro princípio sobre o qual Costa discorre. Com a prática do futebol pelada tendo em torno de setenta anos, o movimento no Brasil crivar-se-ia por um misto de jogos informais e modalidades tradicionais, fomentando a congruência entre a máxima participação e o mínimo de organização e técnicas. Assim, o autor estabelece o conceito do EPT brasileiro,

[...] como o conjunto de todas as atividades esportivo-recreativas que visem, em graus diferentes, a sociabilização e a forma física dos praticantes; que ocorrem em locais e equipamentos improvisados e sob orientação e auto- condução simplificada; e que tenham acesso a todos os grupamentos naturais da sociedade, sem limitações excessivas de condições econômicas, de sexo ou de faixa etária. Ainda numa perspectiva mais ampla: o EPT é qualquer atividade esportiva que não seja praticada nas condições de alto nível, mas que lhe possa servir de apoio quando assim for desejável (p. 10).

No quarto princípio, os “objetivos” do EPT no Brasil centravam-se nas atividades que se diversificavam, de acordo com os anseios dos grupos sociais ou de organizações e pessoas promotoras, abarcando ajustamentos naturais e regionais articulados ao processo de educação permanente.

A simplificação das atividades acompanhava o quinto princípio, e os “locais” deveriam respeitar o ambiente comunitário presente no cotidiano dos grupos sociais. A ocorrência de eventos em espaços formais não poderia escapar aos predicados de máxima participação, porém “a área livre é a chave do futuro, uma vez que as comunidades são limitadas em padronização, em sincronização e continuidade das atividades, ao contrário das praticas formais que se apoiam nestas características” (COSTA, 1981b, p. 10).

Utilizando um novo arranjo piramidal, Costa aponta que o sexto princípio, “clientela”, abrangia da massa, na base da pirâmide, passando pelo grande grupo, o comunitário, pequeno grupo, a família, até chegar ao indivíduo isolado, no topo. Isso se daria de maneira interpenetrante, de modo que o indivíduo teria condições de se deslocar para qualquer dos níveis da pirâmide a todos os momentos. Nesse sentido, os passeios a pé e de bicicleta, os jogos e a corrida de rua, alavancada pela repercussão do método Cooper, são exemplos de atividades que contemplariam os interesses dos diversos grupamentos sociais.

Figura 9 – Modelo piramidal de grupos de participantes do EPT brasileiro.

Fonte: Costa (1981c)

Quando se reporta ao sétimo princípio, “atividades”, Costa menciona os eventos de impacto e os de permanência, para realizar a leitura de como eles se aplicariam sobre a clientela. À medida que as práticas se tornassem mais individualizadas, prevaleceria o foco na preparação física, ao passo que, ao se aproximar da dimensão de massa, aumentaria a socialização.

O princípio de número oito, “mobilização”, indicava que ele era a essência da ação comunitária. O anúncio aos participantes, com as orientações relativas à sua estrutura (o que, como, onde e quando), bem como a adesão de pessoas e de entidades, englobava o desenho pelo qual o movimento motivaria a população, diante dos conceitos que o EPT trazia em relação à transformação da concepção esportiva, nutrindo-se de estratégias de variadas naturezas para a sua difusão. Segundo Costa, “os próprios princípios do EPT podem constituir uma forma de mobilização se interpretados como uma ideologia, isto é, um conjunto de ideias por parte daqueles que acreditam no esporte e na sua necessária mudança” (COSTA, 1981b, p. 11).

Articulado à mobilização, o nono princípio, “linha de massa”, buscava atender aos ensejos populares. Costa alerta sobre o imperativo de se livrar das interpretações de manipulação, afirmando que o EPT teria que se inserir no cerne da linha de massa e não se acreditar como inovador ou determinador de atividades.

Chama-se “linha de massa” aos costumes ou às idealizações correntes ao povo. Mobilização na linha de massa significa buscar adesões e organizar acontecimentos que venham de encontro aos desejos populares. O EPT cumpre os seus propósitos quando entra na linha de massa e não quando é apresentado como uma inovação, uma nova atividade que deve ser impingida às comunidades. O risco de seguir a linha de massa é criar interpretações de manipulação, como em qualquer outra atividade que procura contato popular (COSTA, 1981b, p. 11).

Considerado por Costa o principal meio de mobilização, o décimo princípio, “publicidade”, enaltecia que o EPT se pautava por adaptar-se às vontades das pessoas. Se preciso fosse, dependendo do retorno de aceitação popular, modificaria o conteúdo das mensagens ou mesmo as atividades.

“O EPT é mais cultura do que educação” (COSTA, 1981b, p. 12). Com essa frase, o autor destaca o princípio de número onze, “dimensão cultural”, onde o EPT configurava-se como costume popular, pois se encontrava enraizado nas comunidades. Ia além dos modismos presentes, eventualmente, em modalidades e em jogos, haja vista que, apesar de estes fazerem parte das promoções, poderiam deixar de ser assimilados a qualquer momento, ao contrário do EPT, detentor de caráter duradouro e contínuo.

Alegando que o EPT se inscreve no âmbito da educação não formal e que esta é menos tendenciosa do que a formal, a qual sempre está comprometida com uma ideologia, Costa desenvolve o décimo segundo princípio, “dimensão educacional”. O EPT vincular-se-ia à pedagogia social, formatada de acordo com os aspectos que envolvem a mobilização comunitária e fomentando o acesso das massas aos bens culturais simplificados.

No intuito de que as mensagens transmitidas pelos meios de comunicação de massa fossem absorvidas, a “dimensão de comunicação”, décimo terceiro princípio, abordava a respeito da importância de três fatores fundamentais: simplificação, sintetização e massificação. Reproduzir o repertório popular, com o consumo rápido, além da fácil compreensão de todos, redundaria naquilo que Costa entende como a solução para a Educação Física e os esportes, em virtude de que através disso se gerariam os elementos para que os praticantes ganhassem “auto-afirmação, independência e sobretudo, um meio de expressão” (COSTA, 1981b, p. 12).

A execução criteriosa de atividades físicas e esportivas, afeita aos mecanismos de socialização, compunha o décimo quarto princípio, “dimensão de saúde”. Costa calca-se nas recomendações da Organização Mundial da Saúde, a qual esclarecia que a saúde representava o completo bem-estar mental, espiritual, social e físico. Ciente de que o esporte como fator de

saúde faz parte da esfera educacional, o autor assevera que houve a prevalência do campo social em detrimento da percepção de saúde no EPT, já que, com ele, “as pessoas são atraídas para o esporte por seu valor social, descobrindo então um caminho pessoal para a saúde” (COSTA, 1981b, p. 12).

Para reforçar o teor de não formalidade do EPT, a “Educação Física Permanente”, princípio de número quinze, promovia uma espécie de resumo das características do movimento. O autor afirma que teria o potencial de incluir o máximo de pessoas, independentemente de idade, democraticamente, autonomamente e comunitariamente.

A Educação Física permanente é o processo educativo que relaciona as atividades esportivas e de Educação Física aos hábitos cotidianos da vida, abrangendo qualquer pessoa, em qualquer idade e em qualquer oportunidade. O movimento EPT é um meio para se chegar aos fins da Educação Física Permanente e esta para se tornar realidade visa: igualdade de oportunidades, permanência da atividade física, orientação individual e coletiva, autoformação e autocondução, sugestão, improvisação de atividades e locais, caráter comunitário e mobilidade dos participantes (COSTA, 1981b, p. 13).

Um binômio pontua o décimo sexto princípio: “quantidade x qualidade”. Costa remete a discussões entre esporte de massa e elite esportiva que há muito aportavam no contexto da Educação Física brasileira e mundial. Para o autor, o EPT inovava ao fomentar as atividades de massas e preconizar maiores recursos e esforços na elite esportiva. Atinha-se ao arquétipo piramidal, haja vista que “isto indica que o futuro [da Educação Física] dependerá da integração da massa (quantidade) com a elite (qualidade)” (COSTA, 1981b, p. 13).

Fundado na ideia de que o EPT aumentaria o campo de trabalho para os profissionais de Educação Física, o décimo sétimo princípio, “agentes”, sustentava que os efeitos do esporte de massa repercutiriam no incremento do desporto estudantil e no de rendimento. Nessa fase do EPT, os professores de Educação Física atuariam mais como agentes exógenos, responsáveis por serem os multiplicadores dos agentes endógenos, formados nos seios das próprias comunidades, com a função de efetuar a devida motivação para a difusão do movimento.

O décimo oitavo princípio, “custos”, segundo Costa, desvelava a principal justificativa do EPT, uma vez que demandava um baixo investimento para cada participante. Era isso, justamente, que incentivaria a participação massiva, advinda dos desejos das comunidades, sem incorrer em riscos de se recair em meros interesses publicitários de entidades patrocinadoras, orientados por projetos efêmeros de prestígio e atendimento limitado.

Com a constatação das desigualdades sociais existentes no Brasil, o princípio de número dezenove, “prioridade social”, evocava que o EPT destinava-se às parcelas menos favorecidas economicamente. Diferentemente do modelo europeu, o caso brasileiro registrar- se-ia nos meandros das atividades populares e agiria em favor do desenvolvimento comunitário.

Num país como o Brasil que exibe diferenciação social de importância, é natural que seja discutível qualquer atividade que não seja incluída entre as prioridades das pessoas carentes. O EPT, entretanto, pertence às necessidades básicas da população mais pobre se entendermos que o lazer ativo é a complementação do próprio alimento e do trabalho. Verdadeiramente, o EPT é uma atividade eletiva e de direito das pessoas de menor recurso e com vistas nisso o movimento brasileiro organizou as suas bases, diferente de campanhas estrangeiras. Estas assertivas são comprovadas pela prática do futebol pelada, hoje adotado em massa pela população pobre de nosso país. Além disso, o EPT não deve ser interpretado como atividade típica de assistência social mas sim como meio de desenvolvimento comunitário; algumas organizações, nessas condições, usam atividades de EPT para contato com as comunidades pobres que o aceitam com maior facilidade do que outras práticas sociais (COSTA, 1981b, p. 14).

Por fim, o vigésimo princípio, “continuidade x descontinuidade”, refletia os desafios de se manter um movimento de estrutura não formal, por meio da repetição de promoções. Atentava-se às interfaces dos grupos sociais, sujeitos à mobilidade e a transformações, perante um quadro em que as atividades se dariam espontaneamente. Nesse sentido, a junção dos fatores de continuidade e descontinuidade incorporava-se às abordagens do EPT e do comportamento comunitário, respaldando-se no cenário da educação permanente e da pedagogia social.

3- A Carta de Compromisso do Esporte para Todos: o código de ética do