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Princípios metodológicos inerentes à estratégia de comunicação

CAPÍTULO II Enquadramento biofísico e socioeconómico do território em estudo

3.2 A avaliação da perceção do risco dos residentes

3.3.2 Princípios metodológicos inerentes à estratégia de comunicação

Um dos principais desafios da comunicação do risco é desenvolver estratégias que alterem a perceção do risco dos indivíduos, mas simultaneamente, os levem a agir em prol da sua segurança. Uma estratégia de comunicação eficaz, deve reconhecer que os indivíduos e comunidades têm diferentes níveis de motivação para mudar a sua atitude/ comportamento, em função do risco percecionado.

Os indivíduos vão entrar, participar ou sair do processo de comunicação, de acordo com a sua própria compreensão do perigo, com o seu próprio sentido de vulnerabilidade e mediante a sua motivação para agir. Nesse sentido, são necessárias estratégias holísticas, capazes de mobilizar as diferentes sensibilidades que compõem a sociedade levando-as a agir em prol da sua resiliência (O’Neill, 2004).

Como tal, é necessário reconhecer que o público apresenta diferentes estados de motivação e interesse em função do risco percebido e que dispõe de livre arbítrio no desenvolvimento ações ou alteração de comportamentos. Este aspeto tem uma profunda relevância na adequação das abordagens sugeridas e na definição das mensagens que se pretendem veicular aos diferentes indivíduos, pelo que a segmentação da população assume um papel relevante, na adequação dos objetivos das diferentes abordagens e na definição dos modos, canais, instrumentos e mensagens que constituem a comunicação.

Como ponto de partida, o exercício de segmentação da população baseou-se na Teoria da Difusão da Inovação, desenvolvida pelo sociólogo Everett Rogers em 1962, segundo a qual a adoção de uma inovação ou estratégia, por parte de uma população ou

sociedade, é efetuada por grupos sucessivos de indivíduos, mediante a sua abertura a novas ideias e disposição para inovar (Rogers, 2003).

Segundo este autor, a propensão para adotar um comportamento específico, numa população, assim como o processo temporal da adoção, é ilustrado por uma curva de distribuição normal, onde é possível distinguir proporções de uma população em diferentes classes de adoção, que correspondem simultaneamente a perfis específicos de reação à inovação (Figura 52).

Figura 52 - Etapas da mudança da Teoria da Difusão de Inovações (Adaptado de O’Neill, 2004). (A figura é meramente ilustrativa, não tendo base matemática).

Segundo esta teoria a adoção de uma inovação começa com um pequeno grupo de pessoas, os Inovadores (Innovators) que tendem a adotar novas tecnologias e comportamentos ainda na fase embrionária de desenvolvimento, normalmente estes indivíduos são formadores de opinião e referências para outros indivíduos.

Numa fase seguinte, surgem os Adotantes Iniciais (Early Adopters) que constituem um grupo maior que os Inovadores e ainda possuem alguns traços de inovação, embora não tenham a mesma disposição para assumir os riscos associados às inovações ainda em desenvolvimento.

Posteriormente, a inovação é adotada por um segmento mais amplo de público- alvo, denominado de Maioria Inicial (Early Majority), constituindo um primeiro sinal de que a inovação ganhou massa crítica. Segundo o autor, quando o processo de inovação atinge este ponto, a sua difusão pela restante sociedade ou grupo-alvo é bem mais fácil. E

interromper o processo de difusão nesta fase passa a ser, tão ou mais difícil, quanto o esforço inicial para difundi-la. A título de exemplo, imagine-se a dificuldade que seria convencer os indivíduos a abdicarem da internet ou do correio eletrónico no ponto de difusão em que estas tecnologias se encontram atualmente.

Numa fase mais avançada no tempo, a inovação é adotada por outro segmento amplo de público, denominado de Maioria Tardia (Late Majority), que revela maior resistência às inovações e, portanto, tende a retardar a sua adoção até o ponto em que esta tenha demonstrado claramente as suas vantagens. Por fim, os Retardatários (Laggards) e os Céticos Persistentes (Persistent sceptics) são os últimos segmentos a adotar uma inovação, quando esta se encontra perfeitamente implementada e as suas vantagens perfeitamente identificadas.

Com base nesta teoria, Kent et al. (2000, citado em O’Neill, 2004) aprofundaram este modelo de difusão, fazendo corresponder um nível de motivação diferente a cada um dos seis perfis de reação à inovação. A motivação representa as diferentes quantidades de tempo e energia que os indivíduos estão dispostos a investir na adoção de uma determinada inovação e traduzem-se em níveis de envolvimento distintos. Com base nestas teorias, O’Neill (2004) apresenta uma relação entre o perfil de reação à inovação, o nível de envolvimento dos indivíduos e o respetivo perfil, no contexto da comunicação do risco, obtendo uma segmentação do público em cinco perfis dominantes (Tabela 16).

Esta segmentação do público, baseada no perfil de reação à inovação e nos correspondentes níveis de envolvimento dos indivíduos, adotada no âmbito deste trabalho, apresenta duas vantagens relevantes. Permite prever o comportamento de grandes populações, o que no caso em estudo é particularmente relevante, tratando-se de uma estratégia à escala regional. Por outro lado, sugere orientações sobre o tipo de ação que os indivíduos estão dispostos a adotar.

Tabela 16 Significado dos diferentes segmentos de adoção no contexto da comunicação do risco

Perfil de reação à inovação

Nível de

envolvimento Perfil dos indivíduos

Inovadores (Innovators)

Elevado Envolvimento

Visionários globais, dispostos a investir bastante no conhecimento. Disponíveis para despender tempo e criatividade no desenvolvimento de soluções visando a resiliência da Comunidade.

Independentemente dos custos. Adotantes Iniciais

(Early Adopters)

Médio Envolvimento

Visionários ao nível pessoal, empenhados em aprender e adotar medidas que reforcem a resiliência pessoal e familiar.

Os benefícios pessoais compensam os custos.

Maioria Inicial (Early Majority)

Baixo Envolvimento

Pragmáticos abertos a melhores práticas, que querem apenas desenvolver ações ou alterar comportamentos que impliquem o mínimo de investimento em aprendizagem e tempo pessoal (custos).

Maioria Tardia

(Late Majority) Resistência

Pragmáticos em negação face ao risco, mas que seguem as tendências do momento, apesar de não reconhecerem os benefícios como substanciais.

Retardatários (Laggards) e

Céticos Persistentes (Persistent sceptics)

Forte Resistência

Resistentes à necessidade de melhorar os níveis de resiliência face aos perigos naturais. Negam quaisquer benefícios e apenas agem mediante imposições legais.

Adaptado de O’Neill (2004) No sentido de adequar as diferentes abordagens de comunicação aos níveis de envolvimento manifestados pelos indivíduos, O’Neill (2004) sugere a utilização da Escada de Participação de Arnstein, que sugere a inclusão progressiva de empoderamento (empowerment) e transparência à comunicação. Segundo esta autora, existem diferentes formas de envolvimento do público, que vão desde a manipulação (Manipulation/

Therapy) até ao empoderamento (empowerment), com degraus intermédios identificados

como informação (information), consulta (consultation) e colaboração (collaboration). Esta teoria defende que quanto mais próximos os cidadãos estiverem do topo da “escada” (empowerment), mais capazes se revelam de controlar o seu envolvimento em procedimentos participativos, revelando maior capacidade para influenciar a definição da agenda pública, para se envolver nas decisões, bem como, para exigir que os processos

postos em prática sejam inteligíveis para aqueles que neles participam. A Escada de Participação de Arnstein, aplicada ao setor da comunicação do risco, aponta a utilização das seguintes abordagens de comunicação para a fase Pré-Desastre (Tabela 17).

Tabela 17 - Escada de Participação Pública de Arnstein aplicada à comunicação do risco.

Formas de

envolvimento público Abordagens da comunicação sugeridas

Empoderamento (empowerment)

Desenvolvimento participativo: Visando fornecer às comunidades locais os recursos e competências de resiliência.

Colaboração (collaboration)

Capacitação da comunidade: Visando a resolução de problemas.

Comunicação Bidirecional ao nível da comunidade (Ex: Participação na definição e implementação da estratégia de comunicação).

Consulta (consultation)

Capacitação da comunidade: Visando a resolução de problemas.

Comunicação Bidirecional (individual ou em pequenos grupos) (Ex: ações de formação, simulacros, reuniões públicas, demostrações)

Informação (information)

Conscientização pública (informação e sensibilização).

Comunicação Unidirecional. (Ex: sistemas de informação (telefónicos, online), sessões de informação e sensibilização, distribuição de informação escrita, histórias na comunicação social).

Manipulação/ Terapia (Manipulation/ Therapy)

Marketing Social

Comunicação Unidirecional (persuasão) (Ex: Campanhas publicitárias, ações de marketing junto do público-alvo)

Não participação (Non-Participation)

Avisos e alertas de emergência

Comunicação Unidirecional (Ex: Avisos meteorológicos)

Adaptado de O’Neill (2004) A vantagem de basear a estratégia de comunicação nos níveis de envolvimento público, prende-se fundamentalmente com o facto de estes permitem combinar as etapas de adoção de Rogers, com a tipologia de participação de Arnstein e com as abordagens de comunicação sugeridas pela autora. O resultado é uma correlação direta entre os diferentes segmentos de público e as diferentes abordagens de comunicação (Figura 53), que possibilita a definição de objetivos específicos para cada uma das abordagens.

Figura 53 Abordagens de comunicação mediante o nível de envolvimento público (adaptado de O’Neill (2004).

Como sugerem as teorias anteriormente expostas, o envolvimento do público desde o início do processo é um fator importante para garantir a eficiência da comunicação de risco, tanto para pequenas comunidades como para áreas mais vastas como é o caso da área em estudo. Todavia, neste trabalho considerou-se também a perspetiva de Renn (2005; 2008) que sugere que estando a estratégia de comunicação vocacionada para os riscos naturais, os elevados níveis de incerteza, quanto à severidade e probabilidade de manifestação dos diferentes processos de perigosidade, recomenda que se privilegie o envolvimento dos principais stakeholders interessados na busca de soluções. Nesse sentido, embora a participação dos cidadãos ao nível individual não seja, de todo, descurada, privilegiou-se a identificação de stakeholders que ao nível regional e local, possam ter um papel relevante no desenvolvimento e implementação da estratégia. Nesse sentido, a estratégia de comunicação proposta sugere que a adoção de novos comportamentos deva começar com projetos participativos, envolvendo os stakeholder

regionais e locais na definição das ações que serão objeto de comunicação, funcionando como Inovadores (Innovators).

Posteriormente, através de uma abordagem direta e bidirecional (face-to-face) devem ser envolvidos os Adotantes Iniciais (Early Adopters), dando-lhes oportunidade de colocar os seus problemas, aos especialistas (técnicos especializados, cientistas, investigadores), e de debater possíveis soluções e estratégias para melhorar a resiliência ao nível comunitário, familiar ou pessoal. Estes indivíduos, atendendo ao seu elevado comprometimento e envolvimento devem também funcionar como “atores semente” para os restantes membros da comunidade, colaborando no desenvolvimento e implementação da estratégia a nível local. Um dos objetivos desta fase passa por criar um grupo disperso de indivíduos, informados, capazes e preparados para gerir o risco a que se encontram expostos. A sua ação poderá ser extremamente relevante numa situação de desastre, na medida em que, para além de saberem como agir, podem funcionar como fontes de informação e modelo de comportamento para outros elementos da comunidade.

Esta fase é também crucial na obtenção de informações mais rigorosas sobre as perceções e crenças da comunidade-alvo (local) e na identificação de oportunidades e barreiras à implementação da estratégia de comunicação. Nesse sentido, do acompanhamento, monotorização e avaliação desta fase, devem ser retiradas elações que contribuam para a adequação da estratégia, das mensagens e dos instrumentos de comunicação a utilizar nas fases posteriores, bem como, para a identificação dos desafios e necessidades específicas dos públicos mais latos que se pretendem alcançar.

Como refere O’Neill (2004) a passagem desta fase de comunicação direta e bidirecional, dirigida a um número relativamente pequeno de indivíduos interessados e motivados, para audiências mais vastas (mass audiences), menos empenhadas e participativas, é a fase mais difícil de uma estratégia de comunicação do risco.

No sentido de ultrapassar este abismo (chasm), como é denominado pelo autor, os indivíduos e stakeholders credíveis, do ponto de vista do público, devem ser envolvidos e ter um papel relevante na disseminação da estratégia, no sentido de encorajar o desenvolvimento de comportamentos adequados entre os indivíduos mais resistentes à mudança ou em negação para com o risco. Devem ser privilegiadas as mensagens simples, credíveis, fáceis de entender e usar. As recomendações devem ser compatíveis com os estilos de vida estabelecidos e prontas a usar (plug-and-play). Na maioria dos casos, a

chave para colmatar este abismo é a qualidade da avaliação da estratégia e a sua redefinição durante a fase de comunicação bidirecional (face-to-face) (Moore 2002, citado em O’Neill, 2004). Nesta fase, a estratégia deve basear-se principalmente na utilização de métodos de marketing social, com o propósito de “vender” os benefícios da adoção de comportamentos adequados e reforçar as normas sociais que conduzam a uma maior resiliência.

Finalmente, numa última fase, quando os comportamentos considerados adequados forem aceites pela maioria dos indivíduos, poder-se-ão introduzir progressivamente abordagens com um cariz marcadamente mais regulador, vocacionadas para o cumprimento de recomendações e obrigações emanadas pelas autoridades competentes. No contexto da comunicação de risco, esta fase corresponde à fase de aviso/ alerta para a ocorrência de uma situação de emergência, pelo que não deve ser deixada nenhuma dúvida, mesmo aos Retardatários (Laggards) e Céticos Persistentes (Persistent

Sceptics), sobre a autoridade das entidades oficiais para impor condutas apropriadas.

Esta estratégia, desenvolvida ao longo de quatro fases sucessivas, visa sobretudo alcançar uma mudança de comportamento, por parte dos indivíduos que compõem uma determinada sociedade, através de um processo gradual de transição entre as diferentes abordagens, sendo que cada uma delas visa um segmento específico da população. Todavia, na prática, deparamo-nos simultaneamente com indivíduos com perfis e comportamentos distintos (Retardatários, Céticos Persistentes, Maioria Inicial, Maioria Tardia, Adotantes Iniciais), pelo que diferentes abordagens podem ser desenvolvidas simultaneamente, como apresentado na Figura 54.

Figura 54 Sequência das quarto fases da estratégia de comunicação do risco (adaptado de O’Neill (2004).

Todavia, como refere O’Neill (2004) no sentido de maximizar a eficácia da estratégia de comunicação proposta e de adequar as diferentes abordagens utilizadas às características específicas de determinados públicos, o desenvolvimento das diferentes atividades deve ser ponderado em função da perceção e atitude face ao risco, patenteada pelos indivíduos, do seu grau de independência e autoeficácia na gestão dos riscos e da sua experiencia prévia dos perigos. Considerando estes fatores, o autor sugere que no âmbito da comunicação do risco para a fase pré-desastre, devem ser consideradas três tipos de atividade, particularmente relevantes:

i) Ações vocacionadas para riscos específicos

Este tipo de iniciativa é particularmente relevante em comunidades onde existe uma memória recente de desastres ou em áreas onde existem oportunidades de sensibilização englobadas no âmbito da recuperação de eventos adversos, com o propósito de desenvolver a resiliência relativamente a eventos específicos. Na sua implementação devem ser consideradas as diferentes abordagens, adequadas às especificidades da comunidade em causa.

Este tipo de atividade é particularmente apropriada em áreas que não foram recentemente afetadas por eventos danosos. Devem focar-se preferencialmente na prevenção e preparação dos riscos passíveis de afetar a área em causa e nas medidas de autoproteção de carater geral. Visam sobretudo desenvolver a resiliência da comunidade e assegurar a sua recetividade aos avisos e mensagens de segurança transmitidas durante um evento. Tal como na situação anterior, devem ser consideradas as diferentes abordagens de comunicação, adequadas à área em causa.

iii) Ações visando desenvolver a autoridade das entidades competentes

Estas ações devem ser dirigidas a todas as comunidades consideradas vulneráveis e visam fortalecer a autoridade, credibilidade e recetividade das entidades responsáveis pela gestão do risco e da emergência. Deve ser privilegiada a utilização de estratégias de marketing social e relações públicas.

A diversidade de objetivos e funções atribuídos à comunicação do risco, no âmbito da fase pré-desastre, pode ser uma tarefa bastante complexa. Nesse sentido, os responsáveis pela gestão da comunicação do risco devem ser capazes de tomar decisões racionais sobre a melhor combinação de abordagens para uma determinada necessidade (função ou objetivo). Para garantir a adequação das mensagens às abordagens anteriormente apresentadas O’Neill (2004) sugere a utilização de uma ferramenta de suporte à decisão, baseada na complexidade e objetividade da mensagem.

Como se observa na Figura 55, as mensagens veiculadas através das diferentes abordagens de comunicação devem progressivamente mais complexas, quanto maior o envolvimento dos indivíduos. Nesse sentido, no âmbito da comunicação de emergência as mensagens devem limitar-se apenas a uma ou duas ideias, enquanto na fase de desenvolvimento participativo poderão incluir um conjunto de aprendizagens essenciais à resiliência da comunidade. No que se refere à objetividade dos conteúdos, esta deve igualmente estar de acordo com o grau de envolvimento do público. As abordagens dirigidas a indivíduos menos empenhados (comunicação de emergência) devem ser o mais objetivas possível, tornando-se progressivamente mais abrangentes quando dirigidas a públicos mais comprometidos com os objetivos da comunicação.

Figura 55 - Ferramenta de suporte para identificação do grau de complexidade e objetividade das mensagens veiculadas através das diferentes abordagens de comunicação do risco (adaptado de O’Neill (2004).

No sentido de maximizar a eficácia da estratégia de comunicação proposta e de adequar as diferentes abordagens utilizadas às características específicas dos diferentes públicos, procuraram-se também adequar as mensagens e canais e instrumentos de comunicação, em função dos principais riscos que se manifestam no território da Região autónoma da Madeira e da perceção e atitude face ao risco patenteada pelos residentes, tendo por base os fundamentos enunciados por Höppner et al. (2010) e Kuhlicke & Steinfuhrer (2010), enumerados em capítulos anteriores.