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Morin enuncia em várias obras, os princípios do pensamento complexo. Em

73 dialógico, da recursão organizacional, hologramático. No O Método 3: O conhecimento

do conhecimento (2005b), que trata sobre o conhecimento do conhecimento enuncia os mesmos três princípios tendo em vista o conhecimento.

O princípio dialógico estabelece relações complementares, concorrentes e antagônicas entre elementos que são opostos. A dialogia é aplicada em relação aos termos ordem e desordem. Para o pensamento simplificador, ordem e desordem são excludentes, para o pensamento complexo, ordem e desordem permanecem antagônicos, mas também são concorrentes. Morin nos chama a atenção sobre o processo dialógico que ocorre nos processos cerebrais (por exemplo, a dialógica entre os dois hemisférios do cérebro). Os processos da organização viva, evocados na Introdução ao Pensamento

Complexo, ocorrem sob a forma de dialogia entre a estabilidade e a instabilidade no

DNA. Tais exemplos de dialogia que ocorrem na realidade reforçam que somente um pensamento complexo poderia conceber tais processos, tarefa impossível para o pensamento simplificador que realiza tão somente a disjunção. À diferença da dialética, a dialogia não tem como fim resolver as contradições, antes ela as acolhe e incorpora.

O princípio hologramático considera que a parte está no todo e o todo está na parte. Mesmo na menor parte estão contidas informações sobre o todo. O holograma é a reprodução, em placas fotográficas, de objetos tridimensionais. Cada ponto do holograma contém a quase totalidade de informações do objeto que foi hologramado. “O holograma demonstra, pois a realidade física de um tipo surpreendente de organização, em que o todo está na parte que está no todo, e a parte está mais ou menos apta a regenerar o todo.” (MORIN, 2005b:113).

À diferença da fotografia, na qual cada parte representa um ponto específico do objeto representado, um holograma, por conter a totalidade ou quase totalidade das informações do objeto representado, se houver cortes na imagem hologramática não haverá mutilações. A relação entre partes e o todo provavelmente fique mais clara no artigo A metáfora do holograma social. No artigo Navarro afirma que cada parte do objeto hologramado contém a informação do todo. No entanto, somente com a interação entre as partes é que se torna possível reconstituir a totalidade do objeto. “Cada parte minimamente extensa de um holograma possui uma informação global acerca do objeto representado. Mas é precisamente a interação entre essas partes que permite reconstituir visualmente esse objeto com claridade.” (NAVARRO, 2002: 238)

74 Os casos mais ilustrativos do princípio hologramático ocorrem nos fenômenos biológicos e sociais.

Por exemplo, a relação entre sociedade e indivíduo pode ilustrar melhor a relação entre o todo e as partes. O indivíduo, que é parte da sociedade também a reflete. Fazemos como indivíduos, parte da sociedade e, por isso, carregamos conosco os valores sociais, etc.

À afirmação de Morin de que “o menor ponto da imagem do holograma contém a quase totalidade de informação do objeto representado” (MORIN, 2006a:74), compreende-se que sempre algo escapa às partes. No caso da relação indivíduo- sociedade, os indivíduos não carregam da mesma forma as informações e os valores da sociedade. Essa intrincada relação entre todo e partes revela a recusa do pensamento complexo em cair ou na fragmentação total, considerando somente as partes, ou na valorização exclusiva do todo (holismo), desconsiderando as partes.

O princípio de recursividade, também chamado de princípio de recursão organizacional, diz que todas as coisas ao mesmo tempo são causas da e causadas por aquilo que elas produziram. Isto é, não existe uma relação de causalidade linear entre causa e efeito. “Trata-se de um processo em que os efeitos ou produtos são, ao mesmo tempo, causadores e produtores no próprio processo, sendo os estados finais necessários à geração dos estados iniciais”. (MORIN,2005b: 113).

Em A cabeça-feita e em A Inteligência da Complexidade, Morin, além dos princípios dialógico, hologramático e recursivo acrescenta mais quatro: o princípio sistêmico ou organizacional, o princípio do círculo retroativo, o princípio de autonomia e dependência e o princípio de reintrodução do conhecimento em todo conhecimento. Alguns princípios aproximam-se e parecem desdobramentos dos três princípios enunciados29.

O princípio do círculo retroativo é o mesmo que o princípio recursivo, dito de outra forma por Morin. Segundo este princípio, a causa produz um efeito e este retroage sobre a causa. Assim a causa pode tanto agir como causa como quanto efeito. Morin nos fornece exemplos de variados tipos, fenômenos físicos (o organismo vivo é composto de uma série de processos retroativos) e fenômenos sociais (a violência desencadeada por um indivíduo, freqüentemente, retroage e gera mais violência).

29 Morin afirma que todos os princípios são complementares e interdependentes, mas me parece que os princípios hologramático, dialógico e recursivo são o núcleo, sendo os demais princípios desdobramentos ou até mesmo casos particulares dos três primeiros.

75 O princípio da auto-eco-organização: autonomia e dependência, no meu entender, pode ser caracterizado como um caso particular do princípio dialógico, pois relaciona de forma concorrente dois termos que, em princípio são antagônicos e, portanto, excludentes. Tal princípio afirma a inseparabilidade de autonomia e da dependência. O processo de organização dos seres vivos bem mostra essa dependência. A todo momento os seres vivos produzem e gastam energia, visando preservar a sua autonomia, mas ao mesmo tempo eles são dependentes de seu meio ambiente. No homem, a sua autonomia, é dependente tanto da cultura quanto do meio ambiente.

O princípio sistêmico e organizacional guarda relações com o princípio hologramático, na medida em que se refere ao conhecimento das partes e do todo. O conhecimento, segundo tal princípio, só é possível se conhecermos a parte e o todo. O todo não é a simples soma das partes, porque o todo tem qualidades e características próprias em relação às partes. Nesse sentido pode-se dizer que o todo tem algo a mais que as partes. Em contrapartida, o todo é menos que a soma das partes, pois várias características das partes são reprimidas pela organização do todo.

E por último, temos o princípio chamado da reintrodução do conhecimento em todo conhecimento. Esse princípio contrapõe-se à base da ciência clássica e do pensamento simplificador que com ela se articula que é o de separar o sujeito do objeto. Todo conhecimento não pode, em última análise, ser separado do sujeito, pois qualquer teoria é constituída pelo sujeito que está inserido numa determinada cultura e em um determinado período histórico.

A importância dos princípios está na possibilidade de articular, organizar e compreender as informações sobre o mundo cada vez mais complexo. Para Morin:

O conhecimento do mundo como mundo é a necessidade ao mesmo tempo intelectual e vital. É o problema universal de todo cidadão do novo milênio: como ter acesso às informações sobre o mundo e como ter a possibilidade de articulá-las e organizá-las? Como perceber o contexto, o Global (relação todo/partes), o Multidimensional, o Complexo? Para articular e organizar os conhecimentos e assim reconhecer e conhecer os problemas do mundo, é necessária a reforma do pensamento. (MORIN, 2006b:35)

76 Diante da proposta de reforma do pensamento é importante perguntar qual é o papel da razão nesta reforma. Será que a razão é a mesma concebida ao longo do pensamento de séculos atrás?

Será que a reforma do pensamento, com a introdução dos princípios de causalidade recursiva, dialogia e hologramático, exigirá um novo tipo de razão? A resposta comporta duas afirmações aparentemente contraditórias.

Em primeiro lugar, penso que Morin nos remete ao sentido original sempre que define a razão. As definições dadas por Morin ao longo de sua vasta obra não são sempre as mesmas. No entanto, Morin sempre guarda consigo a definição de razão como cálculo lógico, como coerência e como ordenamento que utiliza um método próprio. Ao mesmo tempo em que tem consciência de que a razão muda, no sentido de que ela estabelece relações dinâmicas com vários outros elementos, tais como o pensamento mítico, o afeto, as pulsões. Relações essas que se modificam ao longo dos vários contextos históricos da humanidade.

Em síntese, a razão ao mesmo tempo em que mantém o seu sentido original encontra-se em processo de constante mudança. Mudança que nem sempre significa mudança para melhor. Mudança que implica também em regressão. Examinaremos a seguir algumas definições e referências feitas por Morin para a razão a fim de tentar dar conta das múltiplas facetas que ela assume no pensamento complexo.