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Princípios e resoluções da Organização dos Estados Americanos (OEA)

A Organização dos Estados Americanos (OEA) é a mais antiga organização regional do hemisfério ocidental. Seus objetivos são fortalecer os laços de cooperação e viabilizar o desenvolvimento dos interesses comuns dos Estados membros. A referida congregação surgiu na primeira conferência internacional de repúblicas americanas, ocorrida em 1889 e 1890, a qual foi denominada como União Internacional de Repúblicas Americanas. Após a Segunda Guerra Mundial, em 1948, a Organização tornou-se a OEA. Atualmente, conta com 35 membros independentes e sua sede fica em Washington, Estados Unidos. Dentre alguns pontos de atuação da entidade, tem-se a integração econômica e comercial, questões ambientais, o combate a crimes que escapam ao âmbito Internacional de cada Estado e, por fim, mazelas comuns que venham a atingir os Estados integrantes (BRIGAGÃO; MELLO, 2006).

Considerando os acordos internacionais firmados na OEA, destaca-se a Convenção Americana de Direitos Humanos, então subscrita na conferência especializada Interamericana de Direitos Humanos, em 22 de novembro de 1969, na cidade de San José da Costa Rica (BRASIL, 1992). O Governo brasileiro, conforme o Decreto n. 678, promulgou a aludida Convenção no dia 22 de novembro de 1992, reafirmando, assim, no âmbito interno, “um regime de liberdade pessoal e de justiça fundado no respeito para os direitos essenciais do homem” (CIDH, 1969). Tais direitos essenciais se baseiam nos atributos da pessoa humana, razão porque evidenciam uma proteção internacional de cunho convencional agregada ao direito interno dos estados signatários.

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A Convenção Americana de Direitos Humanos consagra o princípio da não discriminação nos artigos 1, 13, 17, 24 e 27 (Anexo II), o que é fundamental para o processo de reconhecimento jurídico da comunidade LGBTI. Segundo a Convenção, toda pessoa, independentemente de raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou discriminação de qualquer natureza, devem ter respeitado seus direitos, primando-se sempre pela igual proteção da lei. Dessa forma, a partir do Pacto de San José da Costa Rica, resoluções foram criadas para estabelecer diretrizes contra a discriminação e estimular a elaboração de políticas que busquem a efetiva proteção e integração de comunidades as quais sofrem violência, por exemplo, por não se enquadrarem aos padrões instituídos como normais, como é o caso da comunidade LGBTI.

A Resolução de n° 2435, "Direito Humanos, Orientação Sexual e Identidade de Gênero" (Anexo III), aprovada em 3 de junho de 2008 pela Assembleia Geral da OEA, declara profunda preocupação no que concerne às violações de direitos humanos praticadas em virtude de orientação sexual e identidade gênero. Destaca- se que, desde então, a OEA vem reafirmando a questão por meio de novas resoluções com o mesmo conteúdo, porém, trazendo dispositivos cada vez mais enfáticos quanto à erradicação da violência homotransfóbica no continente. Por sua vez, em 2009 e em 2010, a Assembleia Geral da OEA aprovou, respectivamente, as resoluções de n° 2504 (Anexo IV) e de n° 2600, cujos conteúdos, em suma, condenam atos de violência motivados em razão da orientação sexual e da identidade de gênero dos sujeitos. Os Estados-membros, portanto, devem promover a proteção adequada àqueles que trabalham com assunto, especialmente nas investigações de condutas de violação de direitos humanos.

A resolução de n° 2653, aprovada em 2011 pela Assembleia Geral da OEA, cria uma Unidade para os direitos das pessoas LGBTI e dedica um capítulo inteiro apenas para tratar da questão dos defensores dos direitos LGBTI. Ademais, em 2012, a resolução de n° 2721, bem como a resolução 2807 XLIII-0/13) (Anexo V), de 2013, reiteram as disposições anteriores acerca da proteção necessária à comunidade LGBTI, insistindo, pois, na urgência dos Estados-membros em adotar medidas específicas (BAHIA, 2010).

No tocante à competência da Corte Interamericana de Direitos Humanos, o Brasil se submete à referida jurisdição na medida em que, além de Estado-parte da

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Convenção Americana desde 1992, também se manifestou expressamente aceitando a competência da Corte (CIDH, 1992). Destaca-se, por exemplo, a condenação do Chile por discriminação em virtude de orientação sexual no caso Atala Riffo e filhas versus Chile. Conforme decisão proferida pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, a guarda das crianças foi retirada indevidamente da mãe, tão somente porque ela passou a manter uma relação homoafetiva após o divórcio com o seu ex-cônjuge. A decisão, no intuito de sanar a controvérsia, analisou as seguintes questões:

1) o alcance do direito à igualdade e à não discriminação; 2) a orientação sexual como categoria protegida pelo artigo 1.1 da Convenção Americana; 3) se existiu neste caso uma diferença de tratamento, com base na orientação sexual; e 4) se essa diferença de tratamento constituiu discriminação, para o que se avaliarão, de forma estrita, as razões que se alegaram para justificar essa diferença de tratamento, em virtude do interesse superior da criança e das presunções de risco e dano em detrimento das três crianças [...] Sobre o princípio de igualdade perante a lei e a não discriminação, a Corte salientou que a noção de igualdade se infere diretamente da unidade de natureza do gênero humano, e é inseparável da dignidade essencial da pessoa, frente à qual é incompatível toda situação que, por considerar superior um determinado grupo, leve a que seja tratado com privilégio; ou que, ao contrário, por

considerá-lo inferior, o trate com hostilidade ou de qualquer forma o afaste do gozo de direitos que de fato se reconhecem àqueles que não se consideram incursos nessa situação [...] A jurisprudência da Corte também ressaltou que na atual etapa da evolução do Direito Internacional, o princípio fundamental de igualdade e não discriminação ingressou no domínio do jus cogens. Sobre ele descansa a estrutura jurídica da ordem pública nacional e internacional e permeia todo o ordenamento jurídico [...] Os Estados são obrigados a adotar medidas positivas para reverter ou modificar situações discriminatórias existentes na sociedade em detrimento de determinado grupo de pessoas (CIDH, 2012).

Sendo assim, decidiu-se, no caso acima, observando a competência da mencionada Corte, que estereótipos sobre a homossexualidade não podem fundamentar nenhuma discriminação, de modo que a parte lesada deve receber a reparação integral e garantias de não repetição da conduta. Além disso, o Chile foi condenado a investigar e a impor consequências jurídicas aos funcionários responsáveis pelo fato, bem como a adotar medidas de direito interno, reformas e adequação de leis contra a discriminação, sem contar, ainda, com as indenizações compensatórias a serem pagas aos prejudicados (CIDH, 2012).

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No Brasil, o advogado Paulo Iotti24, no dia 22 de julho de 2017, ingressou com uma denúncia na Comissão Interamericana de Direitos Humanos contra o Estado brasileiro, em razão da omissão do mesmo no combate ao crime de homotransfobia. Em 2012, André Baliera foi brutalmente agredido, sendo vítima de tentativa de homicídio por motivações homofóbicas. Ocorre que, com o "evoluir" do processo criminal, o Ministério Público concordou com a desclassificação do delito para o crime de lesão corporal leve, o que destoa, ou melhor, infringe os artigos 2 e 24, 1.1, da Convenção Americana de Direitos Humanos. Esses artigos preconizam direitos humanos relacionados à igualdade, a não discriminação e à proteção eficiente do Estado. Ademais, a denúncia pretende a condenação do Brasil por notória violação aos direitos humanos da vítima, resultante do pertencimento dela à população LGBTI, e, também, que a Corte determine a elaboração de uma lei específica que puna os crimes de ódio praticados em razão da discriminação por identidade de gênero e orientação sexual (ZANARDO, 2017).

De outra banda, durante a 43ª Assembleia Geral da OEA, em Antígua, na Guatemala, verifica-se uma relevante vitória simbólica com a aprovação, na data de 05 de junho de 2013, dos textos da “Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Conexas de Intolerância” e da “Convenção Interamericana contra Toda Forma de Discriminação e Intolerância”, os quais, pela primeira vez em uma Convenção da OEA, incluem o conceito de orientação sexual entre as populações protegidas, não se distinguindo, pois, o racismo étnico da discriminação homotransfóbica (OEA, 2013).

Por fim, a 47ª Assembleia Geral da OEA, realizada em junho de 2017, no México, aprovou a Resolução Geral de Direitos Humanos, a qual condena todas as formas de discriminação de violências motivadas pela a orientação sexual ou identidade e expressão de gênero. Tal Resolução solicita aos Estados-Membros da OEA a tomada de medidas eficazes para proteger os direitos humanos da população LGBTI, com a produção de dados correlatos, a prevenção e a investigação de todos os atos de violência. No curso da aludida Assembleia, constata-se notório combate às ações intolerantes e discursos de ódio de organizações fundamentalistas que visaram impedir a aprovação e adoção da Resolução. Logo, apesar das investidas que significariam perigoso retrocesso, a coalizão LGBTI e as ações diplomáticas de

24 As petições apresentadas no processo e rememoradas nesse trabalho foram disponibilizadas pelo sítio eletrônico do Supremo Tribunal Federal.

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diálogos entre os Estados-Membros da OEA permitiram a aprovação da Resolução, inclusive com uma secção específica acerca da orientação sexual e da identidade e expressão de gênero (OEA, 2017).