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Princípios Teóricos-Metodológicos da Pesquisa

IV) Sobre o Método

1. Princípios Teóricos-Metodológicos da Pesquisa

A abordagem sócio-histórica em educação e psicologia que fundamenta a visão de homem e sociedade de nossa intervenção em orientação profissional, também dá o contorno do método de pesquisa utilizado neste estudo. Assim, os princípios básicos da teoria Sócio-Histórica são também orientadores do método.

Um dos primeiros e mais importantes princípios é o da historicidade. Ele contrapõe as construções sócio-históricas a todas aquelas que, ao explicarem os fenômenos, naturalizam-nos. Pensar a realidade pelo princípio da historicidade implica tomar a realidade a partir da idéia de movimento constante, que tem por base a contradição. Por isso, não se busca a universalidade ou a regularidade dos fatos, mas seu processo de construção, seu movimento. Além disso, considera-se que as leis que regem esse processo não são naturais mas históricas, isto é, são resultantes das ações humanas sobre o mundo.

Esse princípio permite que se procure, com a pesquisa, compreender e acompanhar o movimento da realidade, um movimento de construção da própria realidade. É nas ações de cada sujeito e nas suas expressões que vamos buscar as explicações.

Dessa forma, consideramos os procedimentos escolhidos para o trabalho descrito a seguir como privilegiados, pois nos permitiram acompanhar os sujeitos em seu movimento de escolha com a clareza de que esse movimento não acontece apenas nos momentos do grupo que foi realizado, mas acreditando-se que o momento do grupo permitiu visibilidade adequada a todo o processo.

Outro aspecto que merece destaque é a questão da subjetividade. A Teoria Sócio- Histórica é também um esforço de superação da dicotomia objetividade- subjetividade. O homem, em permanente ação transformadora sobre o mundo, modifica-o e, ao fazer isso, transforma a si próprio. Esse movimento tem, portanto, dois âmbitos: um que chamamos de objetividade e outro, de subjetividade. Compreender a realidade exige que conheçamos esses âmbitos. Aliamos, assim, em nosso trabalho, a análise da realidade sócio-econômica, na qual a escolha dos sujeitos de nossa pesquisa acontece, e o movimento subjetivo que vai sendo produzido ao estarem, os sujeitos, interagindo de forma ativa nessa realidade. Dar conta desta tarefa exige que se traga para o campo da produção de conhecimentos categorias de análise que permitam dar visibilidade ao âmbito da subjetividade. As categorias de sentido e significado, às quais dedicamos o capítulo II desta tese, acompanham-nos, então, como recursos metodológicos.

53 Como afirma Maria da Graça M. Gonçalves:

A psicologia social sócio-histórica, de base marxista, enfoca também o produto da relação indivíduo-sociedade. Mas não privilegia a descrição do discurso (ou representações) e sim sua produção, a partir da gênese histórica da atividade social do indivíduo que se apropriou dos significados sociais, atribuindo-lhes sentidos pessoais.

(Gonçalves, 2005, p. 103)

A linguagem expressa os registros sociais que são produzidos historicamente na sociedade, que são denominados “significados”. A linguagem também expressa afetos, conhecimentos e ações do próprio indivíduo (igualmente construídos historicamente), fenômeno nomeado “sentido”. A subjetividade é constituída a partir da atividade do sujeito, tendo como mediação a linguagem e as relações sociais. Para a compreensão da relação indivíduo-sociedade, coloca-se o discurso como foco na busca de seus significados e sentidos.

Outro aspecto importante da teorização que tem decorrência no método é o lugar da linguagem e do discurso dos sujeitos. No movimento do sujeito na construção de si e do mundo, a linguagem é que permite a internalização de uma operação externa.

“O homem, ao internalizar alguns aspectos da estrutura da atividade, internaliza não apenas uma atividade, mas uma atividade com significado, como um processo social que, como tal, é mediatizado semioticamente ao ser internalizado. O desenvolvimento das funções psíquicas superiores processa-se pela internalização dos sistemas de signos produzidos socialmente, o que nos leva concluir que as mudanças individuais têm origem na sociedade, na cultura, mediada pela linguagem”. (Aguiar, 2001, p.102)

O discurso será o foco de análise desta pesquisa, na busca da compreensão dos sentidos e significados envolvidos na escolha profissional dos sujeitos.

“Os discursos como sistemas semióticos de natureza social são importantes, não como um fim em si mesmo, mas como via que nos permite a construção de dimensões ocultas do social... o emprego das palavras é uma expressão simbólica, que além de mostrar um ou vários sistemas discursivos, significa também a história única de quem fala, o que diferencia as emoções associadas do emprego das palavras, dando lugar a seu sentido” (González Rey, 2003, p 213)

Usaremos o recurso de analisar as palavras escritas pelo sujeito. Temos consciência de que o fato de ter que escrever traz, de um lado, um prejuízo para a pesquisa, pois se perde a fluência que se poderia obter, por exemplo, numa entrevista, o que revelaria as contradições e as emoções do sujeito. Por outro, leva o sujeito a organizar seu pensamento, objetivando sua reflexão.

Nossa pesquisa utilizou vários instrumentos de produção de dados (descritos abaixo). Compartilhamos com González Rey a idéia de que um instrumento de pesquisa é “...toda situação ou recurso que permite ao outro expressar-se no contexto de relação

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que caracteriza a pesquisa... o instrumento representa apenas o meio pelo qual vamos provocar a expressão do outro...facilitar a expressão aberta e comprometida deste outro, usando, para isso, os estímulos e as situações que o pesquisador julgue mais convenientes. O instrumento privilegiará a expressão do outro como processo, estimulando a produção de tecidos de informação, e não de respostas pontuais”. (2005, p. 42/43)

Esta pesquisa apresenta uma peculiaridade na forma de seu desenvolvimento. Não foram construídos questionários, nem utilizados roteiros de entrevista. Da mesma forma, não se determinou um momento especial em que algum instrumento seria aplicado.Na realidade, os dados foram obtidos numa atividade regular de orientação profissional. Os sujeitos, apesar de saberem que estariam fornecendo dados para uma pesquisa, em nenhum momento se comportaram como pessoas que respondiam a questões de uma entrevista ou que, objetivamente, forneceriam respostas a perguntas previamente elaboradas. Nem mesmo o pesquisador se comportava como tal.

O que será analisado neste estudo serão os discursos elaborados pelos participantes do grupo durante o transcorrer do trabalho de orientação, registrados de forma escrita pelos próprios sujeitos e pelas anotações do coordenador/pesquisador. Em cada sessão do programa, cada sujeito produziu por escrito suas reflexões, que ora foram realizadas como preparatórias para os debates, ora após as discussões, como registros de síntese da atividade vivenciada. Busca-se, então, a partir dos dados, construir “zonas de sentido”.

González Rey define zonas de sentido como “...espaços de inteligibilidade que se produzem na pesquisa científica e não esgotam a questão que significam, senão que pelo contrário, abrem a possibilidade de seguir aprofundando um campo de construção teórica”. (González Rey, 2005, p.6)

Portanto, uma das finalidades importantes desse trabalho é, exatamente, dar visibilidade ao processo de escolha de jovens egressos do ensino médio e que pertencem à camada pobre da população. Essa reflexão foi feita a partir dos discursos desses jovens durante processo de orientação profissional. Trata-se de uma pesquisa qualitativa. Um caso particular é estudado para a construção de conhecimento que González Rey afirma ter um caráter construtivo-interpretativo. Para esse autor, nada garante, “de forma imediata no processo de pesquisa, se nossas construções atuais são as mais adequadas para dar conta do problema que estamos estudando. A única tranqüilidade de que o pesquisador pode ter nesse sentido se refere ao fato de suas construções lhe permitirem novas construções e novas articulações entre elas capazes de aumentar a sensibilidade do modelo teórico em desenvolvimento para avançar na criação de novos momentos de inteligibilidade sobre o estudado.” (González Rey, 2005, p.7)

Os registros escritos dos sujeitos foram tabulados e, em seguida, procedidas leituras rigorosas, foram categorizados segundo indicadores extraídos dos próprios registros. O mesmo foi feito com as anotações do coordenador/pesquisador.

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As categorizações nos remeterão para a organização dos “núcleos de significação”, que se constituem como a “... articulação de conteúdos semelhantes, complementares ou contraditórios, que ocorrem no processo de construção dos sentidos e significados, o que possibilitará uma análise mais consistente, que nos permita ir além do aparente e considerar tanto as condições subjetivas quanto as contextuais e históricas.” (Aguiar & Ozella, 2006, p.231)

Como último princípio de nosso pensamento metodológico, destacamos o papel ativo do pesquisador. Ele também se coloca como sujeito da pesquisa e não pode ser entendido como apenas um agente que coleta dados. No caso específico desta pesquisa, o investigador participa como sujeito mais ainda, porque é o condutor do trabalho de orientação profissional. Conhece, por isso, seus sujeitos e não está imune às relações estabelecidas no grupo, isto é, vive suas tensões, participa de suas brincadeiras, conhece os sub-grupos, além de ter um papel ativo reconhecido por todos os sujeitos (não como pesquisador, mas como “expert” em escolha profissional). Na etapa de análise, busca um certo distanciamento para poder olhar os dados além do que a situação empírica permite, procurando produzir conhecimento que vá além da aparência.

2. Procedimentos da Pesquisa