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Principais atores que compõem a infraestrutura da Internet

3.3 Neutralidade de rede e zero-rating

3.3.2 Principais atores que compõem a infraestrutura da Internet

Para compreender os múltiplos interesses envolvidos na discussão sobre a neutralidade de rede, torna-se necessário identificar os principais atores que compõem a infraestrutura da Internet. Ramos (2015) propõe a sistematização desses atores em quatro categorias distintas, a saber:

- Provedores de acesso (Internet Service Providers - ISPs): empresas cuja principal finalidade é prover conexão à Internet para usuários finais ou outros provedores de acesso, por meio de serviços de telecomunicações, em modalidades como a banda larga fixa ou móvel, por exemplo.

- Provedores de trânsito: empresas que prestam serviços de telecomunicações a outros provedores de acesso ou a grandes provedores de aplicações ou conteúdo, por meio de uma infraestrutura física e lógica que oferece interconexão entre as redes dos provedores de acesso, incluindo linhas de alta capacidade de transmissão de dados (backbones).

- Provedores de aplicações ou conteúdo: empresas que utilizam como suporte um serviço de telecomunicações para disponibilizar o seu conteúdo ou aplicações na rede para usuários finais.

- Usuários: consumidores finais de serviços de telecomunicações, de aplicações e de conteúdos.

Numa perspectiva econômica, o acesso à Internet é caracterizado como um mercado de dois lados6, em que os operadores da rede7 conectam os provedores de conteúdo, de um lado, com os consumidores que demandam os seus serviços, de outro lado, conforme demonstrado na FIG. 3.

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“[...] um mercado de dois lados é aquele que se desenvolve economicamente distribuindo os custos (ou gerando receita) de dois espectros de participantes, no qual uma figura central consegue se remunerar. [...] Só há valor para um lado do mercado se o outro também cresce e se expande” (SILVA et al., 2016, p. 416-417).

7 O conceito de operadores da rede, neste trabalho, abrange tanto os provedores de acesso quanto os provedores

Figura 3 - Atores na infraestrutura da Internet

Fonte: Adaptada de SHUETT, 2010.

Para ilustrar a relação de interdependência entre esses atores, registre-se o fato ocorrido em 2008, nos Estados Unidos, quando, por quase uma semana, universidades americanas e canadenses, o governo do estado do Maine e milhões de usuários da banda larga móvel da operadora Sprint ficaram sem acesso a milhares de sítios eletrônicos na Internet. A origem do problema não estava no provedor de acesso (ISP), mas na ausência de um acordo de interconexão entre os provedores de trânsito Cogent e Sprint, que discordavam quanto às condições comerciais que deveriam ser estabelecidas para a troca de tráfego entre as duas empresas.

Como consequência da disputa, os usuários dos provedores de acesso que dependiam da Congent para transportar o seu tráfego não conseguiam enviar e- mails ou acessar sítios eletrônicos de outros usuários cujos provedores de acesso dependiam da Sprint, e vice-versa. A questão foi resolvida por meio de um acordo entre as empresas, mas demonstra a importância de se regular as relações que compõem o universo digital (WEISER, 2009).

Há que se ressaltar, ainda, a possibilidade de integração vertical entre os atores, que podem desempenhar papéis de forma simultânea, como é o caso de provedores de acesso à Internet com provedores de conteúdo. Um exemplo recente dessa situação foi o interesse8 demonstrado pela empresa de telecomunicações

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Em 22 de outubro de 2016, a AT&T anunciou a proposta de aquisição da Time Warner por U$85.4 bilhões. Disponível em: <https://www.nytimes.com/2016/10/23/business/dealbook/regulatory-microscope-lies-ahead-for- att-and-time-warner.html>. Acesso em: 15 mar. 2016.

AT&T em adquirir a Time Warner, que produz e distribui conteúdo por meio de canais como HBO, CNN e TNT, entre outros.

Nesse cenário, verifica-se a posição hegemônica dos detentores da infraestrutura para o acesso à rede mundial de computadores, tanto nas relações de varejo quanto nas de atacado, já que toda a cadeia de valor da Internet depende da rede para a sua viabilização (ANATEL, 2016).

Esse fato potencializa o conflito de interesses econômicos entre os atores que compõem o universo da infraestrutura da Internet, principalmente diante do aumento do volume de tráfego, das limitações da rede de acesso (last mile) e do crescimento de aplicações e serviços que demandam cada vez mais capacidade da infraestrutura (por exemplo, jogos on-line, video on demand, vídeo em tempo real).

Faz-se necessário salientar que o maior custo para os provedores de acesso é o desenvolvimento, a manutenção e a expansão da infraestrutura de telecomunicações, sendo que a rentabilidade do negócio é mantida por meio da remuneração pelo acesso nos dois lados do mercado.

Já os provedores de conteúdo têm como principal fonte de receita a cobrança direta dos usuários por meio de planos de assinaturas, taxas de licença de software ou venda de produtos e serviços on line, sendo que, indiretamente, eles também auferem receitas por meio da publicidade na rede ou da cessão da base de dados de usuários (RAMOS, 2015).

Assim, enquanto os operadores da rede buscam um modelo de remuneração que possa extrair um excedente econômico dos provedores de conteúdo, por meio da oferta de qualidade de serviço diferenciada ou da priorização do conteúdo, por exemplo, os provedores de conteúdo buscam ampliar a sua base de clientes com a manutenção ou redução dos custos de utilização da infraestrutura de telecomunicações.

Outro litígio, dessa vez entre as empresas Comcast e Netflix, demonstra como esse conflito de interesses econômicos pode se configurar na prática. No caso, o operador da rede (Comcast), em face do aumento exponencial da demanda pelos vídeos do provedor de conteúdo, passou, a partir do segundo semestre de 2013, a degradar a velocidade de download dos usuários da Netflix, que passaram a reclamar da qualidade do serviço prestado. A justificativa para a ação da Comcast estava sustentada na alegação de que a Netflix estava sobrecarregando a rede com o seu tráfego intenso de dados. No início de 2014, ambas as empresas chegaram a

um acordo privado, pelo qual a Netflix passou a pagar uma taxa adicional para conseguir uma melhoria na qualidade nos serviços prestados pela Comscast (CINTRA, 2015).

O GRAF. 1 ilustra o crescimento significativo da velocidade média de conexão logo após a assinatura do referido acordo, o que deixou evidente que a degradação do tráfego, a partir de outubro de 2013, foi realizada de forma intencional pela Comcast, com vistas a auferir uma vantagem econômica da Netflix por meio da elevação do nível de serviço na rede.

Gráfico 1 - Velocidade média de conexão da Netflix na rede da Comcast

Fonte: <https://www.statista.com/chart/2255/netflix-comcast-deal/>. Acesso em: 8 mar. 2017.

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