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5. CONCLUSÕES E IMPLICAÇÕES

5.1 Principais Conclusões

Esta dissertação teve como principal objetivo entender por que e como são praticadas as estratégias de base da pirâmide, sob uma perspectiva de estratégia como prática social. Para tal, foi elaborado um estudo de caso com uma grande corporação norte-americana (representante da economia ‘do centro’) que possui operação no Brasil (representante de economias emergentes).

Fazendo a revisão dos principais temas de estratégia internacional, especialmente no âmbito da estratégias de marketing, foi possível perceber o aspecto tático atribuído a esta disciplina durante e após a globalização, dado que o foco de discussão estratégica no marketing, especialmente em marketing internacional, permaneceu sempre limitado ao binômio padronização versus adaptação. As atividades realmente estratégicas, de abordagens mais amplas, passaram a ser atividade das recentes áreas de planejamento estratégico.

Sob forte influência da literatura norte-americana, a visão dominante de estratégia, não reconhece como legítimas discussões sobre poder e política, e retrata as grandes corporações multinacionais como organizações apolíticas e com direcionamento estratégico unicamente ditado por questões econômicas. Dado este cenário, tornou-se necessário buscar ferramentas de análise em outros conceitos como o megamarketing, que abordam interesses mais amplos presentes nas estratégias das empresas.

Ainda assim este tipo de análise ampla é ignorado pelas escolas de administração e por praticantes, enquanto que acionistas e gestores, bem como grandes consultorias, possuem estratégias claras traçadas para lidar com os diferentes níveis de relacionamento corporativo, adentrando questões de política e poder que vão além do

entendimento do discurso dominante. A questão torna-se ainda mais relevante no caso de países emergentes, que por apenas replicarem a literatura mainstream enxergam as grandes corporações como apolíticas e capazes de gerar resultados realmente satisfatórios em relação ao desenvolvimento social, sendo inclusive apoiadas por importantes órgãos e agências de fomento internacionais.

Tendo em vista que há uma vertente crítica na contramão deste discurso, que tem como argumento a falta de engajamento das corporações com questões de desenvolvimento social e a utilização da situação para única e exclusivamente aumentarem suas influências, econômica e política, sobre os demais agentes, sejam Estado ou sociedade, fez-se necessário buscar uma visão distanciada para análise das estratégias BDP sem influência de qualquer um desses extremos, mas levando em consideração todos os aspectos.

A abordagem de estratégia como prática social foi assim utilizada, em busca entender a estratégia sem ser algo impessoal ou um atributo organizacional, mas sim como algo que traz contribuições sobre o que as pessoas fazem, uma vez que os pesquisadores não precisam se afastar do seu objeto de estudo (WHITTINGTON, 2004).

O nível de análise distanciado das extremidades mainstream-crítica tornou possível observar questões delicadas sobre o mercado de refrigerantes, e principalmente sobre as organizações que o compõe. Como visto, a força política dos grandes grupos é um fator determinante para compreender esta conjuntura. Não obstante, a empresa estudada apresenta muitas conexões políticas, tanto em seu histórico de atuação no Brasil como no mundo. Uma perspectiva histórica da evolução do mercado nacional, em contraponto à estrutura de atuação da empresa, revela que o viés social em suas estratégias de marketing está relacionado muito mais à necessidade de legitimação e gestão de opiniões em relação ao seu produto do que ao engajamento no combate à pobreza.

O approach de estratégia como prática social permitiu ainda ao trabalho buscar a visão de outros praticantes diretamente ligados à estratégia da corporação, trazendo à tona questões relevantes relacionadas, por exemplo, à saúde. É curioso notar que há um movimento, mais ainda, um direcionamento estratégico por parte da empresa de

aumentar o consumo per capita do seu principal produto em todas as classes sociais. No entanto, segundo a opinião de especialistas, o consumo excessivo deste tipo de produto causa males a curto, médio e longo prazo. Quando este impacto é direcionado sobre as classes mais baixas, que usualmente possuem carências alimentares mais graves, as consequências são ainda mais preocupantes. No entanto, a atuação paralela da empresa em estratégias de capacitação de jovens em comunidades carentes é sugerida como suficiente para que seja alcançado o desenvolvimento local.

A partir deste cenário, coloca-se em xeque o discurso revelado das estratégias de BDP das grandes corporações, especificamente da empresa ECB. Jaiswal (2007) ressalta que muitas vezes as empresas acabam por gerar mais malefícios do que benefícios para comunidades carentes ao implementarem suas estratégias sociais, dado que impõe determinadas condições e alteram o arranjo local de forma determinante. Por exemplo, a instalação de plantas de produção do principal refrigerante em comunidades carentes, para reduzir os custos de distribuição e tornar o produto mais acessível é bastante discutível, tendo em vista que para produzir 1 litro de refrigerante são utilizados 2,8 litros de água, recurso natural realmente importante e escasso.

Em um cenário em que os discursos de responsabilidades social e ambiental tornam-se cada vez mais importantes para a legitimação da grande corporação junto à sociedade, é fundamental dar alguns passos atrás através de questionamentos que devem ser incluídos na agenda de discussão.

A repetição do discurso dominante acaba por moldar a forma de pensar, e não apenas os praticantes das empresas entendem como legítimos os motivos de prática das atuais estratégias BDP, como as ONG’s também passam a defender o segundo setor como maior viabilizador das ações capazes de erradicar a pobreza. Como visto neste estudo, as ONG’s percebem grandes corporações como apolíticas, e adotam como legítima sua aproximação para lidar com as camadas da base.

Toda esta conjuntura traz implicações preocupantes e ressalta a necessidade de rever o papel dos diferentes atores no cenário mundial pós-globalização, a fim de direcionar estratégias realmente voltadas para a erradicação da pobreza. Como primeiro passo, é importante buscar a quebra de alguns paradigmas predominantes, como a falência dos Estados e a incapacidade destes de lidar com questões sociais, ou que a

inclusão social ocorrerá através da atuação das grandes corporações multinacionais, sem lembrar que também a atuação destas foi determinante em algum momento para a exclusão.

Por fim, outro paradigma importante a ser superado é a visão clássica da estratégia como única opção para análise das configurações globais. Pensar apenas em questões econômicas e soluções porterianas para compreender a atuação das grandes empresas mostra-se estreita dada a complexidade de conjunturas e os amplos interesses defendidos em todos os tipos de relação. A visão de estratégia como prática social surge como alternativa para ultrapassar esta barreira, já que preza pela evolução do campo como um todo. Ainda assim, é necessário maior enfoque e direcionamento de outros estudos para esse ponto de vista, a fim de conferir maior robustez prática ao mesmo.