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4 A TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS

4.1 PRINCIPAIS INFLUÊNCIAS NA CONSTRUÇÃO DA TEORIA

A Teoria das Representações Sociais para Farr (2002) e Jovchelovitch (2008) pode ser considerada uma forma sociológica da Psicologia Social que se originou na Europa, com a publicação feita por Serge Moscovici, em 1961, no seu estudo La Psychanalyse: Son image et son public, obra na qual se encontra o primeiro delineamento da teoria, que, ainda hodiernamente, mostra-se abrangente e diversificada, sendo utilizada para análise de uma gama de realidades sociais. Moscovici buscou com o seu estudo identificar as maneiras como a Psicanálise era apropriada e resignificada por diferentes públicos na França, apresentando uma edição revisada em 1976.

Importante frisar que a representação é um processo fundamental da vida, sendo subjacente ao desenvolvimento da mente, da sociedade e da cultura. O representar torna presente o que está ausente por meio de símbolos, encontrando- se na base da construção da linguagem, com valor crucial para estabelecimento das inter-relações que constituem a ordem social e fonte que transforma culturas no tempo e no espaço (JOVCHELOVITCH, 2008).

Diante da relevância do tema em discussão, torna-se interessante para sua contextualização identificar os pensadores que influenciaram de forma decisiva a construção da teoria desenvolvida por Moscovici.

É possível afirmar que serviram como fontes primárias para construção da TRS o legado intelectual de Durkheim, Lévy-Bruhl, Piaget, Vygotsky, e Freud, contribuindo de forma significativa na construção da Psicologia Social dos saberes. Diante desse quadro, o conceito de representações sociais é uma transformação psicossocial do conceito formulado por Durkheim para as representações coletivas, derivando a Psicologia Social de Moscovici da sociologia de Durkheim, que teve

como matriz a ênfase social do pensar e saber e a tentativa de compreender a formação das crenças, rituais e o papel destes na sustentação da ordem social (JOVCHELOVITCH, 2008).

Nessa mesma linha, Jovchelovitch (2008) destaca que Durkheim e seus seguidores podem ser identificados na base das Psicologias de Piaget e Vygotsky, estabelecendo uma ponte entre psicólogos, sociólogos, filósofos e antropólogos, que, de igual modo, debruçaram-se sobre as raízes da diferença entre sistemas de conhecimento e das leis subjacentes ao desenvolvimento e à evolução do saber. Relata Minayo (2002) que o conceito de representação social ou coletiva nasceu na sociologia e na antropologia, como obra de Durkheim e Lévi-Bruhl, servindo de elemento decisivo para elaboração de uma teoria da religião, da magia e do pensamento mítico, além de desenvolver um papel importante na teoria da linguagem de Saussure, na teoria das representações infantis de Piaget e no estudo do desenvolvimento cultural de Vygotsky.

Minayo (2002) destaca que Durkheim foi o primeiro autor a abordar explicitamente o conceito de Representações Sociais, utilizando-as no mesmo sentido de representações coletivas, ao se referir a categorias de pensamento através das quais as sociedades elaboram sua realidade. Contudo, a autora afirma que o sociólogo defendia apenas uma autonomia relativa no substrato social das representações, indicando que algumas mais que outras exerciam influência sobre as pessoas, como a religião, a moral, o tempo e a personalidade.

Por outro lado, Moscovici, conforme Guareschi e Jovchelovitch (2002), tinha consciência que o modelo de sociedade adotado por Durkheim era estático e tradicional, dominado por mudanças lentas, o que se contrapõem totalmente às sociedades modernas que são mais dinâmicas e fluídas, sendo o termo “coletivo” mais condizente com aquele tipo de sociedade. Nesse sentido, Moscovici optou pela manutenção do conceito de representação e pela substituição do termo “coletivo” com carga valorativa mais cultural, estática e positivista pela expressão “social”, estabelecendo daí o conceito de Representações Sociais. Moscovici formulou as características centrais das representações sociais, notadamente, o fato de que elas constituem um ambiente, ainda mais simbólico, defendendo que o senso comum não é uma forma mais desenvolvida de pensamento, tal como ciência; é, na verdade, algo que deve ser considerado e entendido dentro de seus próprios

méritos, inspirando-se, para esta conclusão, na obra de Lévy-Bruhl (JOVCHELOVITCH, 2008).

Nas representações coletivas, as suas referências a crenças, sentimentos e ideias habituais são homogeneamente compartilhadas pela comunidade, são pré- estabelecidas em relação a indivíduos (pela tradição, costumes e história) e aceitos sem discussão, superando a consciência individual, e sustentam a moldura moral que guia a ação de todos os membros daquela comunidade, de modo a revelar como a solidariedade social se transforma no curso do desenvolvimento da sociedade.

Na identificação dos pensadores que influenciaram a construção da TRS, registra Jovchelovitch (2008) que Lucien Lévy-Bruhl, com a publicação da obra Lês Fonctions Mentales dans les Sociétes Inférieures, traduzida inglês como How Natives Think (Como pensam os nativos), defendeu que o pensamento “primitivo” não é um estagio primário do pensamento científico, mas uma forma de pensar que reclama ser entendida. A autora defende que essa defesa se mostra diametralmente oposta ao que foi defendido por Durkheim, para quem a ciência era a evolução da classificação primitiva, resultante da modernização das sociedades e do enfraquecimento dos laços sociais e emocionais. A autora continua, pontuando que, Lévy-Bruhl propõe que todas as comunidades humanas, primitivas ou modernas, apresentam formas diferentes de pensar, e o pensamento primitivo objetiva sua compreensão sem a utilização de um referencial evolucionista.

Essa mesma autora considera que Moscovici buscou em Lévy-Bruhl a inspiração para compreender a dinâmica das representações sociais e como a ciência é transformada e resignificada pelas diferentes pessoas que dela se apropriam, através de representações construídas na vida cotidiana. Essas construções propiciaram elementos para avaliar a produção de representações sociais, a sua irredutibilidade como forma de saber e as funções que elas desempenham na vida social e como se correlacionam em relação a outras formas de saber (JOVCHELOVITCH, 2008).

Piaget também é indicado por Jovchelovitch (2008) como grande influenciador na construção da TRS, registrando a autora que o próprio Moscovici declarou que quando descobriu a Psicologia da criança de Piaget, entendeu que a Psicologia Social poderia ser uma ciência do desenvolvimento e não apenas reagir a ambientes

fixos. Além disso, foi incorporada, também, à conceituação de representação, a investigação do senso comum, a preocupação com a mudança e o desenvolvimento. Essa autora entende que a obra de Piaget permitiu o realce do aspecto criativo das representações, ao considerar que o conhecimento representacional do mundo implica num processo por meio do qual toda criança deve reinventar o mundo que o precede.

Com Vygotsky e sua Psicologia sobre o desenvolvimento sociocultural, na qual a transformação entre as modalidades de saber é descontínua, com estágios iniciais que nunca são completamente substituídos pelos subsequentes, tornando-se a estes justapostos, formando camadas que mudam, se reestruturam e se adaptam, em constante mediação entre as pessoas e seu ambiente, Moscovici obteve subsídios para teorizar a mudança, sem necessitar recorrer ao evolucionismo linear defendido por Durkheim e Piaget (JOVCHEVITCH, 2008).

Já em Freud, Moscovici encontrou o reconhecimento de que a realidade das construções psicológicas tem um impacto tão sólido e material quanto o gesto e ações concretas, necessitando serem reconhecidas, balizamento central na construção da TRS como uma teoria dialógica apta a definir a racionalidade do conhecimento e as visões do mundo.

Arrematando a contribuição dos pensadores aqui consignados, Jovchelovitch (2008, p. 119) afirma que:

A investigação do impacto de Durkheim, Levy-Bruhl, Piaget, Vygotsky e Freud na constituição da teoria das representações sociais pode contribuir para manter o fio condutor que liga a psicologia social aos grandes problemas e teorias que constituem as ciências sociais. Ao desenvolver a psicologia social, Moscovici pensou com e contra estes autores; sua dívida com uma tradição mais larga que a da psicologia social mostra que, para além dos limites disciplinares, as ciências sociais compartilham um conjunto de preocupações e conceitos que é importante reconhecer comuns. Ao mesmo tempo, a síntese específica oferecida pela psicologia social dos saberes construída por Moscovici põe o papel do psicológico e das inter-relações entre individual e o social no centro das ciências sociais.

Em sentido similar, Lane (1995) registra que a elaboração das representações sociais implica no intercâmbio entre a intersubjetividade e o coletivo na construção de um saber que perpassa o processo cognitivo (Piaget), contendo aspectos

inconscientes (Freud), emocionais e afetivos, tanto na produção como na reprodução das representações sociais.

Após a identificação de alguns pensadores que contribuíram para a formação das premissas básicas que orientaram a construção da teoria formulada por Moscovici, serão apresentados conceitos e outros elementos constitutivos que permitiram um delineamento mais preciso da Teoria das Representações Sociais.