• Nenhum resultado encontrado

OS PRINCIPAIS LIMITES E PERSPECTIVAS PARA O DESENVOLVIMENTO DAS RELAÇÕES DE COOPERAÇÃO DO MST NA ANNON

3 CAPITULO III – A CONSTRUÇÃO DA COOPERAÇÃO NOS ASSENTAMENTOS DA ANNON

3.2 OS PRINCIPAIS LIMITES E PERSPECTIVAS PARA O DESENVOLVIMENTO DAS RELAÇÕES DE COOPERAÇÃO DO MST NA ANNON

Partindo do pressuposto apontado pelos entrevistados 1, 2 e 4, que a matriz produtiva é maior limitante para o desenvolvimento das relações de cooperação no assentamento, é preciso compreender um pouco qual a influência desta nos assentamentos, quais as características das unidades produtivas que reproduzem a agricultura do agronegócio.

Em primeiro lugar, a questão do caráter familiar da unidade de produção continua a se colocar na atualidade na medida em que continuam a existir nas sociedades modernas unidades de produção cuja força de trabalho fundamental é fornecida pela família proprietária. E isto mesmo quando a produção familiar se moderniza e se integra ao processo global de acumulação do capital na sociedade. Em segundo lugar, o reconhecimento de um processo mais amplo determinante de subordinação da produção agrícola ao “movimento do capital” não é incompatível com o reconhecimento da existência de um movimento interno da unidade de produção familiar, cujo eixo é dado pelo seu caráter

familiar e que tem como objetivo preservar uma margem de autonomia da família proprietária que trabalha (WANDERLEY, 2014, p. 154).

Como observado, o caráter familiar é presente no meio rural, e isso não é diferente nos assentamentos. Contudo, é preciso analisar os efeitos que a agricultura moderna produz na composição das famílias e na sua organização. É comum as famílias diminuírem de tamanho pois, não tendo opções de trabalho e renda, buscam principalmente na proletarização meios de adquiri-la.

No processo de esvaziamento populacional do meio rural, percebe-se que os jovens são primeiros a irem para a cidade, em busca do estudo, emprego e melhores condições de vida, comprometendo o processo de sucessão hereditária nas propriedades rurais.

A maioria dos jovens que resta no meio rural não quer permanecer nas atividades agropecuárias, principalmente as jovens, que são incentivadas pelos pais a irem para a cidade em busca de estudo, emprego e melhores condições de vida. Essa realidade é identificada na pesquisa realizada pelas professoras Anita Brumer e Rosani Spanevello na Região Sul do Brasil no ano de 2007, que constatou que 54% dos rapazes e 74% das moças entrevistadas declararam que não pretendem continuar na atividade agrícola. (GOMES, 2013, p. 335).

Quanto a relação das cooperativas com o sistema econômico, muitas vezes estas se tornam simplesmente mecanismos de relação do agricultor com este.

A cooperação existia e existe em muitos países capitalistas. Porém, tanto entre nós antes da revolução quanto em outros países capitalistas, foi apenas a adaptação dos pequenos produtores de mercadorias às condições da sociedade capitalista, foi apenas uma arma na luta pela sobrevivência. Não se tratava nem podia tratar-se de uma nova estrutura social. (WANDERLEY, 2014, p. 151 apud CHAYANOV, 1974, p. 288).

Principalmente as cooperativas organizadas na Annoni, tinham seu caráter totalmente voltado a produção para o mercado das commodities, principalmente a produção da soja, que continua sendo a cultura principal neste assentamento.

O entrevistado 7, aponta que a visão individualista e o esvaziamento do assentamento são grandes entraves para a cooperação, principalmente com o êxodo da juventude que busca outras formas de geração de renda. O entrevistado fala que isso afeta tanto nas cooperativas como nas comunidades.

Como em muitos casos, a cooperativa é vista somente como uma forma mais vantajosa de se relacionar com o mercado, os assentados além da resistência a novas formulações, em muitos casos optam por estabelecer relações com outras empresas, não sendo as dos assentados. Isso acontece na COPERLAT por exemplo, onde diversas outras empresas estão inseridas na cadeia do leite na região.

Alguns mecanismos são uteis na disputa das cooperativas com o mercado global. A venda de produtos diferenciados, como por exemplo orgânico ou agroecológico, pode ser uma importante ferramenta para a prosperidade das cooperativas e consequentemente dos agricultores. O MST, que tem a agroecologia como bandeira de luta, entre outras, vê na produção de alimentos uma alternativa econômica para as famílias, assim como uma nova forma de relação dos assentados com o meio ambiente e consigo mesmos, reduzindo ou até mesmo anulando a interferência do capital no modo de produzir de alguns assentamentos onde a agroecologia é desenvolvida.

Ao enfrentar objetivamente o modelo de produção e o modelo tecnológico, com uma gestão democrática, cooperada, de base popular, gerando conhecimento técnico-produtivo, dirigida por uma organização política, as famílias assentadas na RMPA22, constroem alternativas de resistência político-

organizativa, econômica e social. (MARTINS, 2017, p. 205).

É claro que o exemplo citado envolve uma complexidade de formas de cooperação e organização, porém ressalta como a organização dos assentados, vinculada a conhecimentos técnicos (envolvendo as áreas agronômicas até os mercados) e políticos, podem transformar os assentamentos em locais economicamente desenvolvidos, ambientalmente conscientes e politicamente ativos.

Um ponto positivo que se tem é o avanço para o processamento do leite na COPERLAT (produção de bebida láctea, queijo) assim como a comercialização destes, pois isso diminui o risco do mercado e aumenta a autonomia da cooperativa e das famílias produtoras, lembrando que o sucesso de uma cooperativa é medido pelo sucesso de seus associados. Como o insumo básico (leite) é produzido pelos assentados, o beneficiamento apresenta algumas vantagens. Esta cooperativa, também está em fase de implantação de uma unidade de beneficiamento e embalagem de feijão, afim de incentivar a produção deste alimento.

A COOPTAR também possui uma estrutura de frigorífico na qual a matéria prima é proveniente também do assentamento, mas na sua maior parte de outros produtores de gado e suínos. Se produzida de forma cooperada com a comunidade – a matéria prima – se poderia ter algumas vantagens diante do mercado.

Como demonstramos em capítulos anteriores, a principal vantagem competitiva das cooperativas de comercialização emerge do fato de trabalharem não com mercadorias compradas, mas com seus próprios produtos, o que lhes permite suportar qualquer queda nos preços sem ter abalado seu empreendimento, pelo fato de as perdas desviarem-se para a

própria unidade camponesa que possuem uma tremenda estabilidade e flexibilidade.

Uma cooperativa, uma vez que é sempre menos empresarial e rejeita, em princípio, muitas formas de operação comercial, terá imensa dificuldade para competir com o capital comercial e industrial, na organização da produção capitalista. Por essas razões, qualquer entusiasmo excessivo por processamento irá minar nossas posições. Essas são as considerações que obrigam as cooperativas a restringirem-se somente àqueles estágios do processamento em que o valor do insumo básico constitui a maior parte do valor do produto acabado, de modo a manter todas as vantagens de um empreendimento cooperativo em relação a uma empresa capitalista. (CHAYANOV, 2017, p. 182).

Na COOPTAR, algumas perspectivas também são observadas, a ampliação e adequação do frigorífico que aconteceu recentemente pode ser uma oportunidade a continuidade do beneficiamento de carnes. Outro ponto observado como positivo nesta cooperativa é a presença expressiva da juventude nas atividades, e o incentivo que se tem por parte dos cooperados quanto a permanência dos mesmos no assentamento.

Este item apresentou os principais limites e perspectivas observados na pesquisa, podendo ser uma ferramenta para se poder fortalecer e qualificar os processos de cooperação no assentamento, para assim poder tornar o assentamento um lugar desenvolvido economicamente e politicamente ativo.

4 CONCLUSÃO

O ideário dos trabalhadores, sua forma de se relacionar com os demais e com os recursos naturais é formulado a partir de sua cultura camponesa, assim como dos acúmulos incorporados durante o processo de luta, acampamento e assentamento.

No período inicial de assentamento, os sem terra viam na cooperação um dos únicos meios para iniciar suas atividades agrícolas, sair daquela estagnação que se apresentava devido principalmente à limitação financeira que obviamente se apresentava as famílias. O debate a respeito do trabalho coletivo, muito incentivado por setores da igreja católica, que foi construído dentro do acampamento também influenciou as iniciativas coletivas.

Além de condicionar as famílias a avançarem na produção no assentamento, essas formas de cooperação têm influência na construção da ideologia dos assentados, e desenvolve valores humanistas nos mesmos. A comunidade e suas várias dimensões, algumas descritas neste estudo, são fundamentais para a permanência dos assentados na terra, pois criam vínculos afetivos que vão além do econômico puramente.

As experiências com as cooperativas foram e são muito importantes para os assentamentos, pois além de garantirem renda a muitas famílias, contribuíram para que o MST de uma forma geral, e na Annoni, pudessem perceber algumas limitações e potencialidades dessas formas de trabalho coletivo.

O estudo realizado, ressalta a necessidade de se desenvolver pesquisas junto aos assentados, no intuito de conhecer mais profundamente a influência do modelo econômico na autonomia e no modo de produzir das famílias, para assim poder qualificar e planejar com mais eficácia as ações coletivas no assentamento. Isso se aplica também as cooperativas.

Um aspecto observado no estudo, que influência na formulação de novas atividades coletivas, é a falta de um plano geral que envolva o conjunto do assentamento. A ausência de um agente de debate (No caso o MST, que já foi apontado acima), seja talvez um dos principais limitantes a cooperação, pois no cotidiano o assentamento é minado de outros agentes que moldam o ideário dos assentados, os quais, obviamente, reproduzem a matriz produtiva e atrelado a isso a ideologia capitalista.

O ponto de vista a partir de Chayanov, oferece algumas “lentes” que possibilitam um novo olhar quanto as possíveis novas formulações, mas principalmente mostram a

necessidade de compreendermos os assentados como agentes políticos de desenvolvimento.

A iniciativa por parte das cooperativas em desenvolverem novas atividades ou qualificar as já existentes (Industrialização do leite, beneficiamento de feijão, ampliação do frigorífico) mostram a compreensão por parte de alguns assentados da necessidade da continuidade dessas atividades para a reprodução e permanência do assentamento. Isso pode ser potencializado se somado ao conhecimento técnico que agora é mais presente nas cooperativas e no próprio MST.

Aqui também se deve salientar a contribuição das políticas públicas como PNAE, que gera novos impulsos quanto a cooperação no assentamento.

A cooperação, assim, se mostra uma importante ferramenta para a reprodução das famílias, para a permanecia dos trabalhadores no campo, podendo estes ter no assentamento um lugar de desenvolvimento econômico e social.

Conhecer as contradições, as necessidades e as potencialidades construídas no decorrer da construção dos assentamentos seja talvez uma das principais ferramentas para as novas formulações do MST.

REFERÊNCIAS

ANDRIOLI, Antônio, Inácio. Soja orgânica versus soja transgênica: um estudo sobre tecnologia e agricultura familiar no noroeste do Estado do Rio Grande do Sul. Chapecó: Editora UFFS, 2017.

BONAVIGO, Elizabete Ana; BAVARESCO, Pedro Antônio. In: TEDESCO, João Carlos, GOES, Valdemar da Silva. Entre cruzes, bandeiras e cartilhas: A mediação do campo eclesiástico na luta pela terra no norte do RS 1960-2010. Passo Fundo: Editora Habilis, 2011.

CARTER, Miguel. (Org.). Combatendo a desigualdade social: o MST e a luta pela terra no Brasil. [Tradução de Cristina Yamagami]. São Paulo: Editora UNESP, 2010. p. 164 – 181.

CARVALHO, Horacio, Martins. (Org.). Chayanov e o campesinato. São Paulo: Editora Expressão Popular, 2014. 3014 p.

CARVALHO, Horacio, Martins. O campesinato no século XXI: Possibilidades e condicionantes do desenvolvimento do campesinato no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 2005.

CHAYANOV, Alexander. A teoria das cooperativas camponesas. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2017.

CHRISTOFFOLI, Pedro Ivan. In: NOVAES, Henrique; MAZIN, Ângelo Diogo; SANTOS, Lais (orgs.). Questão agrária, cooperação e agroecologia. São Paulo: Editora Outras Expressões, 2015.

DANILOV, Viktor. In: CHAYANOV, Alexander. A teoria das cooperativas camponesas. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2017.

GOMES, Ezio José. In: COTRIN, Décio (Org.). Gestão de cooperativas: Produção acadêmica da ASCAR. [Recurso eletrônico]. EMATER/ASCAR. Porto Alegre: 2013. Disponível em

<http://www.emater.tche.br/site/arquivos_pdf/teses/E_Book2_Versao%20Final.pdf> Acesso em 19 de maio de 2018.

GUZMÁN, Eduardo Sevilla; MOLINA, Manoel Gonzáles de. Sobre a evolução do conceito de campesinato. 3. Ed. São Paulo: Editora Expressão Popular, 2005. MARTINS, Adalberto, Floriano Greco. A produção ecológica de arroz nos assentamentos da região metropolitana de Porto Alegre: Apropriação do espaço geográfico como território de resistência ativa e emancipação. Porto Alegre:

IGEO/UFRGS, 2017, 219 p.

MORISSAWA, M. A História da luta pela terra e o MST. São Paulo: Editora Expressão Popular, 2001.

MORAIS, Clodomiro, Santos de. Elementos sobre a teoria da organização no campo: Caderno de formação n° 11. São Paulo: 1986.

MST. Cartilha de apoio 1 – Programa de formação para a Cooperação e Organização dos assentamentos. São Paulo: 2008.

NETO, João, Augusto de Andrade. Cooperação e organização em assentamentos rurais: a proposta das comunas da terra e a virada do MST para os “urbanos”. 2013, 314 p. Tese (Programa de pós-graduação em Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade). Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. 2011. NOVAES, Henrique; MAZIN, Ângelo Diogo; SANTOS, Lais (orgs.). Questão agrária, cooperação e agroecologia. São Paulo: Editora Outras Expressões, 2015. PLOEG, Jan Douwe van der. Camponeses e impérios alimentares: luta por autonomia e sustentabilidade na era da globalização. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2008. STEDILE, João Pedro; FERNANDES, Bernardo Mançano. Brava Gente: a trajetória do MST e a luta pela terra no Brasil. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2005.

TEDESCO, João Carlos, CARINI, Joel João (orgs.) Conflitos agrários no norte gaúcho. Porto Alegre: Editora Est, 2008. p. 1 – 98.

TEDESCO, João Carlos, GOES, Valdemar da Silva. Entre cruzes, bandeiras e cartilhas: A mediação do campo eclesiástico na luta pela terra no norte do RS 1960- 2010. Passo Fundo: Editora Habilis, 2011.

WANDERLEY, Maria Nazareth Baudel. In: CARVALHO, Horácio Martins (org.). Chayanov e o campesinato. São Paulo: Editora Expressão Popular, 2014.

APENDICES

Apêndice 1 - Questionário aplicado a moradores que participaram de todo o

Documentos relacionados