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Retomam-se, neste capítulo, os principais problemas do judiciário brasileiro apontados no Capítulo 1, suas causas e relacionamentos, com ênfase na morosidade.

Em relação à morosidade do judiciário, um dos três principais problemas apontados pelo Ministério da Justiça, são várias as causas apontadas. Girão (2008) classifica as causas da morosidade em estruturais e relativas às ações. As causas estruturais são o elevado número de processos, o reduzido número de magistrados e servidores, a falta de gerenciamento e de investimento tecnológico, a falta de compromisso e despreparo de magistrados e serventuários. As causas relativas às ações são o formalismo processual, as mudanças de legislação e o uso indiscriminado de recursos judiciais.

Podem ser citadas outras causas da morosidade: efeitos e dificuldades que podem decorrer das etapas e garantias especificadas em lei, segundo Sadek (2004); demanda excessiva, conforme Silva (2015), sendo esta apontada por Cavalcante (2008) como a causa principal; má gestão do fluxo processual, com destaque para o desbalanceamento entre a demanda e a oferta; número reduzido de juízes, condições físicas de trabalho e número de servidores, conforme Carvalho, Gonçalves e Oliveira (2012) e Chappe (2012); e, segundo Cunha et al. (2011), a associação a uma cultura organizacional burocrática, formalista e a um modelo de gerenciamento processual ultrapassado.

A morosidade, segundo Sadek (2004), tem relação com o acesso à justiça: por um lado, há o desconhecimento de direitos de parte da população; por outro, uma justiça percebida como cara e lenta, afastando parte da população do judiciário e fazendo com que esses só procurem por justiça de forma compulsória. De acordo com Silva (2015), a morosidade desmotiva o cidadão a buscar seus direitos na justiça pela incerteza de ter seus direitos reconhecidos ou de receber uma resposta, impedindo a efetivação dos direitos fundamentais.

O segundo problema básico principal, o excesso de processos em estoque, pode ser atribuído, segundo Chappe (2012), aos recursos do tribunal, à sua eficiência e organização, e não está claro se a demanda aumenta quando a capacidade do judiciário aumenta. Então, o problema pode ser analisado tanto pela perspectiva da oferta como da demanda. O enfoque da prestação jurisdicional, segundo estudo realizado pela Pucrs (2011), diz respeito ao que se oferta como serviços para a população tais como jurisprudência, consulta processual e, principalmente, a resolução de litígios.

Do lado da demanda, de acordo com Carvalho, Gonçalves e Oliveira (2012), a procura por serviços judiciais no País aumentou nos últimos anos, resultado das taxas de industrialização e urbanização e do aumento dos conflitos sociais oriundos do crescimento das relações comerciais, conforme Sadek (2004), porém contidas pela ausência de vida democrática e pelo descrédito na justiça.

Contudo, esta demanda é bastante incerta, pois depende de fatores tais como envelheci- mento da população, planos econômicos, custas processuais, entre outros. Segundo Girão (2008), os principais motivos para a alta demanda processual são o crescimento populacional, a evolução tecnológica, o exercício da cidadania, a ênfase sobre o direito das pessoas, e o êxodo rural dos anos de 1980 em função da industrialização. Feitosa (2007) cita, ainda, a inoperância dos poderes executivo e judiciário como causa do aumento da demanda. Outro fator apontado para o aumento da demanda é a garantia de direitos fundamentais por meio da promulgação da Constituição de 1988. ((BONOTTO, 2012; SILVA, 2015)).

A demanda torna-se alta porque há motivações para litigar, para recorrer e para estabelecer acordos. Há um ambiente propício à litigância à medida que os custos são baixos ou inexistentes, com baixo risco quanto ao resultado do litígio na busca por um prêmio. Da mesma forma, há motivação para o recurso à medida que a percepção da morosidade da justiça e as cumulativas possibilidades de apelo possibilitam a postergação de responsabilidades. Pucrs (2011). Este estímulo à litigância pode levar à utilização dos serviços judiciais até a exaustão. Esse cenário se assemelha ao pressuposto teórico da “tragédia dos comuns”, que, segundo Hardin (1968), acontece quando cada indivíduo tem seus interesses em um mundo limitado destes recursos, levando à ruína de todos. Isto é, o acesso sem limites e a demanda sem restrições de um recurso limitado condena este mesmo recurso, esgotando-o.

A demanda elevada ainda traz problemas referentes ao desempenho: para George e Guthrie (2003) e Jonski e Mankowski (2014), a melhora no desempenho do judiciário pode

aumentar a demanda, à medida que a procura por serviços judiciais aumenta e são percebidos como céleres. Porém, segundo George e Guthrie (2003), os defensores da reforma judicial, argumentam que, com o aumento no número de juízes e tribunais, o sistema judicial será capaz de acomodar a demanda existente sem estimular nova demanda, supondo-a inelástica ou insensível a mudanças no preço implícito que os litigantes pagam ao esperar pela resolução de um caso. Para o autor, a curva do fornecimento de litigância é completamente inelástica, isto é, vertical, porque a quantidade de serviços judiciais fornecidos é constante no tempo, influenciada pela pressão de grupos de interesses e congestão nas cortes.

Além do reflexo no desempenho, de acordo com Pucrs (2011), a alta demanda implica em maior carga de trabalho, demandando alta produtividade, o que pode impactar de forma negativa na qualidade da prestação jurisdicional, refletida no índice de satisfação com os serviços prestados. Por outro lado, como conclusão do estudo realizado em tribunais da Justiça Estadual (justiça comum), os processos de trabalho não apresentaram maiores problemas de organização, e as questões mais deficientes referem-se a pessoal, à organização do trabalho, à infraestrutura e à motivação de equipes. Estes dois problemas do judiciário, a alta litigiosidade e a morosidade, de acordo com Sadek (2004), podem desgastar não só a crença da população no Poder Judiciário, mas a qualidade da democracia no País.

A respeito do acesso à justiça, de acordo com Mota (2014), o acesso está ligado à justiça social e refere-se ao fato de que todos podem postular a tutela jurisdicional preventiva ou reparatória em caso de ameaça ou defesa de direitos individuais, coletivos ou difusos. Da mesma forma, para Silva (2015), o acesso à justiça é direcionado aos mais pobres, ou seja, a interpretação da Lei deve ser direcionada a aplicá-la visando aos cidadãos pobres, garantido pelo artigo 10 da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Desta forma, o acesso à justiça é visto como um movimento para a garantia dos direitos sociais.

Silva (2015) complementa afirmando que os com menor poder aquisitivo e menor grau de instrução são os que desconhecem seus direitos, além de os custos de litigiosidade impedirem o seu acesso à justiça; e, do lado inverso, os com maior poder aquisitivo têm dificuldades de compreensão das normas jurídicas, também dificultando seu acesso à justiça. Especificamente sobre os custos de entrada, de acordo com Buscaglia e Ulen (1997), os custos de utilizar os tribunais encorajam apenas a entrada dos casos mais complexos, aqueles que podem causar uma redução na eficiência judicial.

A partir da discussão dos problemas da morosidade e da alta quantidade de processos no país, é possível relacioná-los com o tempo de atravessamento processual. Por um lado, a elevada demanda reforça a necessidade de um processo com maior throughput, ou taxa de saída, que por sua vez, tem uma relação de causa e efeito com a morosidade. Isto é, a elevada distribuição processual exige uma taxa maior de saída (ou baixa de processos). Da mesma forma, tempos elevados de atravessamento levam a um menor taxa de saída, implicando maior estoque de processos e maior percepção de morosidade.

A morosidade pode ser entendida como a percepção sobre o tempo de espera pelo julgamento. Assim, dada uma certa eficiência de produção, quanto maior o número de processos em estoque, maior a morosidade; e quanto mais morosa é a justiça, maior é o estoque. Essa análise é uma ilustração da Lei de Little aplicada ao judiciário, conforme a seção 2.5.

De qualquer forma, há iniciativas para solucionar os problemas anteriormente analisa- dos. Entre elas, podem ser citadas as metas do Conselho Nacional de Justiça, o planejamento estratégico da Justiça Federal e o novo CPC.

O Novo Código de Processo Civil traz proposta para i) diminuir a demanda, por meio da tentativa de acordo antes da abertura do processo e aplicação de multas a quem entrar com diversos recursos para adiar a decisão final; ii) reduzir a morosidade, por meio de propostas de julgamento das ações por ordem cronológica, com priorização de causas relevantes.

O planejamento estratégico da Justiça Federal tem propostas para atuar, principalmente, nos problemas de celeridade e número de processos em estoque, por meio de projetos para adoção de soluções alternativas de conflito, impulso às execuções fiscais e cíveis, gestão das demandas repetitivas e dos grandes litigantes.

As metas propostas para os Tribunais pelo CNJ pretendem atacar os três problemas: i) diminuir o número excessivo de processos, por meio das metas de julgar mais processos que os distribuídos, de aumentar os casos solucionados por conciliação, de baixar quantidade maior de processos de execução que o total de casos novos no ano corrente; ii) morosidade, por meio da meta de julgar processos mais antigos e iii) melhorar o acesso à justiça por meio da meta de priorizar o julgamento das ações coletivas.

De modo geral, todas as ações referem-se à efetividade do sistema judiciário, isto é, a sua capacidade de decidir de forma célere e justa. Neste sentido, modelar informações relacionadas ao tempo de atravessamento fornece informação sobre a morosidade, um dos três principais problemas listados.