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Prisão à brasileira, criminologia crítica e violações de direitos humanos

Na América Latina como um todo, os processos de punição e encarceramento caracterizaram-se de modo muito particular em cada país, haja vista a importação e aplicação de diferentes teorias estrangeiras na consolidação das estruturas punitiva e carcerária, bem como as diferentes trajetórias políticas, sociais, e de desenvolvimento econômico (AGUIRRE, 2009). Dessa forma, o que nos cabe para o avanço da matéria neste momento é delinear os contornos da historiografia da prisão no Brasil, levando em consideração que o objetivo deste estudo é, ao final, compreender a alternativa neoliberal à situação prisional brasileira, levando em consideração tudo que foi posto.

No período colonial a prisão brasileira não era parte fundamental ou protagonista nos processos de punição. Ora, ainda que ocorrendo deveras posteriormente com relação mas em muito semelhante a outros cenários internacionais já apresentados, o Brasil colonial enclausurava como forma de colocar os indivíduos sob custódia dos governantes até que tivessem suas sentenças emitidas - a punição viria, por sua vez, na forma de pena capital, açoitamento e a imposição de trabalhos forçados (TANNUSS, 2017).

A reformulação do sistema punitivo brasileiro, com vistas à reformar os indivíduos em ―cidadãos de bem‖ encontrou forte resistência devido a monarquia e a persistência da escravidão como base do Império, uma vez que para as autoridades não fazia sentido beneficiar aqueles que eram considerados como incivilizados e irrecuperáveis (AGUIRRE, 2009). Logo, as prisões brasileiras em sua grande maioria até meados do século XIX remontavam aos modelos coloniais, e se houve alguma diferença entre os estabelecimentos da colônia e os do império, limitava-se à administração (OLIVEIRA, F., 2007). Assim, as gradativas transformações para o modelo penitenciário não guardavam vinculação com a recuperação dos reclusos, mas o reforço dos mecanismos de controle. Assim, é apenas com a criação do Código Criminal de 1831 que surgiram definições melhores da punição, e a privação da liberdade, a partir da influência americana e europeia, passou a ser o padrão.

A criação da Casa de Correção do Rio de Janeiro em meados de 1850 - a primeira da América Latina - e de outras penitenciárias ―modernas‖ não representaram nenhuma melhoria nas condições dos encarcerados brasileiros, apenas aumentando um sistema carcerário que servia como armazém para esses indivíduos (TANNUSS, 2017).

Vale ressaltar que na medida em que o modelo escravocrata começava a ruir, a necessidade de um controle social dos negros livres parecia para cada vez mais urgente, e a solução do Estado foi a mutação do Exército como uma ―instituição penal‖ através do

alistamento compulsório de ―delinquentes‖, de modo que as reformas aconteciam de modo deveras lento e resistente, uma vez que foram incorporados ao Exército um número muito aproximado daqueles que estavam alojados no sistema carcerário. É com o Novo Código Criminal de 1890 que passa a ser adotado nas Casas de Correção do Rio de Janeiro e São Paulo o modelo irlandês de Crofton, abolindo inclusive as penas de morte, perpétua, açoites substituindo-as por penas de privação de liberdade e trabalho. O que ocorreu foi o descumprimento do que estava posto no Novo Código, bem como o déficit de vagas que resultava em condições de aprisionamento degradantes (TANNUSS, 2017), situação que não apenas permanece como se deteriora de forma avassaladora.

O que temos no Brasil hoje, que nos remonta indubitavelmente à essa época anteriormente descrita, mas que adquire novos contornos ainda mais perversos no atual capitalismo periférico, é a prática clara do extermínio executada pelos sistemas penais nacional e latinoamericano como um todo, haja vista a influência do neoliberalismo (LEMOS, 2018). A abertura para o capital estrangeiro se inicia no governo de Fernando Collor de Melo, intensificando-se com Fernando Henrique Cardoso e resultando no ―aumento dos níveis de pobreza, geração de desemprego e aumento da violência‖ (LEMOS, 2018, p. 68). O controle penal das populações vítimas dos resultados negativos dessa neoliberalização é engendrado via massacre, em uma nação com histórico violento, e um índice de encarceramento líder na América do Sul. O Estado atua como a mão de ferro do capital, e o cárcere é sua ferramenta principal junto a repressão policial.

Se desde a época escravista temos a força como principal aliada na manutenção da ordem, recaindo violência sobre os marginalizados, a atual conduta estatal semelhante não produz efeitos sobre a criminalidade, o cárcere é mais do que inchado e inclusive os governos tidos como progressistas não necessariamente agem de modo diferente no que se refere ao controle violento do (sub)proletariado, ainda que com comprovado desenvolvimento econômico e, em alguns casos, acentuação um pouco mais tímida na curva do encarceramento (LEMOS, 2018).

Por conseguinte, com o retorno à orientação neoliberal mais radical após O Golpe de 2016, inviabilizando pautas relativas ao meio ambiente, área social, direitos humanos e trabalhistas10, já temos testemunhado a redução de orçamento, por exemplo, para políticas

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A inviabilização de pautas ambientais, sociais e trabalhistas, de direitos humanos e o recrudescimento do Estado Penal ocorre principalmente devido a diminuição das bancadas sindicais, crescimento da bancada da bala e a manutenção da bancada empresarial. Temos um aumento de 30% da direita, e a grande maioria endossa o

sociais11 (seja através da justificativa de busca por fraudes ou o simples corte) e educação12, bem como o crescimento das políticas de segurança ainda mais violentas13, em um cenário de piora cada vez mais intensa.

Os números já apresentados do sistema carcerário brasileiro, com uma ocupação de 197,4%, configuram esses espaços como verdadeiras bombas-relógio. Essas superpopulações viabilizam ambientes de proliferação de distúrbios de natureza física, psicológica, emocional e comportamental (ALBUQUERQUE, 2018), resultantes em episódios como os massacres do Carandiru14, onde a ação da polícia militar acarretou a morte de 111 detentos, do COMPAJ em Manaus15, onde 56 foram mortos, os 55 mortos em diferentes penitenciárias do Amazonas16 em menos de 48 horas e mais recentemente no Centro de Recuperação Regional de Altamira, com seus 58 mortos17.

Os índices de reincidência, por sua vez, são alarmantes. A despeito de números como os do DEPEN de 70% de reincidência criminal em 1998, ou os da CPI do sistema carcerário, que em 2008 divulgou o percentual de 80% de reincidência, o IPEA (2015) traz um percentual de aproximadamente 25% de reincidência. Entretanto, deve-se levar em consideração que o critério utilizado neste último foi o de reincidência em seu sentido discurso liberal econômico. Reportagem disponível em: https://diplomatique.org.br/o-congresso-mais- conservador-dos-ultimos-quarenta-anos/. Acesso em: 29 de ago. de 2019

11

O governo prevê, com o pente-fino, atingir mais de 5,5 milhões de benefícios, visando a uma economia de 9,8 bilhões de reais. Reportagem disponível em: https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2019/06/18/sancao- mp-pente-fino-inss.htm. Acesso em: 29 de ago. de 2019

12

Os bloqueios referentes à pasta da educação já ultrapassaram anteriormente os 6 bilhões de reais e novos cortes atingiram 348 milhões de reais, sendo a segunda área mais atingida dessa nova etapa anunciada em julho de 2019. Reportagem disponível em: https://www.terra.com.br/noticias/brasil/novo-bloqueio-atinge-r-348- milhoes-da-educacao,8365f1a903f1e70f731ef8df5f540243edy0r7w9.html. Acesso em: 29 de ago. de 2019

13

Em comparação aos primeiros seis meses de 2018, em 2019 houve um aumento de 46% das mortes por violência policial no Rio de Janeiro. Reportagem disponível em: https://g1.globo.com/rj/rio-de- janeiro/noticia/2019/07/09/rio-tem-aumento-de-46percent-de-mortes-por-violencia-policial-no-1o-semestre-diz- observatorio-de-seguranca.ghtml. Acesso em: 29 de ago. de 2019

14

O Massacre do Carandiru foi como ficaram conhecidos os eventos que resultaram na morte de 111 presos em 1992 na Casa de Detenção do Carandiru, em uma ação da Polícia Militar para conter uma rebelião. A ação foi comandada pelo coronel Ubiratan Guimarães, eleito deputado estadual no ano seguinte a sua condenação pela morte de 102 presos, assassinado posteriormente em seu apartamento. Reportagem disponível em: https://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/massacre-do-carandiru-faz-25-anos-justica-suspende-novos-juris-ate-stj- julgar-recursos.ghtml. Acesso em: 28 de ago. de 2019

15

O Complexo Penitenciário Antônio Jobim é localizado em Manaus e foi palco do maior massacre do sistema prisional do Amazonas, em 2017, que além das mortes resultou em mais de 130 detentos foragidos. Reportagem disponível em: http://g1.globo.com/am/amazonas/noticia/2017/01/maior-massacre-do-sistema-prisional-do-am- diz-secretario-sobre-rebeliao.html. Acesso em:28 de ago. de 2019

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Uma série de assassinatos em quatro unidades do sistema penitenciário do Amazonas em maio de 2019, iniciados no domingo no Compaj (palco do massacre de 2017) com 15 mortos e mais 40 em outras unidades na segunda-feira. As quatro fazem parte de um universo de seis unidades administradas pela empresa Umanizzare,

que teve o contrato referente a Compaj encerrado. Reportagem disponível em:

https://g1.globo.com/am/amazonas/noticia/2019/07/13/umanizzare-deixa-gestao-do-compaj-no-am-nova- empresa-assume-apos-governo-dispensar-licitacao-de-r-3209-milhoes.ghtml. Acesso em: 28 de ago de 2019

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https://g1.globo.com/pa/para/noticia/2019/07/30/sobe-para-58-numero-de-presos-mortos-em-massacre-de- altamira-no-pa-corpo-foi-encontrado-em-escombros-de-presidio.ghtml

estritamente legal, ou seja: ―casos em que há condenações de um indivíduo em diferentes ações penais, ocasionadas por fatos diversos, desde que a diferença entre o cumprimento de uma pena e a determinação de uma nova sentença seja inferior a cinco anos.‖ (IPEA, 2015, p. 7). Dessa forma, os números para uma reincidência em seu sentido mais amplo - em que o sujeito já foi preso anteriormente e novamente acolhido em estabelecimento penal - variam para cima a partir do percentual de 25% e mais se aproximam dos 45% que evidenciaram Adorno e Bordini (IPEA, 2015).

Vale salientar que não há que se falar em uma proteção adequada dos direitos humanos pelas vias do direito penal - a prisão, em si, ainda que higiênica, de lotação máxima respeitada, e seguindo as regras e padrões mínimos internacionais, constitui um local de privação e produção de sofrimento tanto para o apenado quanto para seus familiares (BARATTA, 1993).

Em consonância com Alessandro Baratta (1993), entendemos que a prisão seja, ainda, com suas arbitrariedades e violência, um reflexo agravado das violências externas estruturais presenciadas na sociedade em que está inserida, podendo ser ainda pior a depender da situação das regras democráticas - se suspensas ou não. Em suma, ao que parece e se podemos falar em ―níveis de democracia‖, estão mais próximos de uma consolidação desta aqueles Estados que, para além de quebrarem o paradigma da seletividade penal, encarceram menos, em alternativas à prisão, ou ainda à punição. É evidente, no entanto, que a luta em curto prazo deva ser a de efetivação dos direitos humanos para os já encarcerados e nestes locais de encarceramento, através do garantismo penal, dadas as demandas mais urgentes, ainda que coadunemos com o entendimento de que as reformas não são suficientes, quando o sistema é viciado por si só e precisa ser abolido (TANNUSS, 2017).

Sobre as características aqui alegadas do sistema penal, aduz Salo de Carvalho (2014, p. 13):

A violência genocida e seletiva do sistema penal não se caracteriza, portanto, como uma espécie de resto medieval (pré-moderno) que tende a ser suprimido pelas instituições da Modernidade. Violência e sistema penal se confundem; não são oposto, são o mesmo; constituem-se como uma unidade totalitária. Nesse sentido, é fundamental reconhecer como a crítica marxista e pós-marxista é precisa no diagnóstico acerca das funções de velamento da realidade operadas pelos distintos discursos do Direito Penal moderno, em suas mais variadas perspectivas (inclusive o do garantismo clássico, fundado no modelo do contrato). Não por outra razão, Foucault irá demonstrar, à exaustão, que não há ruptura, mas continuidade nas práticas punitivas do poder de castigar

O autor nos traz que não há que se falar em um sistema penal que é democrático mas por vezes resta desestabilizado por um agir inquisitorial, mas em um totalitarismo inerente e

uma potência violenta permanentemente encarnada nas práticas de tortura e comportamentos policialescos (CARVALHO, 2014).

Ocorre que, em termos imediatos, e a despeito das violências ―legais‖ inerentes ao punitivismo, o que temos são situações ilegais que estão em direção diametralmente oposta ao que consta no ordenamento jurídico e o mencionado garantismo - o modelo penal garantista que, para Ferrajoli, visa ao estabelecimento de parâmetros de ―racionalidade, justiça e legitimidade‖, é dessa forma ―largamente desatendido‖ (FERRAJOLI, 2002, p. 683). Dessa forma, a Lei de Execuções Penais que versa, entre outras coisas, sobre as garantias do apenado (saúde, integridade física, educação, instalações higiênicas, lotações proporcionais à estrutura) bem como a Constituição Federal, que traz a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos do nosso Estado Democrático de Direito, são rasgadas reiteradamente, em um verdadeiro achincalhe de qualquer possibilidade de compreensão do preso como sujeito de direitos.

Nesses espaços, as violações de direitos humanos são constantes. O mais recente Relatório Anual do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura, ao qual compete a realização de vistorias e inspeções nos ambientes em que se encontram privados de liberdade, revelou uma ―produção sistemática de tortura e maus tratos‖ (BRASIL, 2018, p. 33). Nesse sentido, existem ―evidências concretas de pessoas que sobrevivem em edificações precárias e insalubres, impedimento de acesso à água potável, alimentação regular, ou mesmo que tenham assegurados os cuidados com a higiene, banho de sol, mobilidade, etc.‖ (BRASIL, 2018, p. 33).

Os problemas nas unidades também abrangem a precariedade na gestão, evidente na insuficiência de agentes que acaba por inviabilizar a saída de presos das suas celas, suspende suas atividades de educação e trabalho, e acaba delegando muitas vezes a execução da organização no interior das penitenciárias aos membros de facções. O destacamento de forças públicas autoras de práticas truculentas no interior dos presídios, e o uso desmedido da força para contenção dos detentos, também foram constatados. Segundo o mesmo relatório, ocorrem punições de isolamento sem o devido procedimento legal, em celas sem iluminação ou circulação do ar adequados concomitante à privação alimentar (BRASIL, 2018).

Essas práticas de tortura já haviam sido destacadas também em um relatório do Subcomitê sobre a Prevenção da Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos e Degradantes (SPT) das Nações Unidas em 2016, ocasião na qual já se constatava a

impunidade nesses casos como uma regra nas prisões brasileiras18, tanto pelo desencorajamento das denúncias por meio de retaliações, quanto pela dependência dos Institutos de Medicina Legal às autoridades policiais - comprometendo a autonomia dos médicos forenses e os exames realizados por estes - e a morosidade das investigações. Como em ricochete, a violência atinge também os familiares, em sua maioria mulheres, ao visitarem os seus parentes numa espécie de pena compartilhada. O que temos é o estupro institucionalizado, no que é conhecido como revista vexatória, e não são poucos os relatos de familiares que, para que possam entrar nos estabelecimentos, tenham que retirar suas roupas perante os agentes, se agachar diante de espelhos, contrair os órgãos genitais, em um procedimento corporal aplicado inclusive a idosas (BRASIL, 2018). A situação das mulheres no sistema prisional brasileiro é alarmante, inclusive mas não limitando-se ao fato de que ocorreu um crescimento dessa população em 700% nos últimos 16 anos19, segundo o DEPEN. As prisões em sua maioria são devido a lei de drogas, em uma proporção de de 3 a cada 5 mulheres presas - sentenciadas ou no aguardo da sentença - por causa do tráfico (INFOPEN MULHERES, 2018). Em 2015, por exemplo, a maioria das 628 mulheres presas na Penitenciária Feminina da Capital em São Paulo eram estrangeiras e destas, 46 bolivianas, das quais 44 estavam presas por tráfico de drogas20. Assim, temos uma relação direta entre a guerra às drogas e o encarceramento massivo de mulheres. Estas mulheres, por sua vez, estão majoritariamente em espaços projetados por homens e para homens, que ignoram suas condições particulares, são visitadas em alguns estados da federação cinco vezes menos que os homens e são vítimas da escassez de materiais como absorventes. Dessa forma, as mulheres não sofrem apenas por serem mulheres em um sistema androcêntrico, mas ser mulher, e as questões de gênero, são utilizadas como instrumento para intensificação a violência e dos métodos de controle (ITTC, 2016).

É o que resta evidente no relato que compõe o relatório do MPCT:

―Em uma das últimas revistas realizadas na Cadeia Feminina, ocorrida em outubro de 2016, as presas foram levadas ao pátio da unidade, todas com roupas íntimas. As

18

―O representante regional para América do Sul do Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos (ACNUDH), Amerigo Incalcaterra, afirmou que a impunidade em casos de tortura praticados por agentes públicos contra presos se tornou regra — e não exceção — no sistema penitenciário brasileiro.‖ Reportagem disponível em: https://nacoesunidas.org/onu-impunidade-por-tortura-nas-prisoes-e-regra-no-brasil/. Acesso em: 29 de ago. de 2019

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Os números colocam o Brasil no terceiro lugar em população carcerária feminina no mundo, ultrapassando China e Rússia. Reportagem disponível em : https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2018/10/31/estudo- aponta-crescimento-de-700-na-quantidade-de-detentas-em-todo-o-brasil.ghtml. Acesso em: 29 de ago. de 2019

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Os dados são de uma reportagem realizada por Ana Luiza Voltolini Uwai, jornalista do Instituto Terra, Trabalho e Cidadania para o Le Monde Diplomatique, Nosotras: quem são as bolivianas presas em São Paulo? Reportagem disponível em: https://diplomatique.org.br/nosotras-quem-sao-as-bolivianas-presas-em-sao-paulo/ Acesso em: 29 de ago. de 2019

forças de segurança foram compostas basicamente por homens, os quais bateram muito em algumas mulheres. Todas as presas afirmaram que os agentes de segurança teriam gravado vídeos das presas praticamente nuas, tendo recebido respaldo e incentivo de algumas agentes prisionais da unidade. Praticamente todas as mulheres narraram o fato ao MNPCT com muita angústia, sobretudo, pelo fato de os homens terem proferido diversas ofensas e terem ridicularizado seus corpos. Mais grave, o material teria sido compartilhado entre diversos agentes de segurança e era usado sistematicamente pelas agentes prisionais para constranger as mulheres, se tornando fonte de forte humilhação‖ (BRASIL, 2018, p. 57)

Em um de seus relatórios, Tortura em Tempos de Encarceramento em Massa (PASTORAL CARCERÁRIA, 2016), a Pastoral Carcerária alertou quanto ao percentual das denúncias recebidas: 43% eram de vítimas mulheres ainda que, à epoca, estas só representassem 5,8% da população carcerária total, revelando uma imensa desproporcionalidade. Os fatores de risco para essa população vão desde o abandono familiar sofrido e persistência de presídios mistos, à invisibilidade social e ausência de políticas públicas específicas.

O INFOPEN Mulheres (2018) demonstra que apenas 14% das unidades possuem espaços apropriados para bebês de até 2 anos, e apenas 3% das unidades declararam possuir creche, ou seja, um local adequado para crianças acima dos 2 anos. Segundo uma pesquisa realizada no âmbito do Projeto Pensando o Direito da Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça em parceria com o IPEA, as mães não concordam que o espaço prisional seja um ambiente adequado para suas crianças, mas não vê-las também constitui-se uma violência. Dessa forma, o mais apropriado seria pensar em modelos externos de creche, de modo que o vínculo das mães com suas crianças não fosse quebrado (IPEA, 2015). No já mencionado relatório das Nações Unidas, chegou ao conhecimento do Subcomitê o fato de que em alguns locais as detentas deram à luz algemadas, não recebem tratamento obstétrico adequado e houve um relato de que, em 2015, uma mulher deu à luz em uma solitária (UNITED NATIONS, 2016). Essa precariedade no que se refere à saúde da mulher presa também foi trazido por Buckeridge (2011, p. 41), em sua dissertação, ocasião na qual tentou traçar um panorama do cotidiano das prisões femininas:

As deficiências no que tange à saúde física e mental dentro da penitenciária também são evidentes no cotidiano prisional. Vemos mulheres andando pelos espaços com dores, circulam notícias de mulheres acamadas e gravemente doentes com consultas marcadas para meses adiante, há numerosas crises epiléticas, algumas das quais presenciamos e que precisaram ser contidas e socorridas por outras mulheres presas. O atendimento médico costuma ser prestado apenas em casos bastante graves, enquanto os outros tendem a ser adiados, pois precisam de transporte e escolta para que possa ser realizado em um hospital próximo, e portanto externo, ao complexo prisional

Dessa forma, concluímos em consonância com Estrela (2018) quanto à problemática da mulher presa sobre esta requerer uma observação muito particular que vai desde o processo