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4. A FAZENDA PÚBLICA EM JUÍZO COMO EXECUTADA

5.2. Medidas executivas

5.2.5. Prisão penal

Outra grande discussão relativa ao tema da execução das obrigações de fazer e não fazer contra a Fazenda Pública consiste em saber se o agente público que descumpre ordem judicial comete ou não o crime de desobediência.

A doutrina majoritária291, encabeçada por Hely Lopes Meirelles, é

favorável à tipificação nesta hipótese. Afirma este renomado jurista que “o não

290 Execução em face da Fazenda Pública, p. 285.

atendimento do mandado judicial caracteriza o crime de desobediência à ordem legal (CP, art. 330), e por ele responde o impetrado renitente, sujeitando-se até mesmo à prisão em flagrante, dada a natureza permanente do delito” 292.

Nesse mesmo sentido orienta-se a jurisprudência majoritária, especialmente a do Superior Tribunal de Justiça293, que reiteradamente tem decidido

que o descumprimento da ordem pela autoridade coatora caracteriza o crime de desobediência, sob o fundamento de que ele também pode ser praticado por funcionário público.

Em que pese essa respeitável posição, parece que a razão encontra-se com a doutrina minoritária294.

De fato, o crime de desobediência295 está inserido no Capítulo II

do Título XI do Código Penal, que trata especificamente dos crimes praticados por particular contra a Administração em geral. Bem por isso, Cassio Scarpinella Bueno296

defende que o descumprimento da ordem concedida no mandado de segurança não o tipifica, exatamente porque a autoridade coatora é funcionário público e não particular.

Os crimes praticados por funcionário público contra a Administração em geral estão, diferentemente, previstos no Capítulo I desse mesmo

292 Mandado de segurança, p. 96.

293 Com a ressalva de que não cabe a ameaça de prisão em flagrante do paciente, porquanto se trata de

crime de menor potencial ofensivo. (HC nº 30.390 – AL).

294 Cassio Scarpinella Bueno, Liminar em mandado de segurança: um tema com variações, p. 351; Leonardo

José Carneiro da Cunha, A Fazenda Pública em juízo, p. 274.

295 Art. 330. Desobedecer a ordem legal de funcionário público:

Pena – detenção, de 15 (quinze) dias a 6 (seis) meses, e multa.

título, sendo que o crime que mais se assemelha ao de desobediência seria o de prevaricação297.

O problema reside no fato de que o crime de prevaricação exige dolo específico – para satisfazer interesse ou sentimento pessoal –, o que dificulta a tipificação da conduta.

Não obstante, parece que realmente o funcionário público que, nesta qualidade, deixa de cumprir determinação legal, v.g., relativa ao cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer (art. 461) e a concessiva do mandado de segurança, pratica o crime de prevaricação298, caso presente o dolo específico,

enquanto que, agindo como particular, pratica o crime de desobediência.

Ora, não se pode negar que o agente público recebe a ordem nessa qualidade e, portanto, não pode cometer o crime de desobediência nesse mister.

A jurisprudência que adota o entendimento contrário ao explicitado no parágrafo anterior o faz sob o fundamento de que a não caracterização, na hipótese, do crime de desobediência, tornaria a ordem sem qualquer imperatividade. Contudo, pensamos que o argumento não autoriza que uma conduta não tipificada penalmente sofra sanção dessa natureza.

297 Art. 319. Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição

expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal: Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa.

298 Cogita-se, ainda, na doutrina, a configuração, nesta hipótese, de crime de improbidade

administrativa (Cassio Scarpinella Bueno, Liminar em mandado de segurança: um tema com variações, p. 351) e crime de responsabilidade, se praticado por Prefeito, Presidente da República ou por Ministro de Estado (Leonardo José Carneiro da Cunha, A Fazenda Pública em juízo, p. 275).

Mas, então, como dotar a ordem judicial, v.g., concedida no mandado de segurança, de eficácia? Parece que a solução mais adequada é aquela apontada por Cândido Rangel Dinamarco299, Cassio Scarpinella Bueno300 e Eduardo

Talamini301, segundo os quais devem ser aplicadas subsidiariamente ao mandado de

segurança as regras do artigo 461 do Código de Processo Civil.

Embora, como afirmado, esta pareça a solução para o problema, impende salientar que o Supremo Tribunal Federal302 já entendeu que o Código de

Processo Civil não deve ser aplicado subsidiariamente ao procedimento do mandado de segurança, sob o fundamento de que este é inteiramente regulado por lei especial, excetuando-se os casos em que há disposição expressa, como a do artigo 19 da Lei 1.533.

A despeito desse entendimento, parece que o artigo 461 aplica-se também às decisões proferidas no mandado de segurança, haja vista que o processo civil deve fornecer os meios necessários para cumprimento dos provimentos jurisdicionais nele proferidos, sem necessidade de se socorrer do processo penal.

Realmente, conforme ensinamentos de José Joaquim Gomes Canotilho:

[...] a existência de uma protecção jurídica eficaz pressupõe o direito à execução das sentenças(‘fazer cumprir as sentenças’) dos tribunais através dos tribunais (ou de outras autoridades públicas), devendo o Estado fornecer todos os meios jurídicos e materiais necessários e adequados para dar cumprimento às sentenças do juiz303.

299 Cândido Rangel Dinamarco, Fundamentos do processo civil moderno, v. 1, p. 606. 300 Liminar em mandado de segurança: um tema com variações, p. 349.

301 Tutela relativa aos deveres de fazer e de não fazer, p. 447.

302 Acórdão proferido no RE 83.246 que, por maioria de votos, entendeu não serem cabíveis embargos

infringentes no procedimento do mandado de segurança.

Outra questão que se coloca é se a imposição da multa diária no mandado de segurança descaracterizaria a ordem, entendimento que prevalece na jurisprudência, conforme acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal, de ementa abaixo transcrita:

CRIME DE DESOBEDIÊNCIA - COMINAÇÃO DE MULTA DIÁRIA ("ASTREINTE"), SE DESRESPEITADA A OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER IMPOSTA EM SEDE CAUTELAR - INOBSERVÂNCIA DA ORDEM JUDICIAL E CONSEQÜENTE DESCUMPRIMENTO DO PRECEITO - ATIPICIDADE PENAL DA CONDUTA - "HABEAS CORPUS" DEFERIDO.

- Não se reveste de tipicidade penal - descaracterizando-se, desse modo, o delito de desobediência (CP, art. 330) - a conduta do agente, que, embora não atendendo a ordem judicial que lhe foi dirigida, expõe-se, por efeito de tal insubmissão, ao pagamento de multa diária ("astreinte") fixada pelo magistrado com a finalidade específica de compelir, legitimamente, o devedor a cumprir o preceito. Doutrina e jurisprudência.304

Este entendimento funda-se no princípio que veda a cumulação das sanções305.