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Capítulo 2 – Os atores dessa experiência na escola 94 

2.1 Pro[mo]ver encontros 94 

Escrevi sobre a experiência e encontro e, por hora, não vou definir seus atores, mas trazê-los para a cena. A arte se manifesta de várias formas. Dessa maneira, mais do que fortalecer uma linguagem dentro da escola, é importante deixar que tais manifestações ocupem os espaços para construção de sentido deles, percebendo o que há da palavra em cada linguagem artística. Teatro, para mim, é encontro e presença. Pensar os atores da escola é, justamente, permitir que todo indivíduo que nela chegar possa ser participante de suas cenas e jogos. Assim, na escola, todos os que compõem e fazem parte desse espaço atuam em sua construção, deixando e criando marcas que acompanham a todos nesses processos de emancipação. As teatralidades foram trabalhadas dentro das narrativas e intervenções e, por isso, a necessidade de se pensar o teatro nesse trabalho.

Ao pensar teatro como presença, crio aproximações com a poética do Oprimido, desenvolvida por Augusto Boal (2011) aliam-se “objetivos no sentido de resgatar, desenvolver e redimensionar essa vocação humana, tornando a atividade teatral um instrumento eficaz na compreensão e na busca de soluções para problemas sociais e interpessoais” (BOAL, 1996, p.29). 

Dessa forma, nessa construção, a poética teatral nos ajudou a criar espaços para este trabalho, pelo jogo entre atores e espectadores e a possibilidade da palavra-ação, que sai dos papéis e ocupam bocas, movimentando corpos. Essa linguagem proporcionou um olhar para si, espelhado no outro, como sugere o exercício proposto durante um dos encontros. 

Nesse jogo de movimentos, palavras e ações, Boal (2011) aponta que o teatro está dentro de todo ser humano e que somos atores dentro dos vários acontecimentos cotidianos. Justamente essa é a busca desse movimento na escola: o teatro do cotidiano. 

Na poética do oprimido, Boal (2011) coloca o teatro com um ensaio da revolução. 

A poética do oprimido é essencialmente uma poética de libertação: o espectador já não delega poderes aos personagens nem para que pensem, nem para que atuem em seu lugar. O espectador se libera: pensa e age por si mesmo! Teatro é ação!

Pode ser que o teatro não seja revolucionário em si mesmo, mas não tenham dúvidas: é um ensaio da revolução (BOAL, 2011. p. 237).

O autor nos ajuda a pensar a experiência. Vimos, portanto, que mais do que criar oficinas de sensibilização de um teatro que esteja distante dessa partilha quando define personagens, estrutura regras e se prende em padrões estéticos da massa, a proposta para conversar sobre tais potências é de substituir a cena para compor a roda, tomando posse da linguagem teatral pela possibilidade de ex-posição da palavra e do jogo que se dá, exatamente, pelo encontro, pelas histórias postas à mesa e pelo algo a movimentar e dizer, como aconteceram nos encontros. 

Rancière (2002) nos ressalta que o jogo surge como um terceiro instinto, à partir de um antagonismo entre o instinto de autonomia e o de heteronomia. Ao fazer a roda para nos aproximar das relações estabelecidas na escola, colocamos nossos corpos em cena para jogar entre esses dois instintos.

Desde o Romantismo alemão, a reflexão sobre o teatro passou a ser associada a essa ideia de coletividade viva. O teatro mostrou-se como uma forma da constituição estética – da constituição sensível- da coletividade. Entenda-se aí a comunidade como maneira de ocupar um lugar e um tempo, como o corpo em ato oposto ao simples aparato das leis, um conjunto de percepções, gestos e atitudes que precede e pré-forma as leis e instituições políticas (RANCIÈRE, 2012, p.11).

Ao definir o jogo, Rancière (2002) nos aproxima de questões de um movimento de aparências, ao mesmo tempo em que nos lança reflexões sobre o muito dito senso comum e o quanto isso está imbricado de forma errônea na sociedade e, consequentemente, dentro da escola. Por isso, o teatro se manifesta pela presença e pelo propósito do coletivo.  

Guénoun (2012) nos convidou a pensar a atividade teatral como forma de governo, entendendo que o povo necessita da moral, mas que o sensível

se alcança pela estética, mais do que pela racionalidade. É preciso que se pense em como não fazer da atividade da cena algo que se doutrine dentro dos espaços de educação e que atividades que envolvam arte – nesse caso o teatro – saiam de padrões estéticos massificados para se colocar de forma a realmente abrir espaços de expressividade. Em outras palavras, é preciso que os condutores de atividades estejam atentos para que a necessidade da atividade artística tenha coerência com os clamores do grupo, e não apenas com os clamores de um indivíduo ou com valores impostos pela mídia. 

Ao propor o encontro como potência, buscamos chances iguais para que todos os indivíduos em sua coletividade potencializassem sua palavra. O teatro se colocou dessa maneira, especificamente neste trabalho: como o poder do coletivo para criar formas sensíveis de se pensar o espaço que ocupa. 

Assim, as intervenções pensaram a palavra e tiveram muito de teatro e cena em sua elaboração, na maneira em que o grupo intensificou suas palavras em comum e ao mesmo tempo expôs suas singularidades em suas experiências, criando, verdadeiramente, encontros com conversas que compusessem uma teatralidade na maneira que desloca o cotidiano para um espaço específico e dispõe pessoas nesse jogo de deslocamento, abstração e análise de sua própria realidade para posteriores ações e mudanças potentes, ou não, criadas nos corpos a partir desses eventos.

O sensível do teatro é a exposição da ação. Moral e filosofia estão assim apanhadas na tessitura de uma história que as tece e desenha sua visibilidade. As verdades do teatro (ou teatrais) são narrativas (GUÉNOUN, 2012, p. 55).

Toda a narrativa que está presente no teatro é pertinente pela projeção da palavra, a qual cria uma sensibilidade de movimento em todo o acontecimento. Nesse sentido, a palavra dimensionada em ato constrói movimentos da cena, criando nos corpos que agem, ouvem e esperam acerca do que se projeta nesse jogo (GUÉNOUN, 2012).

Rancière (2009) salienta que à luz de performances de movimentos teatrais está nítido seu fazer político enquanto expressividade que se desdobra em formas de ser desde sempre. O teatro como política e estética, ao colocar corpos em cena através de conflitos que serão resolvidos, ou não,

nesse confronto consigo, com o outro e com o público, nos mostra que precisamos, por conseguinte, aqui pensar criticamente essa distribuição de lugares que segrega os pensamentos comuns.

Do ponto de vista platônico, a cena do teatro, que é simultaneamente espaço de uma atividade pública e lugar de exibição dos fantasmas, embaralha a partilha das identidades, atividades e espaços (RANCIÈRE, 2009, p. 17). É preciso usar palavra, teatro e coro, como destaca Rancière (2009), para mobilizar sensibilidades e ocupar espaços de ausência e silêncio na escola. Esse teatro que seja da potência com uma palavra, a qual pode ser construída pelos seus atores de forma expansiva, formando, assim, um coro com unidade de presença e voz. Criar um coro que seja ouvido, que seja dono de suas palavras.

Pensar assim, em performaticidades e cenas na escola, aqui, neste momento e processo, excluiu-se pensar em um processo pronto, mas sim, em um processo do acontecimento, da concretização do corpo em comum que, no ser-junto, forma coros mobilizados pela palavra, pela não palavra e pela experiência. Pensar arte como processo e linguagem na escola. Ser linguagem e processo pela arte. Ser silêncio e palavra. Ser fala.

Irwin (2013) trata dos processos de desvelamento daquilo que não se fala. Desse modo, a escola que não cria os espaços de conversa acaba por neutralizar os seus ambientes, favorecendo apenas diálogos superficiais sobre os mais variados temas que permeiam o ambiente escolar. Dessa maneira, com base na autora supracitada, pensar a arte na escola de forma interventiva e não decorativa pode ser o objetivo do educador, ao refletir sobre sua prática cotidiana, para mobilizar estratégias de encontros e permear, gradativamente, a todos os envolvidos no processo escolar.

Por isso, o teatro se fez potente motivação para o encontro. Um teatro não estabelecido entre ator e plateia. Não destinado a entreter, mas a construir, um teatro evocativo e motivador, que coloque como protagonista todo aquele que tenha uma história para contar e que possa, através da cena, olhar para si, entendendo que quem está ao seu lado também tem

história, também pode criar cena, também pode protagonizar, dentro e fora da escola.